Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Observações sobre o jornalismo e seus entornos

Cenário 1 – greve e transportes públicos

Na RBSTV, em Florianópolis, na terça-feira, 29 de maio, segundo dos três dias da greve do setor de transportes públicos, apresentador chama: “Ônibus devem rodar com no mínimo 100% da frota em horários de pico”. Ou seja, em horários de pico não há greve, já que funcionar totalmente é a não-greve. Ou poderia, além disso, funcionar com 500% da frota? Qualquer greve, em qualquer lugar do planeta, é para chamar a atenção de um setor, de uma categoria, de um salário. Greve que não causa problema só mostra que tal categoria ou setor não tem nenhuma relevância social.

Faltaram: a) histórias de como vivem motoristas, cobradores e suas famílias e um olhar menos conservador; b) realçar que, se houve muitos problemas, é porque motoristas e cobradores são muito importantes e, portanto, a remuneração deve estar à altura da relevância do trabalho e dos prejuízos que ocorrem quando não funciona. Faltou, na maioria das coberturas, jornalismo.

Cenário 2 – reportagem e segredo

No mesmo grupo e na mesma semana (de 28 de maio a 1º de junho), matéria televisiva com boa repercussão, produzida por Rafael Faraco, destaca a venda de atestados falsos por médico credenciado pelo Conselho Regional de Medicina de Santa Catarina. No caso, parece haver um acerto muito grande na produção da matéria.

Como nem CRM nem Justiça conseguem investigar tudo, por falta de estrutura, por dificuldades de tempo ou por outros motivos, o Jornalismo tem um papel adversarial ainda muito relevante. Tensiona os poderes para que ajam e se antecipa a eles na agenda pública do que deve ser discutido, especialmente quanto aos prejuízos sociais de determinados atos. É um bom jornalismo, ainda que com riscos profissionais, inclusive físicos. Por isso, a figura do repórter, quando bom repórter, continua tão importante.

Cenário 3 – assessorias, sucursais do jornalismo?

Com o enxugamento das redações e a profissionalização das assessorias de imprensa, cresce o trabalho feito com técnicas jornalísticas dentro das organizações públicas e privadas não jornalísticas. A perspectiva de dar visibilidade interna ao público externo, seja relacionado ou não à área da assessoria, leva a um certo “relaxamento” na apuração de fatos e dados e se aceite versões prontas das fontes que se deveria cobrir jornalisticamente. De um lado, há uma aceitação das versões das assessorias, que para o bom jornalismo seria apenas o início do processo de apuração e de verificação. De outro, há uma “vantagem” para as empresas jornalísticas, que economizam em reportagens e em contratações de profissionais. Economizam custos, não recolhem para a previdência nem pagam FGTS e evitam deslocamento de profissionais, sem preocupação com seguro de vida, vale-transporte, férias e outros direitos trabalhistas.

Quanto aos conteúdos, a declaração se sobrepõe ao papel questionador da pergunta, já que não há perguntas incômodas, mas respostas de uma só direção. É como se as redações fossem abastecidas pelas suas “sucursais”, que estão em órgãos públicos e privados e não as pagassem, já que as fontes é que pagam para sair no jornal. Não ao jornal, mas ao assessor.

Cenário 4 – o colunismo e a verificação

O colunismo, em qualquer área, situa-se geralmente sobre um fato ou tema já investigado por outros, os repórteres. Mas nem sempre. Ainda que de forma rara, há colunistas repórteres, que têm suas fontes confiáveis e que apuram e verificam fatos e informações prestadas. E, até mesmo, “furam” a reportagem. O melhor colunismo é também o que não apenas recebe a informação pronta e a divulga ou comenta simplesmente. É aquele que também confere, apura e, de preferência, vai “à rua”.

Com a profissionalização das fontes e de seus assessores, qualificados para estabelecer critérios de relevância, apurar e escrever, o colunismo tende a ser “vítima” de uma armadilha que ele mesmo criou. Qual? A aceitação de um jogo em que os atores são sempre interessados e em que pode não haver a dúvida, representada pelo método das perguntas clássicas socráticas: foi assim? como foi? porque assim aconteceu? porque devo acreditar? qual seu interesse em me contar tal coisa? São perguntas que poucos colunistas fazem. É mais fácil receber a informação embalada pela fonte.

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[Francisco José Castilhos Karam é professor da Universidade Federal de Santa Catarina e pesquisador do objETHOS]