Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

“Existem interferências, sobretudo do setor imobiliário”

A interferência do poder econômico e político na ética jornalística e o interesse público. A credibilidade de A Tarde, do Correio, da Tribuna da Bahia e demais veículos no país. A distribuição gratuita dos jornais impressos, o fim do jornal impresso no Brasil com o advento do jornalismo online, o jornalismo de mercado, as posturas mais antiéticas cometidas pelas grandes empresas de comunicação brasileira com relação ao profissional de mídia e a veiculação da informação, a participação cidadã na qualidade informativa, a morte do Estadão e outros assuntos num diálogo com o jornalista, mestre em História Social, pesquisador de História da mídia e blogueiro Zeca Peixoto.

“Nossos jornais divergem pouco no quesito diversidade”

Os jornais são reféns dos anunciantes? Como você avalia o jornalismo baiano?

Zeca Peixoto – De alguma forma, esse é um fenômeno que tangencia o jornalismo corporativo mundial, não só o baiano. E aí ensejam algumas questões que acho relevantes. A primeira delas reside no fato de que o mercado, sim, tem poder de direcionar o fluxo de informação e arbitrar sobre os conteúdos publicados por uma empresa jornalística. Não tenho elementos para apontar que a empresa x, y ou z é refém do anunciante A, B ou C. Seria leviano de minha parte afirmar isso de forma rasa, pois teria que dar nomes e comprovar. No entanto, não tenho nenhuma dúvida que existem, sim, interferências, sobretudo do setor imobiliário. Quanto ao segundo item da pergunta, dia desses o professor e jornalista Fernando Conceição, de quem discordo de muitas das posições, emitiu uma opinião com a qual comungo. Em artigo publicado no site do Observatório da Imprensa, Conceição disse que “é perceptível a ‘orfandade’ de quem busca informação isenta, pluralista e de qualidade nos meios de comunicação jornalística na Bahia”. Correto. Mas o problema aí, em minha opinião, é reflexo da economia da mídia no Brasil. Nossos jornais impressos, os três, divergem muito pouco no quesito diversidade. Vou ressalvar, no entanto, que produtos como a revista dominical “Muito”, do jornal A Tarde, têm conseguido manter algumas boas pautas, além de ser bem escrita e editada. Temos que fazer justiça. Já o jornal A Tarde, no seu conjunto, me traz a sensação de que nunca saiu do ano de 1912, quando foi fundado. O Correio, que após sofrer o processo de reformulação gráfica e editorial sugeria novos rumos, voltou à sua vocação política de chapa branca desde que um dos proprietários foi eleito prefeito de Salvador.

“Negros e pobres servem de ‘entretenimento’”

Quais as posturas mais antiéticas cometidas pelas grandes empresas de comunicação brasileira com relação ao profissional e à veiculação da informação?

Z.P. – Quando pontuamos a necessidade de que seja criado um conselho federal de jornalismo é justamente para, na medida do possível, blindar os profissionais de jornalismo de certos tipos de assédio moral que terminam por amplificar os constrangimentos nas rotinas de produção das redações. Não tem nada a ver com censura. Muitas vezes, diria na maioria, é difícil um profissional questionar as pautas que lhes são dadas, ou mesmo sugerida por ele e que vá de encontro aos interesses das empresas. Só imagino um repórter da Veja que se coloque contrário às teses prontas que já vêm encomendadas pelo topo da organização. Difícil. No caso dessa revista e da Rede Globo, entre outros veículos, é de espantar o modelo de constructo noticioso que esses órgãos de imprensa abraçam. São partidarizados, explicitamente. Querem afirmar e justificar a ideologia neoliberal custe o que custar. A pauta política é direcionada e as agendas são forjadas para legitimar o neoliberalismo. A Finlândia passou por um brutal processo de transformação política e ninguém ficou sabendo porque não interessava ideologicamente a esses veículos! Não há o contraditório. Além disso, tem o varejo da escandalização. Em 2010 achincalharam com a honra da então chefe da Casa Civil da Presidência, Erenice Guerra. Acusaram-na textualmente de corrupta. Passados dois anos ela foi inocentada pela Justiça. E o que fizeram com a cantora Cássia Eller na ocasião do seu falecimento? A Veja inventou a causa mortis ao seu gosto, um absurdo! Já com o ator Fábio Assunção, que enfrentava um problema de dependência química, a besta-fera dos Civita pôs o rapaz na capa carimbando-o como drogado. E aí, quem repara o dano causado a essas imagens? Lamentavelmente, estes são alguns entre milhares de exemplos que poderíamos citar. A apuração é o que menos importa e a questão ética vai para o ralo. Mas o pior é ver jovens profissionais embarcando de corpo e alma nesse jogral. O caso do CQC é emblemático. Aqueles rapazes se tornaram algozes da ética e do escrúpulo. Isso é triste. Também temos o fenômeno do chamado jornalismo popularesco onde as contradições e situações mais degradantes de uma sociedade ainda bastante desigual são expostas como produtos para alavancar audiências. O aviãozinho pego com drogas serve como cereja do bolo para a humilhação pública. É o “show” em que negros e pobres, na sua maioria, servem de personagens para animar apresentadores e servir de “entretenimento” aos telespectadores. Esse laissez faire da mídia, mistura de interesse privado com interesse público, é extremamente prejudicial à sociedade.

“A internet é um espaço contra-hegemônico”

Como o cidadão pode interferir para que os meios de comunicação melhorem a qualidade da informação?

Z.P. – Creio que estamos chegando a uma fronteira. A internet, que vive uma disputa interna entre interesses de usuários e grandes corporações que pretendem garroteá-la, tem se tornado um campo que, de alguma forma, se apresenta como um espaço à contra-hegemonia às grandes corporações de mídia. Desvios éticos, mentiras, pautas mal apuradas etc. são factíveis de serem questionadas na rede pelos consumidores de informação. E mais: todos, potencialmente, podem ser não só consumidores como produtores de conteúdos. E isso é bom. A internet tem aberto possibilidades para muitas mídias alternativas se apresentarem. É o caso, entre outros, da Pública, que tem a competente jornalista Natália Viana à frente, um veículo preocupado em dar vazão a pautas que a grande mídia despreza, na sua maioria fatos ligados às lutas sociais, questões envolvendo direitos humanos etc. Mas não só. Rodrigo Viana, Luiz Nassif, Carta Maior, o Instituto Barão de Itararé e a atuação nas redes sociais de jornalistas de excelência, do naipe de Leandro Fortes e Cynara Menezes, incentivam os cidadãos a questionar a cultura noticiosa ainda hegemônica. Também fico feliz com uma plêiade de excelentes sites e blogs que atuam em diversos segmentos, tanto político, quanto artístico e cultural. Dia desses tomei conhecimento do NuProject, um interessante projeto de exposição fotográfica de nus femininos que foge completamente aos padrões das revistas masculinas tradicionais. São ensaios com mulheres sem os corpos esculturais e perfeitos ditados pelo mainstream. O site é magnífico. Então, a internet tem isso, ser contra-ponto, ser um espaço também contra-hegemônico para o qual os cidadãos podem contribuir para melhorar a qualidade da informação. E fora do espaço da web também estão sendo lançadas excelentes publicações em papel, revistas de boa qualidade, bem escritas e que tratam dos mais variados assuntos. Esse é um fenômeno que deve ser percebido.

“Os jornalões de famílias tradicionais estão chegando ao fim”

Como jornalista, mestre em História Social, pesquisador em História da mídia e blogueiro, o jornal dever ser de distribuição gratuita? Por quê?

Z.P. – Não tenho como dar um “veredicto” sobre isso (risos), pois vai depender do plano de negócio de cada empresa. Mas penso que o jornal diário impresso, do modo que conhecemos, está com os dias contados. Jornais nunca viveram da receita das vendas em bancas e sim dos anúncios veiculados. E esses meios estão em franca decadência, todos eles. Terão que ter muita criatividade para torná-los uma revista diária, um produto diferente, ou não vingarão no mercado. Neste caso, muitos deles já são quase distribuídos gratuitamente, tendência que tem vingado na Europa. Ninguém vai me dizer que o exemplar vendido a R$ 1,00 não é quase isso. É, sim. E aí adiciono outro componente nesta análise: os impressos servirem de alavanca de rotação para aumentar o número de visitantes dos seus sites. O jornal em papel como um roteiro para o usuário visitar o site, onde os negócios, possivelmente, serão mais vantajosos para as empresas a médio e longo prazo. Não esqueçamos que no Brasil já são R$ 80 milhões de internautas. Imagine daqui a 10 anos…

Afirmou o jornalista Paulo Nogueira: “O Estadão está virtualmente morto. Está cumprindo todas as excruciantes etapas da agonia dos jornais (e das revistas) na era da internet: demissões, demissões, demissões.Menos páginas, borderôs menores (ver aqui). O que o presente do futuro nos reserva?

Z.P. – O Estadão e a Folha são duas das representações mais claras do conservadorismo nacional. Ambos estão se dissolvendo. O Estadão vai primeiro. Acho que esses veículos permanecerão apenas com os sites no futuro próximo, não porque as pessoas estão declinando de ler impressos. Não é isso. O consumo de revistas impressas tem aumentado. É porque esses modelos de projetos editoriais não atrairão à frente milhões de pessoas da geração Y que não terão interesse nesses produtos, ainda que venham a ter por revistas impressas mais interessantes. O ciclo dos jornalões ligados a famílias tradicionais está chegando ao fim. Ainda bem.

******

Antonio Nelson é jornalista, Salvador, BA