Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Prestar serviço público não é exclusividade das emissoras públicas

Em um país como o Brasil, onde o sistema de radiodifusão é dominado pelo modelo de televisão privado/comercial e apenas cinco grandes redes (Globo, Record, SBT, Band e Rede TV!) abocanham quase a totalidade da audiência e da receita publicitária e ainda prezam pela veiculação de produções de baixíssimo nível, tornou-se habitual pensar que emissoras de rádio e TV de caráter público devem cumprir as tarefas que as demais não cumprem.

Tais tarefas seriam, primordialmente, as de oferecer uma programação de mais qualidade, voltada para um conteúdo de caráter educativo e informativo. Não há dúvidas que o principal objetivo de emissoras públicas de rádio e TV é prestar um serviço público, focado no cidadão, sem se preocupar em agradar o mercado publicitário. No entanto, todos sabem que oferecer aos brasileiros uma programação que valorize conteúdos educativos, culturais, informativos e artísticos não é tarefa única e exclusiva da radiodifusão pública.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 221, determina que:

“A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:

I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;

II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;

III – regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;

IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.”

Recomendações constitucionais

Como podemos perceber, o artigo constitucional não diferencia a radiodifusão pública da comercial ao determinar o cumprimento dos princípios a serem seguidos nas programações das emissoras de rádios e TVs. A obrigação de veicular uma programação que respeite a família, a criança e o adolescente, que valorize a diversidade cultural e regional brasileira e que proporcione espaço para a exibição de produções independentes, não pode ficar na conta somente das emissoras públicas de rádio e televisão.

Afinal, o sistema público de radiodifusão no Brasil é, historicamente, em especial o de TV, bastante incipiente e subdesenvolvido, se comparado ao privado. Ainda não possui o mesmo alcance das redes comerciais. Nos estados, por exemplo, boa parte das emissoras públicas de rádio e TV carece de infraestrutura, de financiamento e de recursos humanos, servindo de impeditivos para oferecer à sociedade uma programação de qualidade, tanto em termos estéticos quanto de conteúdo.

É óbvio: o Estado deve investir num sistema público de comunicação forte, abrangente e acessível a todos os brasileiros. Inclusive, desde 2007, temos em pleno funcionamento a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), detentora de duas emissoras de TV (a TV Brasil e TV Brasil Internacional), de oito emissoras de rádio (entre elas a Rádio Nacional e a Rádio MEC) e de uma agência de notícias (a Agência Brasil). No entanto, o modelo de negócios adotado não pode servir de justificativa para que as emissoras comerciais descumpram os princípios constitucionais acima destacados. Na condição de serviço público que é a radiodifusão no Brasil, é obrigação de emissoras públicas (educativas, culturais, legislativas e comunitárias), privadas e estatais atuarem de forma a valorizar em suas programações um conteúdo voltado para a cidadania, a cultura, a educação e à formação crítica da sociedade através da informação.

Talvez o surgimento de um novo, moderno e democrático marco regulatório possa tornar realidade o que hoje são, na prática, meras recomendações constitucionais.

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[Vilson Vieira Jr. é jornalista, Serra, ES]