Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Um corpo no rio

Surgiu esta semana [passada] um corpo boiando no rio em Providence, capital de Rhode Island. Era Sunil Tripathi, estudante de filosofia em uma universidade americana de primeira linha, a Brown. Quando escrevo, ainda não se sabe como ele morreu. Tripathi foi alvo de histeria nas redes sociais e sites colaborativos, especialmente no Reddit.com, muito influente nos Estados Unidos. Era acusado por justiceiros online pelos atentados de Boston. Ele estava desaparecido desde março. Descobriu-se no Facebook uma página criada por parentes para tentar encontrá-lo. Alguém julgou que o rapaz sumido se parecia com um dos suspeitos. Pronto: a informação errada se espalhou sem controle.

Como todos sabemos, nós que seguimos a revista Wired e acompanhamos cada novidade do vale do Silício, os sites colaborativos de notícias surgiram para suplantar a “velha mídia” – jornais, revistas, TVs, monstros sensacionalistas sedentos por lucros e pontos de audiência. O conteúdo colaborativo, sem filtros ou mediações, seria um canal direto com a voz do cidadão. Informação pura, nada de interesses ocultos. Anátema da imprensa estabelecida. Se Sunil Tripathi não estivesse morto, poderia dar um grande depoimento sobre a qualidade e a precisão das informações surgidas nas redes sociais.

Que fique claro: não se trata de negar a importância das novas mídias – especialmente do Twitter, feito sob medida para esse tipo de evento em que surgem novidades a cada minuto. O assassinato de um policial no campus do MIT, por exemplo, foi narrado em tempo real por estudantes no Twitter, algo impensável no esquema tradicional da “velha mídia”. Mas o que os atentados de Boston deixaram claro é que as relações entre “velha” e “nova” mídia são muito mais nuançadas do que supunham os gurus do jornalismo-cidadão.

O backlash na internet

A “nova mídia” funcionou, ao menos neste caso, como uma geradora de ruídos aleatórios. Uma avalanche de dissonância e distorção, em meio à qual se descobriam umas poucas notas de melodia coerente. Na hora em que se precisa de informação de qualidade e bem apurada, em quem confiar? Nos tuítes de um garoto de 15 anos que vê a confusão pela janela ou num texto apurado por seis repórteres e revisto por mais dois editores no New York Times?

Será que as redes sociais são de fato fontes soberanas de informação ou apenas geradoras de “fatos”, “certezas” e boatos, a serem conferidos por profissionais do ramo? E os canais de TV especializados em notícias, como a CNN, perderam para a internet o monopólio da informação imediata? Como dez entre dez jornalistas, acompanhei pela CNN, desde o início, a cobertura do atentado. E, no começo, quase não havia informações. Só uns poucos vídeos, repetidos seguidamente. A cobertura demorava a decolar. Os principais repórteres e apresentadores eram, provavelmente, chamados em casa para assumir as transmissões. Demora um tempo até que cheguem à TV, se arrumem, colham informações para não falar bobagem. Enquanto isso, o pessoal que está no ar se vira como dá.

Começa então o backlash na internet. Vi jornalistas, alguns até conhecidos, bradando contra a repetição de imagens, dizendo que era uma espécie de pornografia. A razão de os vídeos serem reexibidos é óbvia: não havia dado tempo de obter nenhuma outra imagem. E, se a cobertura é ininterrupta, alguma coisa é preciso mostrar. Agora, imagine o seguinte cenário: a CNN, para não ficar repetindo os vídeos, para não praticar “pornografia”, decide sair do assunto e apresentar um daqueles programas mensais de golfe ou tênis.

História cheia de lacunas

As mesmas vozes que clamavam contra a “pornografia” da violência iam se deliciar apontando a inércia da “velha mídia”, a falta de sintonia da imprensa tradicional com a realidade, iriam dizer que as informações quentes mesmo estavam no Twitter, no Facebook e no Reddit. É um jogo impossível de ganhar. Se entrou de cabeça no assunto, está praticando “pornografia”. Se ignorou o tema, não entende o século 21. Talvez aconteça, mas não foi com as bombas de Boston que a “nova mídia” tomou o lugar da “velha” como portadora de informação confiável, ou pelo menos da mais confiável que se pode obter.

Agora, vem a investigação. A história contada pelas autoridades americanas está cheia de lacunas. Vamos ver quem vai desvendar o caso. Se algum blogueiro ou tuiteiro que não sai da poltrona ou um repórter com fontes e tempo para mergulhar no assunto.

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Álvaro Pereira Júnior é colunista da Folha de S.Paulo