Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Paralisação e caos estragam clima de festa

31 de janeiro de 2012. Faltava apenas um dia para o mês mais esperado do ano chegar. Fevereiro em Salvador, todo mundo sabe, é sinônimo de festa. É tempo de saudar a rainha do mar, de lavar as ruas em festas populares, de ter ensaios de verão de segunda a segunda e, é claro, de começar a contagem regressiva para a maior festa popular do planeta, o carnaval. Nessa época, a trilha sonora composta pelo cantor Netinho embala o coração dos baianos. “Já pintou verão, calor no coração. A festa vai começar. Salvador se agita numa só alegria.”

E com tantos eventos acontecendo todos os dias da semana, só restava uma preocupação na cabeça dos baianos e turistas que estavam na cidade: “Qual show eu vou curtir hoje?” E assim se iniciava a tradicional preparação para o carnaval. A ordem era aproveitar, até que um fato inesperado mudou a rotina dos soteropolitanos. Quando o tão esperado fevereiro chegou e o clima de festa já contagiava a todos, um dos nossos problemas sociais ganhou visibilidade. No dia 1º de fevereiro é decretada a greve parcial dos policiais militares da Bahia. Dos 32 mil agentes que atuam no estado, cerca de 10 mil cruzaram os braços.

A Associação de Policiais e Bombeiros e de seus Familiares do Estado da Bahia (Aspra-BA), presidida por Marcos Prisco, foi a primeira a deflagrar a greve. Além dessa, a Associação dos Praças da Polícia Militar da Bahia (APPM) e a Associação dos Subtenentes e Sargentos da Polícia Militar (ASSPM) também aderiram à causa. Desde o primeiro dia de paralisação, os policiais grevistas estão acampados na Assembleia Legislativa da Bahia, situado no Centro Administrativo do estado. Alguns PMs estão acompanhados de esposas e filhos.

Terror tomou conta da cidade

Os PMs reivindicam o pagamento da URV (Unidade Real de Valor), reajuste dos salários no período de transição do cruzeiro para o real; o pagamento da GAP IV e V, que institui a Gratificação por Atividade Policial Militar; o pagamento do adicional por exercício de atividades insalubres, perigosas ou penosas; a aplicação administrativa no âmbito interno do PMBA da anistia já concedida pelo governo federal aos policiais envolvidos no movimento grevista de 2001; e anistia aos policiais envolvidos neste movimento atual, buscando evitar retaliações posteriores.

Durante o período de greve, Salvador viveu uma semana atípica. De 1º a 7 de fevereiro, o número de homicídios, de acordo com a Secretaria de Segurança Pública da Bahia, já passava de cem. Um aumento de mais de 130%, comparado ao mesmo período da semana anterior. Além das mortes contabilizadas, houve uma série de acontecimentos que deixaram a população com uma forte sensação de insegurança e medo. Viaturas roubadas, lojas saqueadas, ônibus invadidos e incendiados, arrastões pela cidade, homens encapuzados atirando para todos os lados, inocentes assaltados e mortos, e a “terra festeira, de gente bonita”, dita por Daniela Mercury, é transformada num campo de guerra.

O terror tomou conta de Salvador, e os principais acusados pelos crimes de vandalismo são os policias grevistas. A população temerosa evita sair de casa, o medo paira pelo ar e as opiniões divergem entre os soteropolitanos. “De quem é a culpa, do governador, que não paga salário digno pela segurança pública do estado, ou da policia, que aterroriza a cidade, e por vezes é confundida com bandidos, com o intuito de chamar atenção para o movimento grevista?”

Consequências da greve

Diante da situação, o governo do estado buscou reforço nacional para conter as ações dos grevistas. As Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica) e a Força Nacional de Segurança, vinculada ao Ministério da Justiça, disponibilizaram cerca de três mil militares para apoiar nas ações de segurança pública em Salvador e algumas cidades do interior da Bahia. A presidente do Brasil, Dilma Rousseff, decretou a “Operação de Lei e Ordem” e afirmou que os atos de vandalismo feito por policiais militares serão julgados como crime federal. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, fez o pedido de reserva de vagas em presídios de segurança máxima para encaminhar, caso seja necessário, os policiais militares que tenham cometido algum tipo de crime durante a mobilização grevista. A Operação de Lei e Ordem significa a possibilidade de mobilização da Força Nacional, da Polícia Federal e das Forças Armadas sob o comando do Ministério da Defesa. Nesse sentido, Cardozo disse que a Polícia Federal já está orientada para que transgressões à lei, como depredações e ataques a equipamentos, sejam apuradas e punidas com o máximo rigor.

Blindados do Exército circulam pela cidade desde domingo (05/02), o cenário é típico de guerra. À noite, a tropa cercou a Assembleia Legislativa da Bahia, buscando o cumprimento de 12 mandatos de prisões para os policiais, líderes do movimento, que teriam sido identificados em atos de vandalismo. Na manhã de segunda-feira (06/02), iniciaram os confrontos, balas de borrachas foram disparadas e manifestantes foram atingidos. Ao avaliar a situação tensa, o Juizado de Menores exigiu a retirada das crianças do local. Pela cidade, o medo era ainda maior; o caos se instalou nas principais avenidas e a população teve mais um dia de pânico.

Sem horário de fechamento, sofrendo com vandalismo e boatos de arrastões, o movimento no comércio teve uma queda significativa. Segundo o vice-presidente da Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL) do estado, Geraldo Cordeiro, houve uma diminuição de cerca de 80% nas vendas. O transporte público também foi afetado com a crise e o Sindicato dos Rodoviários informa que o número de passageiros foi reduzido entre 10% e 15%. O Sindicato dos Motoristas Autônomos Taxistas de Salvador divulgou que muitos motoristas estão receosos e por isso evitam sair às ruas. Todos os shows de verão, peças teatrais, e eventos que costumavam acontecer todos os dias da semana foram cancelados. A área da educação também foi afetada. O ano letivo que iria iniciar na segunda-feira (06/02), foi adiado por medida de segurança, e os alunos estão em férias forçadas. O ramo hoteleiro também sofreu consequências drásticas, pois um grande número de reservas em hotéis e pousadas foram canceladas. A cidade da festa se transformou numa prisão domiciliar.

Grevistas exigem absolvição

Várias reuniões estão acontecendo durante o período de greve, entre associações policiais, representantes do governo e o clero. Foram oferecidos 6,5% , em um reajuste anual com base na inflação. Uma das principais reivindicações da PM, depois de horas de negociação, foi aceita parcialmente pelo governo, a GAP 4. O impasse é que o governador diz não ter recursos para que o pagamento seja feito imediatamente, pois representa um impacto 170 milhões na folha do governo. A proposta levantada por ele é de que o valor da gratificação seja pago de forma diluída ao longo dos três próximos anos. Atualmente, os policiais recebem a gratificação de nível três e o salário do soldado varia entre R$ 1.900 e R$ 2.300.

“Nós, ao longo de cinco anos, concedemos 30% de aumento real. E eu tenho limite na folha. As negociações são em torno desse valor, da chamada GAP 4 e eventualmente até da GAP 5, mas evidentemente isso terá que ser partilhado ao longo de 2013, 2014 e até 2015. Se for para pagar alguma coisa imediatamente, não há menor espaço, porque eu não tenho espaço fiscal para fazê-lo", afirmou o governador Jaques Wagner.

Outro ponto importante das negociações refere-se a anistia aos policiais envolvidos nas manifestações. Os grevistas exigem que seja concedida a absolvição, mas o governo descartou concedê-la aos grevistas que realizaram “atos criminosos” e minimizou as punições àqueles que participaram pacificamente do movimento. “Anistia se concede em um regime de exceção e de guerra, e estamos em uma democracia”, afirmou Wagner. Ainda conforme o governador, é preciso separar quem participou da greve sem causar danos a sociedade, utilizando seu direito de se manifestar, daqueles que usou de atos criminosos infringindo a lei. Para estes, o governo assegura que serão punidos com o devido rigor.

“Carnaval dá conta de reverter a imagem”

Os questionamentos se mantêm vivos, e as palavras da jornalista e mestre Daniela Souza, cabe no contexto, “qual de fato é o limite de uma reivindicação? Qual a postura que o governador deve tomar? Ceder ao clamor é atender a necessidade real ou ceder nesse caso é render-se ao grupo armado?” Questões que partem do âmbito acadêmico, hoje ultrapassa a intelectualidade e chega a grande massa. Afinal, o povo também quer saber, a greve dos PMs é uma ameaça a democracia ou é a luta justa por melhores condições de trabalho? Enfim, a população diverge opiniões, a oposição partidária aproveita o momento para criticar e o governo tenta amenizar a situação.

E com o passar dos dias, os baianos vão tentando dar continuidade as suas vidas, ainda muito assustados, mas buscando se adaptar a então realidade da cidade. O governador promete resolver a situação o mais breve possível, afirmando que o carnaval não será adiado ou cancelado, dessa forma as expectativas aumentam em torno da festa mais esperada do ano. “O próprio carnaval dá conta de reverter a imagem da Bahia”, afirma Wagner. E a população torce para que isso seja verdade e, quando a greve acabar, os holofotes da imprensa deixem as notícias tristes de lado e os focos atinjam apenas os circuitos da folia, as avenidas invadidas pelos trios e foliões e a típica alegria baiana. Moraes Moreira já dizia: “Apé ou de caminhão não pode faltar a fé, o carnaval vai passar.”

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[Luar Montes e Tamirys Machado são jornalistas, Salvador, BA]