Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Um peso, duas medidas

Na semana do atentando em Boston, nos EUA, a imprensa brasileira mais uma vez demonstrou como sua cobertura privilegia – sem pudor algum – determinadas pautas simplesmente por uma questão de afinidade ideológica. Não se discute a força de que um incidente como o ocorrido na segunda-feira (15/4) dispõe para ocupar lugar de destaque nos jornais durante os dias que o seguem. Mesmo assim, impressiona o espaço que a imprensa nacional dedicou ao assunto no decorrer da semana.

Além de ganhar as capas das edições de terça-feira (16/4) dos maiores jornais do país – O Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo e O Globo –, o atentado esteve presente na parte mais nobre dos veículos nos dias seguintes, quando foi tema de matérias especiais nas seções internacionais dos periódicos, tornando a ser tema principal de suas capas na sexta-feira (19/4).

Chama atenção o fato de que muitas dessas reportagens tinham por objeto temerárias especulações a respeito de potenciais suspeitos, bem como histórias que não condizem com o conceito de hardnews, retratando casos de personagens que se destacaram no resgate a vítimas – “Estrela do futebol americano se recusa a ser chamado de herói” (Estadão, 18/4) – ou atividades lúdicas realizadas em homenagem às vítimas do atentado – “Contra a dor dos ataques, união, artes e esporte” (O Globo, 18/4).

Outros países

Isso sem contar a cobertura dos principais portais online, que mantiveram o assunto em destaque durante toda a semana, publicando notas tão desimportantes quanto a que dava conta de que o isqueiro de um passageiro provocara tensão em um aeroporto dos EUA – “Passageiro com isqueiro em forma de granada provoca tensão nos EUA” (G1, 18/4). Nada disso, porém, parece fugir da ordem natural do comportamento da grande mídia brasileira. Enquanto casos de violência tão ou mais graves que o de Boston acontecem quase diariamente em outras partes do mundo – a começar pelo Brasil – e, não raro, sequer são pautados por nossos jornais, um incidente que ocasionou a morte de três pessoas nos Estados Unidos é realçado de forma absolutamente desproporcional.

É evidente que, pela lógica do jornalismo diário, não se espera que um atentado terrorista no Iraque, um confronto entre traficantes e policiais militares em uma favela carioca ou a morte de crianças por inanição na Somália estampem as capas dos grandes veículos impressos brasileiros. Afinal, por mais cruel que isto possa soar, tais acontecimentos não são novidade.

Mas não faria mal que a imprensa do país dedicasse ao menos uma diminuta parcela do esforço de reportagem que vem empregando no acompanhamento dos desdobramentos do caso do atentado de Boston à cobertura de notícias relacionadas a países que estão fora do eixo EUA-Europa Ocidental.

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João Montenegro é jornalista, Rio de Janeiro, RJ