Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

“Pressão de governos para calar imprensa é grave”

Dos cartéis do narcotráfico à ânsia de resultados de acionistas de empresas jornalísticas, passando pelo autoritarismo, são muitos os problemas que afetam a qualidade do jornalismo no continente, diz Claudio Polillo, diretor do semanário uruguaio Búsqueda e diretor do Comitê de Imprensa da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP, da sigla em espanhol).

A liberdade de imprensa nas Américas está ameaçada?

Claudio Polillo – Identificamos três problemas que afetam a qualidade do jornalismo no continente e, consequentemente, empobrecem o nível de informação e debates entre as populações da região. Estes problemas não são apenas políticos, ainda que a pressão de governos para calar a imprensa seja o mais grave.

Como assim?

C.P. – Os EUA, por exemplo. O jornalismo americano piorou porque o público baixou a guarda com relação à qualidade das redações. Nos últimos 15, 20 anos, os antigos proprietários das empresas jornalísticas foram sendo substituídos por grupos econômicos que buscaram logo abrir o capital em bolsas e otimizar o lucro. É claro que a preocupação do acionista é o resultado, mas o fato é que a indústria jornalística não é uma fábrica de salsichas ou uma fábrica de roupa.

Você fala de cortes na redação?

C.P. – Sim. E nos correspondentes, em serviços, em reportagem investigativa, tudo foi afetado pela necessidade de se produzir resultados para os investidores. Mas o investimento em produção de jornalismo de qualidade foi afetado. E o resultado foi uma contaminação gradual do jornalismo por uma espécie de mistura de jornalismo e entretenimento, que chamamos de shownalismo, especialmente na TV, no rádio e na internet. Porque shownalismo diverte mais, rende mais audiência, mas nem sempre é bom jornalismo. Os presidentes estão buscando mais e maiores resultados. Esse seria um problema de origem econômica que afeta o setor.

E quais os outros dois problemas?

C.P. – Um deles é a violência contra jornalistas, associada ao crescimento dos cartéis de narcotráfico, acobertados ou em escandalosa parceria com autoridades políticas locais. O México é o exemplo mais emblemático, mas o fenômeno se espalhou para a América Central – em Honduras, a situação é gravíssima – e nunca desapareceu da Colômbia, estando presente até em economias mais sofisticadas, como no Brasil. Os grupos de narcotráfico e milícias, em muitos lugares, são maiores que os governos locais, quando não estão associados com políticos locais. Matar um jornalista é matar a possibilidade de informação. Esta é uma situação que piorou muito nos últimos anos, mas não é a mais grave.

E qual a maior ameaça à liberdade de imprensa no continente hoje?

C.P. – A prática de governos eleitos democraticamente de, após a posse, mudar leis para impedir críticas, fiscalização ou denúncias contra os governos, os políticos ou os grupos econômicos que os apoiam. Estou falando de países como Venezuela, Nicarágua, Argentina, Bolívia e Equador. Com Constituições e leis alteradas a seu favor, o governo pode tolher a liberdade de expressão e de imprensa “legalmente”.

E como um evento como a assembleia da SIP pode influenciar na redução desses problemas?

C.P. – Não estamos aqui só para conversar, ainda que a troca de informações e experiências seja preciosa. Estes debates resultam em documentos e resoluções da SIP que são encaminhados para organismos multilaterais, providências são exigidas, há como pressionar a comunidade internacional com fatos e denúncias. A SIP é não somente um fórum de discussão, mas também uma caixa de ressonância muito importante.

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[Gilberto Scofield Jr., de O Globo]