Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Jornalismo que morreu ainda inspira o atual

Jornalista à moda antiga (As marcas do jornalismo em Rio de Raivas)é um trabalho de conclusão do curso de graduação em Comunicação Social (habilitação em Jornalismo), apresentado na Unama em dezembro de 2010. Mas com ele certamente Bianca de Oliveira Borges podia conseguir o título de mestre. Com um pouco mais de afinação, o doutorado.

Sem cair nas tentações das análises do discurso, que pululam na academia, Bianca se apoiou no romance Rio de Raivas, de Haroldo Maranhão, para reconstituir o funcionamento da imprensa no Pará na metade do século 20. E dessa reconstrução passou para a montagem de uma tipologia personificada em dois atores fundamentais da redação de então: o repórter policial e o cronista (depois colunista) social.

O molde não podia ser aplicado à realidade dos nossos dias? Bianca desconfiou que sim. Superpôs a descrição do romancista a entrevistas que fez com dois exemplares dos dois tipos de jornalista: o repórter policial Amaury Silveira e o colunista social Ubiratan de Aguiar, mais conhecido por Pierre. O resultado de todo esse esforço de transposição da ficção para a realidade e de um tempo passado para o atual resultou num texto único na bibliografia paraense sobre jornalismo. Já devia ter-se transformado em livro para estar acessível ao público interessado pelo tema.

Bianca lança seu sólido apetrecho teórico para acender luzes sobre um dos personagens do romance (que completou 25 anos, como este jornal, sem merecer a devida reedição): é o secretário de redação (equivalente ao atual editor ou redator-chefe, mas com funções ainda mais amplas) Élder Carvaló. Ele é o alter ego de Haroldo, mas o único personagem que ele cinzela com traços de psicologia e intimismo. Assemelha-se ao autor, mas não é ele. É um tipo ficcional, ao qual a Bianca aplica o conceito de mimese, que remonta a Aristóteles, o que o distingue da outra fonte para a sua análise comparativa, o repórter policial Anaxágoras.

Castelo de espantos

Numa nova volta ao tema, talvez a autora possa aproveitar Élder Carvaló para prospectar sobre o estranho caminho que o Folharal (o nome fictício da Folha do Norte) teve, por decisão do seu condutor, Paulo Maranhão. Ele tinha dois netos aptos a sucedê-lo, filhos do filho, João Maranhão, que lhe era o mais próximo: Ivan e o próprio Haroldo. Por que então bloqueou essa sucessão natural, rara em empresas jornalísticas familiares (geralmente fulminadas pela genética)?

O neto mais velho, Haroldo, concebeu e editou por cinco anos um suplemento literário de padrão nacional, que atestava a sua condição profissional. Ivan, contido, criou o Flash, semanário de denúncias que descambou para o sensacionalismo. Mas ele sabia fazer jornal – e atraente, chamativo. Por que foram marginalizados pelo avô?

Uma primeira explicação está no conservadorismo, tendente ao reacionarismo em algumas matérias, de Paulo Maranhão. Os netos tinham cores esquerdistas, especialmente Haroldo. O avô desconfiava deles. Mas houve também um componente patológico nessa decisão consciente: Paulo Maranhão provavelmente não queria que a Folha lhe fosse sobrevivente; que passasse a outras mãos, mesmo que de parentes próximos. Era o traço compulsivo, egocêntrico e diabólico da sua personalidade, mesclada de espírito religioso, ternura controlada e elevação mental.

Élder Carvaló grita o protesto e a indignação que Haroldo levou para o túmulo. Respeitava, amava e desprezava o avô, individualista o bastante para deixar João Maranhão sujeito a acabar seus dias na rua da amargura, depois de 40 anos na gerência diuturna da Folha, sempre ao lado do pai. E que, por soberba, matou seu jornal para que ele naufragasse com seu grande timoneiro. Como quase todos os grandes, composto de grandezas e misérias, dignidade e torpeza.

Quem sabe, Bianca não desdobra para a nossa leitura e proveito a história hamletiana do castelo de espantos que foi a sede/residência do Folharal?

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Patronato

Em artigo publicado no Observatório da Imprensa, Ricardo Pedreira diz que o programa da Associação Nacional de Jornais, da qual é diretor, busca “a disseminação das melhores práticas, o estímulo à formação de uma cultura de ética e de autocrítica”.

Pois meu caso prova justamente o oposto: a ANJ é corporativa, intolerante, não aceita a crítica e coloca os interesses dos seus associados acima de qualquer princípio ético, moral ou mesmo profissional da imprensa. Como é notório, seu associado Ronaldo Maiorana me agrediu fisicamente por causa de um artigo neste jornal. A ANJ primeiro saiu-se com um parecer ultrajante: de que se tratava de rixa familiar, problema pessoal (o mesmo entendimento da OAB de Ophir Cavalcante Júnior). E depois se fechou em copas e sua então presidente, representante da Folha de S. Paulo, Judith Brito, sequer dignou-se responder minhas mensagens.

Note-se que o agressor, que recentemente se declarou arrependido do seu ato, integrava a Comissão de Liberdade de Imprensa da Unesco/ANJ. A comissão se recusou terminantemente a incluir meu caso nos crimes de violação da liberdade de imprensa, arrolados às centenas. Quem tem razão é Eugenio Bucci, autor de um artigo que provocou a resposta de Pedreira. A ANJ representa os donos de jornal. Jamais a imprensa. Muito menos o jornalismo e os jornalistas.

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[Lúcio Flávio Pinto é jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)]