Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Quem lê mais deve pagar menos

O vice-editor executivo do americano The Wall Street Journal, Raju Narisetti, instigou diretores de jornais brasileiros a pensarem na adoção de um modelo inovador de cobrança por conteúdo digital, em que os leitores passariam a pagar menos pelo acesso às informações on-line à medida que usassem mais o site e se engajassem, comentando reportagens, recomendando artigos nas redes sociais e respondendo a pesquisas publicitárias, por exemplo. Em palestra ontem, segundo dia do 9º Congresso Brasileiro de Jornais, promovido pela Associação Nacional de Jornais (ANJ), Narisetti chamou o modelo de freewall (sem barreiras), e seria uma alternativa ao paywall (barreira de pagamento), que já vem sendo usado por veículos estrangeiros e brasileiros.

No Brasil, os jornais Folha de S.Paulo e Zero Hora já adotaram sistemas de paywall. No site da “Folha”, o leitor tem acesso gratuito a uma quantidade determinada de reportagens e, ultrapassada essa quantia, ele tem que pagar. Outros jornais do país estudam a melhor forma de cobrar pelo seu conteúdo na web. A questão é como fazer isso sem afastar os leitores com a decisão. Para Narisetti, paywalls não funcionam para todos os jornais da mesma maneira:

– Paywalls são inerentemente negativos. Estamos dizendo para o leitor que ele tem, por exemplo, 20 matérias de graça e, quanto mais ele lê, mais perto ele fica de ter que nos pagar.

Indústria de games adotou modelo

Uma alternativa, propôs, seria um modelo similar ao de milhas de empresas aéreas, em que os leitores seriam premiados com pontos na medida de seu engajamento.

– A ideia é que os leitores tenham escolha. Podem pagar, mas, se tiverem muita atividade no site, talvez eles possam obter o conteúdo de graça. Pode funcionar assim, não significa que é uma fórmula para todos, é só uma ideia.

Narisetti afirmou que o Wall Street Journal, que cobra pelo acesso a seu conteúdo há anos, não pensa em usar o freewall . Ele contou que teve essa ideia quando trabalhava no Washington Post, mas o jornal americano também descartou a possibilidade de usá-la, pois preferiu manter seu conteúdo grátis.

De acordo com o executivo, a indústria de games teve sucesso ao fazer algo semelhante à ideia, premiando usuários mais engajados. Para ele, é um modelo melhor tanto para os leitores quanto para os veículos de comunicação. Como o futuro será do aumento do público digital, disse, o número de leitores dos jornais impressos, na melhor das hipóteses, vai se estabilizar.

– Vocês (jornais brasileiros) podem descobrir o que funciona para os negócios de vocês e encontrar maneiras de beneficiar seus sites e também seu jornalismo – sugeriu Narisetti.

Em sua apresentação, o vice-editor executivo do “Journal” também defendeu a integração entre o jornal impresso e o digital. Para ele, os jornais têm que se empenhar para proporcionar grandes experiências para os leitores, com conteúdo em texto, vídeo, gráficos, áudio e fotos. Segundo ele, muitos jornais já fazem isso, mas apenas eventualmente:

– Não fazemos isso de maneira consistente.

Qualidade é diferencial

Para o alemão Mathias Döpfner, há dez anos executivo-chefe do grupo Axel Springer, o futuro dos meios noticiosos são tablets com telas flexíveis e muito baratos, conteúdo on-line cobrado e com qualidade. Em sua apresentação no Congresso, Döpfner, que transformou prejuízos em lucros com a cobrança do conteúdo digital, frisou que “o digital é um mundo de oportunidades, com espaço ilimitado e no qual rapidez e a facilidade de acesso” atraem o leitor.

– Estou convencido de que o jornal do futuro será em um tablet, mas flexível. Vai ser um produto barato, e o importante será a qualidade. A qualidade será o diferencial.

Para Döpfner, a ideia de que o jornalismo on-line tende a perder qualidade diante do impresso é “ridícula”.

– Criamos o hábito de que no mundo digital tudo é gratuito. Mas acho difícil isso continuar. Não dá para ter só dinheiro de anúncio – disse, ao frisar que em seu grupo só um terço do lucro é oriundo de publicidade, e o restante vem da cobrança pelo conteúdo digital.

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“Apresentação deve ser especial e interessante”

Gilberto Scofield Jr.

Raju Narisetti, vice-editor executivo do jornal americano The Wall Street Journal (“WSJ”), recomenda que cada marca pesquise entre seus leitores até onde eles estão dispostos a ir para obter o conteúdo.

O leitor não está disposto a pagar por conteúdo de qualidade?

Nem todos. Uns não se importam e podem pagar. Outros leem até o limite em que as notícias são gratuitas. Diante da cobrança, muitos vão procurar o seu conteúdo em sites de busca e redes sociais que oferecem o material, nem sempre pagando pelo uso da propriedade intelectual, o que é ruim. Por isso, acredito que a solução pura do paywall não é para todos. No freewall você cria fidelidade e volume de tráfego que permitem cobrar de outras maneiras, por patrocínios ou publicidade.

Mas o leitor digital já é uma realidade, certo?

No “WSJ” temos dois milhões de assinantes da edição impressa. Mas, cada mês, temos 50 milhões de leitores, ou seja, 48 milhões leem o jornal on-line e pagam por isso. Então a migração do impresso para o online já é uma realidade, pelo menos no “WSJ”. A maioria das redes sociais produz pouco conteúdo e funciona mais como plataforma para reverberar conteúdos produzidos por tradicionais fontes de notícias.

E como evitar que o leitor busque conteúdo de graça na rede?

A saída é a maneira como você apresenta seu conteúdo, que deve ser tão especial e interessante que fará com que a escolha para o leitor seja óbvia. Esta experiência será o que fará as pessoas voltarem para você. Por isso a forma de entregar é tão importante, porque está nas mãos do editor e dos diretores de arte a capacidade de formatar aquilo de modo a fazer da experiência do leitor uma coisa única. A produção de conteúdo deve sair de uma redação única, apta a produzir para todas as plataformas, mas os jornais precisam investir mais na forma como esse conteúdo é distribuído.

Esse sistema do “freewall' ajuda, nesse sentido?

Sim, porque estimula que as redações produzam conteúdo de forma única e atraente. Um leitor precisa se entusiasmar por aquilo para recomendar um vídeo ou um texto por Twitter ou Facebook.