Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A imprensa discute transição do modelo impresso para o digital

A apresentação de Juan Luis Cebrián no sábado último estava rodeada de grande expectativa na 68ª Assembleia Geral da Sociedade Interamericana de Imprensa – SIP, na sigla em espanhol –, que reúne em São Paulo 450 jornalistas e executivos de mais de 20 países. Cebrián foi o primeiro diretor de “El País” e fez dele um dos mais importantes jornais do mundo e o de maior circulação da Espanha. Hoje, é presidente do conselho de administração de Prisa, o maior grupo espanhol de comunicação, que controla “El País”.

Cebrián apresentou um cenário deprimente das tendências da mídia impressa no mundo. Enquanto os meios digitais crescem exponencialmente, os tradicionais mal conseguem manter suas posições, quando não estão em queda. Esse mau desempenho se deve, em parte, à crise econômica que começou em 2008, mas sobretudo a uma questão estrutural, que aponta para um contínuo declínio da circulação e das receitas publicitárias dos jornais.

Mas a plateia pareceu mais interessada em ouvir detalhes sobre a experiência e a situação de “El País”, que poucos dias antes anunciara profundos cortes na redação. Cebrián disse que as demissões anunciadas são difíceis e dolorosas, mas necessárias para enfrentar a crise. O jornal perdeu uma grande parte de sua receita nos últimos anos e não pode continuar com uma estrutura de custos montada num período de bonança. Sem as medidas de ajuste, o diário teria prejuízo em 2012. Em cinco anos, os principais jornais espanhóis perderam em média 60% da renda com anúncios. Em “El País”, a publicidade caiu de € 184 milhões para € 62 milhões. Em seu maior concorrente, “El Mundo”, de € 135 milhões para € 50 milhões, e no “ABC” de € 89 milhões para € 38 milhões. A circulação de “El País” caiu 25%.

Considerando todas as receitas, “El País” fatura por ano € 200 milhões menos do que no passado. Nos últimos anos, já tinha feito um grande esforço de contenção, cortando € 100 milhões, mas não foi suficiente. Teve que aprofundar os cortes. O jornal tinha 478 pessoas na redação; na semana passada foram anunciadas 128 demissões e 21 aposentadorias antecipadas para quem tem mais de 59 anos, além de um corte linear de 15% dos salários fixos da redação; o salário médio anual é de € 88 mil (R$ 232 mil). Como comparação, “Le Monde” de Paris tem 320 jornalistas. As demissões de “El País” estão concentradas nas edições locais, a maioria das quais será fechada. Seu concorrente “El Mundo” demitiu 170 pessoas no ano passado. Na Europa, outros jornais de referência, como “Le Monde”, “La Repubblica” de Roma e “The Guardian” de Londres fizeram ou estão fazendo ajustes. Desde 2008, no início da crise, mais de 7 mil jornalistas espanhóis perderam o emprego. Todos os jornais gratuitos do país desapareceram, com exceção de um, “20 Minutos”, que está em crise.

Olhando para o futuro, “El País” pretende consolidar sua posição como “o jornal global em espanhol”. Quer reforçar sua presença nos países de língua espanhola e portuguesa. Está investindo na América Latina onde já é impresso em cinco localidades diferentes – uma delas São Paulo – e onde tem uma circulação de 40 mil exemplares. No ano passado, instalou uma redação no México.

Cebrián disse que “El País” investe em sua plataforma digital; hoje é o maior jornal digital em língua espanhola do mundo, com 12,5 milhões de usuários únicos, dos quais 31% estão na América Latina. Atualiza a informação na rede 24 horas por dia com as redações de Madri, Washington e Cidade do México. Mantém gratuito o acesso ao conteúdo. Só cobra de quem quer em PDF ver a imagem do jornal impresso, modalidade que tem 20 mil assinantes, dos quais de 10 mil a 12 mil pagos. No passado, “El País” cobrou pelo acesso ao conteúdo e chegou a ter 90 mil assinantes. Desistiu ao ser ultrapassado por seu concorrente “El Mundo” em número de usuários únicos. Cebrián disse estar preocupado com a falta de proteção para os direitos autorais na América Latina, onde não existem garantias legais para conteúdo colocado na rede.

Por enquanto, os elevados investimentos de “El País” na mídia digital não têm uma receita que compense a queda de faturamento da edição impressa. Entra só um euro pela internet para cada dez euros que o jornal deixa de faturar no papel. Cebrián lembra que nenhuma empresa de mídia no mundo migrou bem para o mundo digital; nenhum grupo tradicional conseguiu até agora ganhar dinheiro na internet. O modelo atual de negócios está desaparecendo sem que tenha sido encontrado outro para substituí-lo.

Ele observa que na América Latina a mídia impressa continua com boa saúde. Acha que ainda tem cinco anos para adaptar-se às novas tendências. Aconselha que as reformas mais difíceis devem ser feitas agora, para não ter que fazê-las, de maneira muito mais difícil, como é o caso de “El País”, em momentos de crise. Quanto a ele, Cebrián disse: “Vim fazendo durante 50 anos jornais em papel e vou morrer fazendo jornais em papel”.

O jornalista brasileiro Rosental Calmon Alves, professor da Universidade do Texas, afirmou que o grande problema dos jornais não é o declínio da circulação, que nos Estados Unidos começou há 60 anos, mas a queda da publicidade; a receita dos anúncios classificados praticamente desapareceu. Os jornais terão que procurar outras fontes de receita. Ele mostrou-se cético em relação à cobrança pelo acesso ao conteúdo na internet.

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Infografia no Brasil ainda é pouco valorizada

Vários editores de jornais lamentaram o atraso da imprensa brasileira no uso da infografia multimídia depois de assistirem as apresentações feitas na sexta-feira última, na 68ª Assembleia da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), pelos representantes de dois dos mais importantes jornais do mundo.

Infográficos são gráficos que combinam textos curtos, fotografias, desenhos, tabelas, mapas, diagramas. São cada vez mais usados pela imprensa para facilitar a compreensão de informações complexas. Nas plataformas digitais, o infográfico incorpora também movimento e interatividade.

Rodrigo Silva Martínez de “El País”, de Madri, formado em informática, disse que na Espanha a infografia deu um salto a partir de 1990, quando os jornais mostraram a seus leitores a evolução da guerra do Golfo Pérsico não apenas com texto, mas também com imagens gráficas. Naquela época se criou uma tradição que, segundo ele, colocou a Espanha na vanguarda da infografia tornando-se referência para os jornais de outros países.

Silva Martínez disse que a evolução da infografia estática dos jornais impressos para o dinamismo da internet obrigou a imprensa a renovar-se continuamente. Os departamentos de arte dos jornais precisaram adaptar-se. Surgiu a figura do infografista, neologismo para denominar um novo profissional que, segundo Silva Martínez, precisa tocar sete instrumentos: tem que conhecer jornalismo, arte, programação e desenho de software, estatística etc, mas sem ser excelente em nenhum deles. Afirmou também que a demanda na internet por informação visual rápida levou os jornais a preparar para seus “sites” os “fast graphics”, gráficos preparados e consumidos rapidamente, que têm meia hora ou pouco mais de exposição na rede e depois desaparecem.

Sérgio Peçanha, brasileiro, antigo jornalista de “O Globo”, que trabalha no “The New York Times” desde 2008, mostrou a passagem da infografia do jornal impresso para a infografia dinâmica da versão digital. Um passo fundamental foi a decisão da empresa de investir. Outro, a necessidade de “cortar a gordura”, eliminando os infográficos supérfluos que pouco informavam. Outro, ainda, foi a percepção de que era necessário avançar por ensaio e erro, fazendo várias tentativas que levassem à inovação, e aprendendo com todas as experiências.

O “Times” tem 30 pessoas no departamento de infografia. Há, entre eles, dois cartógrafos que também são programadores de internet, 18 programadores de software, um estatístico. Mas é essencial que todos conheçam jornalismo, pois eles têm que procurar as informações para fazer os infográficos. Peçanha fez a polêmica afirmação de que a infografia é, por si, uma informação e não complemento do texto. Luiz Iria, da Editora Abril, disse que o uso da infografia está trazendo leitores jovens para as publicações impressas.

O moderador do debate, Fábio Sales, de “O Estado de S. Paulo”, reconheceu que no Brasil, a oferta de infografia com a qualidade do “The New York Times” é ainda muito baixa. Como um fator do atraso foi apontada pelos presentes a falta de preocupação das faculdades de jornalismo do Brasil em oferecer cursos de infografia, que aliviariam a enorme escassez de profissionais no mercado. Outro fator seria a falta de investimentos das empresas. Além disso, no Brasil, a redação e o departamento de infografia costumam ficar distantes, em andares diferentes e há pouca integração. E ainda é um sonho no Brasil ter entre os infografistas programadores de software. (MMM)

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Cresce pressão sobre veículos e jornalistas

A lei é letra morta quando se trata de crimes contra os meios de comunicação. Um quadro preocupante de cerceamento da liberdade de expressão e de ameaças aos meios de comunicação foi apresentado no domingo durante reunião da Sociedade Interamericana de Imprensa em São Paulo.

Em diversos países, as ameaças partem do próprio Estado, que encoraja ou recorre à violência física contra os meios, usa arbitrariamente a lei, emprega as verbas públicas de publicidade para premiar amigos e punir inimigos, sonega informações. Um grande número de jornalistas é assassinado.

Um caso de hostilidade está na Argentina, onde a imprensa enfrenta clima crescentemente hostil. O governo tem US$ 1,5 bilhão para promover sua imagem e nega informações. A presidente Cristina Kischner não deu uma única entrevista neste ano, mas falou mais de vinte vezes em cadeia nacional. Ela pretende tirar a licença de uma rede de TV a cabo do grupo Clarín, a quem acusa de ser a “cadeia ilegal do medo e o desânimo”.

No México é clara a incapacidade do Estado para enfrentar a crescente violência contra os jornalistas, deixando imune a maioria dos crimes. Na Venezuela, a intransigência governamental se reflete em maus tratos, detenções, atentados, insultos e violação dos direitos fundamentais. Dos depoimentos dos representantes de cada um dos países ficou a percepção de que a pressão dos governos contra os meios tem objetivo leva-los à autocensura. (MMM)

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[Matías M. Molina, para o Valor Econômico]