Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Intercâmbio midiático está sem rumo

A profundidade da relação cultural, social e econômica de Portugal e Brasil ainda não encontrou um horizonte com terra firme no campo da mídia. Nem o fato de compartilharem o mesmo idioma faz deslanchar uma circulação de conteúdo informativo mais consistente entre as duas margens do Atlântico.

Passou quase batido o recente desligamento do prestigiado jornalista lusitano Carlos Fino da função de conselheiro de imprensa na embaixada portuguesa em Brasília. Não fosse o envolvimento de intelectuais, dentre comunicadores e acadêmicos, que se mobilizaram em abaixo-assinado pela internete apelos nas redes sociais, o episódio não teria ganhado dimensão pública.

Ao longo de sete anos, Carlos Fino cumpriu papel estratégico para estreitar as relações entre os dois países. Além de uma reconhecida atuação como assessor de imprensa, abrindo portas para os meios de comunicação brasileiros em busca de informação sobre Portugal, o jornalista se envolveu em projetos promissores, como a série televisiva Lá e Cá, exibida na pareceria entre Rádio Televisão Portuguesa (RTP) e TV Cultura de São Paulo. Fora as suas incontáveis participações em eventos científicos, de negócios, cursos e palestras, sempre em nome dessa necessária aproximação diplomática.

70 voos semanais

A saída de Fino é, na realidade, uma das faces mais expressivas do esfriamento que se observa na relação midiática entre os dois países. Parte da explicação está no interior da atual lógica político-econômica, em que Portugal figura na lista das principais vítimas do processo de crise financeira pelo qual passa a zona do euro. Somente há um mês o governo lusitano nomeou um novo embaixador no Brasil, função que ficou desocupada por impressionantes 180 dias.

A Agência de Notícias Lusa – que alimenta a mídia de Portugal e também outros países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) – eliminou, ao menos temporariamente, a função de correspondente em Brasília, sede do governo. É muito provável que a agência espanhola EFE transmita, para cá, mais notícias sobre Portugal do que os próprios veículos lusitanos. O escritório local da Agência para Investimento e Comércio Externo de Portugal (Aiscep), em São Paulo, está sem titular desde agosto de 2011. São todos movimentos que contrastam com o interesse progressivo que os portugueses têm manifestado pelo Brasil.

Dados recentes divulgados por um dos mais respeitados semanários da terrinha, a revista Visão, dão conta de um contingente de 350 mil lusitanos vivendo no Brasil. Foram atribuídos, apenas no primeiro semestre de 2011, um total de 52 mil vistos de trabalho a cidadãos portugueses.

São 70 voos semanais ligando as principais capitais brasileiras com Lisboa, transportando algo como 1,1 milhão de passageiros; de longe. a principal ponte aérea internacional do Brasil. Não é trivial.

Ano de Portugal no Brasil e vice-versa

Mas a desatenção portuguesa, que nem a economia explica, se manifesta com força na seara da mídia. A pouca presença lusitana pode ser notada, por exemplo, na oferta de serviços de comunicação básicos. O canal mais importante, a emissora pública RTP, já não está disponível na programação das operadoras de TV por assinatura daqui. Aliás, a RTP nem tem estrutura importante no Brasil. Portais de notícia relevantes, como o UOL, não listam um único jornal português em sua seção de periódicos internacionais, enquanto os europeus Le Monde, El País, Der Spiegel, para não falar dos americanos The New York Times e Herald Tribune, ganham extensas versões para brasileiro ver.

É incrível não haver iniciativas de colaboração como as que vemos entre os meios de comunicação locais e a Rádio França Internacional ou a britânica BBC. A presença de Carlos Fino certamente contribuiria para uma interlocução desse porte, ou mesmo para o fomento de negócios a partir eventos e espaços apropriados para isso, no que a tarefa diplomática poderia ser decisiva.

Esse apagão midiático é tanto mais desagradável na atual conjuntura, em que vamos celebrar o Ano de Portugal no Brasil e vice-versa – que começa em 7 de setembro e vai até 10 de junho de 2013. Se realmente somos prioridade na política externa portuguesa, sobram pontos de interrogação para os duvidosos procedimentos adotados até agora.

***

[Pedro Rafael Ferreira é jornalista, mestrando em Comunicação pela Universidade de Brasília (UnB)]