Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Eliane Pereira

‘Apesar do prejuízo de R$ 268,4 milhões, o ano de 2003 é considerado o melhor da história da Net Serviços de Comunicação (ex-Globocabo) nas palavras de seu presidente, Francisco Valim. A operadora, ligada às Organizações Globo, conseguiu reverter um quadro negativo, que alimentava comentários sobre a viabilidade do negócio: havia perdido 135 mil assinantes nos dois anos anteriores, os custos de programação aumentaram de 32% em 2001 para 37% em 2002, as despesas (principalmente com vendas) tiveram que ser drasticamente cortadas e o mesmo aconteceu com o investimento, reduzido de R$ 318 milhões para R$ 79 milhões em 2002 ano em que o pagamento com juros mais o principal da dívida chegou a R$ 1,2 bilhão, obrigando a empresa a tomar empréstimo de R$ 556 milhões para cumprir suas obrigações financeiras. A virada começou no primeiro semestre de 2003, ancorada numa série de mudanças que incluíram aumento de vendas, gestão do churn (taxa de desconexão), redução de custos nas áreas certas e um novo modelo de gestão da operadora. Os números divulgados na semana passada mostram os resultados do esforço: ebitda (lucro antes de impostos, taxas, depreciações e amortizações) de R$ 306,5 milhões 71,5% maior que o do ano anterior e receita líquida de R$ 1,245 bilhão, ou 8,2% acima da alcançada em 2002. Graças a investimentos mais agressivos em marketing e melhoria nos canais de venda, a base de assinantes de TV paga cresceu 1,7%, fechando o ano com 1,352 milhão de clientes. A do serviço de acesso à internet em alta velocidade (Vírtua) quase dobrou, passando de 55.677 para 91.474. Presidente da Associação Brasileira de Telecomunicações por Assinatura (ABTA), Valim fala do equacionamento da dívida da empresa, hoje na casa de R$ 1,140 bilhão, e do futuro do setor de TV paga com a entrada em novas áreas de atuação, como o Serviço de Comunicação Digital (implantação de acesso à web em escolas, hospitais, órgãos públicos e entidades ligadas à área social).

Francisco Valim: mudanças no rumo da empresa resultaram num ano histórico para a Net Serviços

M&M – Como a Net conseguiu reverter a situação difícil em que se encontrava nos últimos tempos?

Francisco Valim – Em 2003 vínhamos de uma situação complexa, com perda de assinantes em 2001 e 2002 e acumulando prejuízos significativos. Em 2002 houve um pagamento de dívida importante por conta da capitalização de R$ 654 milhões, mas a despesa com juros vinha crescendo. Muitos chegaram a comentar a insustentabilidade do negócio, mas nós mudamos o rumo da empresa: redefinimos a lógica estratégica, identificamos e priorizamos os principais projetos, criamos soluções para os maiores desafios operacionais e implantamos um modelo de gestão. Como resultado, a base de assinantes efetivamente cresceu, graças ao aumento significativo das vendas e à redução drástica do churn, que hoje está bem abaixo da média internacional. Em banda larga quase dobramos a base, e mesmo com maior número de assinantes tivemos uma taxa de cancelamento menor, fruto da melhoria do serviço. Conseguimos aumentar o tíquete médio com o incremento das vendas de pay-per-view e Vírtua. Assim, a receita líquida, que estava estagnada em R$ 1,1 bilhão, subiu para R$ 1,250 bilhão, o que demonstra que a Net é uma empresa de tamanho considerável para os padrões brasileiros. Todos os indicadores andam na direção certa. Nos saímos bem por qualquer prisma ou parâmetro que se olhe, seja do ponto de vista do mercado, seja em termos financeiros, de satisfação dos clientes, da própria mídia – que deixou de fazer críticas destrutivas à operadora – e dos acionistas.

M&M – Como se explica esse bom desempenho num ano que foi considerado por todo o mercado como muito ruim?

Valim – A grande mudança na Net foi de percepção de qual é o nosso negócio na realidade. Somos um negócio de varejo e de receita contínua, então precisamos necessariamente vender. A grande vantagem é que conseguimos nos organizar para ter os custos desse processo de venda adequados, de forma que cada venda tenha retorno em um período muito curto. Ou seja, é preciso pouco capital de giro para fazer a máquina andar, tanto em TV paga quanto em banda larga. Fizemos a máquina andar e fomos acelerando ao longo do ano. Acho que ela está quase no melhor nível que pode chegar no modelo atual. Ainda há mais algumas coisas para melhorar.

M&M – A mídia teve dois anos bem difíceis, tanto que grandes grupos de comunicação foram bater à porta do BNDES para pedir recursos. A TV por assinatura não foi. Por quê?

Valim – O BNDES é sócio da Net e tem empréstimos para outras operadoras. O banco entrou nesse negócio há bastante tempo. A infra-estrutura já foi construída. Precisamos agora criar formas alternativas inteligentes e explorar melhor essa infra-estrutura. O objetivo do BNDES é ter uma função social, é ajudar a sociedade. Eventualmente isso se dá através do auxílio a empresas, mas não necessariamente. A ABTA não tem que promover nenhum tipo de busca ao dinheiro do BNDES, porque nesse momento as empresas conseguem resolver seus próprios problemas sozinhas. A Net está reestruturando sua dívida com os grupos de credores, e as diversas empresas estão fazendo mais ou menos a mesma coisa. O negócio é operacionalmente rentável, só que carrega um estoque de dívida pesado, oriundo de investimentos num momento em que o Brasil estava em outra situação, tanto com relação ao dólar quanto aos juros. Não dá para achar que é possível resolver o problema de forma simples. É preciso sentar e discutir de novo.

M&M – Em que ponto está a renegociação da dívida da Net?

Valim – Concluímos a negociação dos termos econômicos com os credores e agora vamos trabalhar na formalização do memorando de entendimento do acordo. Há complexidade nesse processo, ele é muito pulverizado. No caso da Net, são mais de 30 instituições financeiras envolvidas. A maior delas não tem 7% da dívida. As coisas devem ser decididas pelo consenso. E esse processo de consenso de parte a parte, entre empresas, acionistas e credores, demora um tempo, porque as diversas instituições financeiras têm critérios e regras internas que precisam respeitar. Não existe fórmula mágica. Há três grupos envolvidos: a empresa, os acionistas e os credores, e cada um deles tem que sair minimamente satisfeito.

M&M – No início de 2003 havia uma expectativa de crescimento de 15% para o setor de TV por assinatura. Como foi o desempenho e qual a estimativa para 2004?

Valim – Acho que a indústria estava passando por uma crise, até no sentido existencial. Havia uma sensação de que o mundo estava andando ao contrário. O que aconteceu é que conseguimos recuperar a esperança ao longo do ano. O mercado de televisão por assinatura não cresceu, talvez, tudo o que se imaginou. Mas estava estagnado, e agora deve crescer. Ele se mantém com 3,5 milhões de assinantes há dois anos. Em 2003, o aumento da base de assinantes deve ter sido de 1% ou 2%. A receita cresceu bem mais do que isso. Esse é um negócio em que às vezes se consegue ganhar na receita, apesar da base constante. E alcançamos vitórias importantes, na medida em que nos inserimos em algumas discussões nacionais das quais estávamos alienados.

M&M – Por exemplo?

Valim – TV digital e reforma tributária. Conseguimos nos incluir de forma positiva, mostrando a importância da nossa indústria, que já investiu mais de US$ 10 bilhões no Brasil. Mas fez isso na época em que a paridade do dólar com o real era de um por um. É o pior caso: investiu quando o dólar era barato e precisa pagar agora que ele está caro. O setor acreditou no País, mais do que outros, mesmo com um modelo de alta concorrência. Cidades como São Paulo têm quatro ou cinco operadores competindo entre si, com programações muito semelhantes. Então temos um modelo bastante competitivo e com investimento maciço.

M&M – Havia uma previsão de que, a esta altura, teríamos cerca de 16 milhões de assinantes no Brasil. Era uma estimativa extremamente otimista?

Valim – Dezesseis milhões são 50% dos domicílios brasileiros, um número bem exagerado. É algo que eu posso dizer que poucos países do mundo têm, e em condições organizacionais e estruturais muito diferentes das que temos hoje no Brasil. A Argentina, por exemplo, passou por um processo de massificação do cabo com algumas peculiaridades – a televisão aberta lá não tem a mesma qualidade que a nossa, esporte só passa na TV paga, não existia restrição nenhuma à pirataria. Nossas operações são mais modernas que as da Argentina, mas a TV aberta brasileira tem uma qualidade diferenciada, com padrão mundial. No Brasil a renda era muito mais baixa do que na Argentina durante esse período áureo – tanto é que hoje, depois que a renda dos argentinos sofreu esse impacto, a penetração da televisão por assinatura diminuiu muito. Além disso, temos modelos bem mais sofisticados, com codificação, e a quantidade de piratas é bem menor do que lá. Os números gerais do setor dependem da divulgação dos balanços das empresas, o que acontece normalmente em março.

M&M – Mas as empresas já constataram (e algumas até divulgaram) aumento de rentabilidade, como o senhor mencionou anteriormente. Como isso é possível?

Valim – Usando o caso específico da Net, a base de assinantes do Vírtua cresceu muito e, por conseguinte, a receita subiu. Não ter perdido assinantes de cabo e ter aumentado a base em outros serviços melhora a receita média. O pay-per-view também cresceu bastante: o campeonato de futebol mais longo impulsiona muito esse sistema, apesar de ter sido o primeiro ano com o método de pontos corridos. O Big Brother Brasil também. Para nós foi um excelente ano nesse quesito.

M&M – E qual a importância do acesso à internet em banda larga na composição da receita das operadoras?

Valim – A banda larga foi um negócio do qual, por conta de fatores estruturais, as empresas de TV por assinatura tiveram que abdicar durante muito tempo. Quem primeiro lançou acesso em banda larga, no Brasil, foram as operadoras de cabo, no final de 1999. E se tivéssemos mantido aquele ritmo inicial, hoje seríamos um grande player. Nos Estados Unidos, o maior player de banda larga são as operadoras de cabo. Aqui são as empresas de telefonia, que contam com duas vantagens: a não escassez de recursos e uma rede bem maior. Nos EUA, como as operadoras de cabo têm uma rede equivalente, elas possuem 60% do mercado de banda larga. No Brasil, essas operadoras sofreram restrições financeiras – sobe o dólar, sobem os juros, falta grana. Banda larga, apesar de ter um retorno rápido, exige investimento, e o equipamento estava muito caro para trazer para cá. Basicamente, o modem passou a ser uma grande barreira de entrada, porque custava caro, e as operadoras não tinham dinheiro para subsidiar no modelo comodato, como as telefônicas fazem. É um comodato de aluguel, quer dizer, alguém tem que pagar o capital de giro. As operadoras de cabo deixaram espaço, que foi ocupado pelas teles. Esse é um negócio que estamos retomando. Basicamente dobramos a nossa base em 2003, mas o segmento ainda não tem uma participação importante.

M&M – E no caso da publicidade, por que ela continua representando apenas um quarto da receita? Afinal o setor vem há 12 anos tentando convencer os mídias de que TV por assinatura é um bom negócio. Eles ainda não se convenceram?

Valim – No Brasil, a publicidade é um negócio de massa. Os grandes anunciantes são de massa, vendem para 170 milhões de brasileiros. Mas como se passou por vários anos de vacas magras, em termos de mídia, o que acabou acontecendo? Se tenho que escolher entre A e B, vou optar por aquele que não tenho dúvida de que vai dar certo. É muito difícil errar em determinados programas e em determinados horários. Num momento de mais pluralidade, de verbas não tão escassas, esse negócio cresce. Já cresceu muito. Saiu do zero, porque não existia. A tecnologia era deficiente. Hoje temos outros questionamentos, como alocar melhor a grade, discutir melhor os breaks, trazer tecnologia mais sofisticada para inserção de comerciais. O dinheiro que isso gera é pouco para a operadora e maior para os canais. Mesmo assim, para nós seria maravilhoso conseguir ampliar o mercado de propaganda.

M&M – Qual a vantagem?

Valim – Isso serviria como ajuda para que o custo da programação não representasse tanto da receita que o canal precisa. Poderíamos ter outras alternativas de programação, talvez mais baratas, se tivesse uma parcela importante da publicidade diminuindo o custo. Mas hoje, com 3,5 milhões de domicílios, basicamente de classe A e B, o mídia só anuncia quando tem o foco específico nessas classes.

M&M – A TV digital vai ajudar de alguma forma no crescimento da TV por assinatura?

Valim – O modelo da televisão digital precisa ser bastante discutido por toda a sociedade, porque vai determinar o sistema que vai funcionar por muitos e muitos anos. Optamos no passado por um sistema de cores chamado Pal M, que é basicamente brasileiro. Isso prejudica a indústria nacional como um todo, porque tem um custo adicional de conversão. Agora o governo está fazendo um grande processo de entendimento das alternativas e uma discussão ampla, para que se possa tomar uma decisão que seja a melhor para o Brasil. Somos um país de recursos escassos, precisamos tomar uma resolução que não desperdice mais dinheiro num modelo exclusivo no mundo. Acho que deveríamos optar por modelos que tenham escala mundial, caso dos celulares. Em qualquer situação o modelo digital requer uma caixa de conversão. E quanto mais barata essa caixa, mais ela vai vender. Essa é a regra básica.

M&M – Qual o papel da televisão por assinatura nisso?

Valim – Pode ser um atalho para ganhar escala. Ela não tem o objetivo de ser, em si mesma, uma solução. O aparelhinho que você bota lá na ponta, quanto mais barato for, melhor. Como já temos 3,5 milhões de assinantes que podem acessar através dessa caixinha, as indústrias brasileiras já começam a ganhar escala a partir daí. O atalho é justamente já ter as caixinhas, que depois serão simplesmente ampliadas, ou acopladas em pequenos aparelhos, baratos, para que isso possa ser ampliado de forma maciça no Brasil inteiro. Estamos participando das discussões sobre o assunto. Nosso objetivo é estar próximos o suficiente para saber o que está acontecendo e assim evitar que as operadoras tomem decisões que, no futuro, possam inviabilizar a escala dos fabricantes nacionais quando se chegar a alguma definição.

M&M – Qual será o papel das operadoras de TV a cabo na questão da inclusão digital? O Serviço de Comunicação Digital é uma área de negócios interessante para o setor?

Valim – O SCD é um serviço que valoriza a infra-estrutura de cabos. O setor, sozinho, ainda não é um player desse negócio, por causa da multiplicidade de serviços que o governo espera encontrar, então vai precisar de parceiros de software, de hardware, de infra-estrutura de rede de acesso. Esse tipo de combinação, de diversas empresas ou grupos de empresas, é que vai fazer o SCD funcionar. Somos parte do processo. E é um processo que vai evoluindo; tem muitas sugestões. Mas acredito que é um modelo que, assim como o SCM (Serviço de Comunicação Multimídia), também vai ter sucesso. É um modelo mais amplo e, portanto, mais perene. Porque tem um período de transição de cinco anos, onde convivem o SCD e o SCM, depois eles se incorporam. O SCD atende a uma gama maior de serviços e necessidades; então creio que haverá uma migração natural nessa direção.

M&M – Mas até que ponto o SCD pode vir a se tornar uma parte lucrativa do negócio?

Valim – Nós somos empresas de infra-estrutura, e esse modelo de SCD necessita fazer a cadeia completa – precisa de rede de transportes, rede de acesso, de última milha, tecnologia de software e hardware. Tem que combinar esse povo todo; com exceção das grandes operadoras de telecomunicações, que vão tentar, o máximo possível, liderar o processo. Mas os outros – que não são as grandes teles – vão se congregar, eu imagino.

M&M – A pirataria de sinal ainda é um grande problema para as operadoras ou as seguidas ações contra esse tipo de atitude surtiram resultado?

Valim – Não existe uma forma definitiva de acabar com a pirataria, a não ser acabando com os piratas. Isso é uma coisa complexa. Mesmo em lugares mais avançados, onde a polícia tem mais recursos, é difícil de controlar. É uma guerra diuturna. A estimativa é de 15% da base, mas existem dois grupos de piratas: o que seria e o que não seria assinante. Se considerarmos o pirata que não seria assinante, aí esse número cresce. Não adianta achar que um domicílio que não tem capacidade de renda para ser assinante está prejudicando a economia da indústria.

M&M – Ele não iria entrar no sistema de qualquer jeito.

Valim – Exatamente. Mas existe um grupo grande de pessoas que estão aí pirateando – um pacote, um ponto extra ou um sinal completamente. Essas sim prejudicam a indústria, sonegam tributo etc. É caso de polícia, literalmente.

M&M – Falando em impostos, havia um pleito para que a TV por assinatura deixasse de ser tributada pelo ICMS (no qual paga 10%) e passasse para o regime do ISS (que tem alíquota máxima de 5%). Como isso foi resolvido?

Valim – A proposta foi aprovada no Senado e remetida para a Câmara, juntamente com todo o resto da reforma tributária, ao qual está incorporada. Achamos que isso é um passo importante e necessário para desonerar o consumidor. O preço vai cair efetivamente, pois o imposto é repassado – na realidade, o preço líquido é X, e depois se aplica o imposto. Aí então ele vai estar incorporado no valor da fatura. Esperamos que os deputados aprovem isso juntamente com toda a reforma tributária.’



Pay-TV News

‘BNDES refinanciará dívidas, mas cobrará mais por isso’, copyright Pay-TV News, 24/03/04

‘A proposta do BNDES para ajuda às empresas de comunicação começou a ser detalhada ao público nessa quarta, 24. Durante audiência na Comissão de Educação do Senado, Darc Costa, vice-presidente do banco estatal, e Alan Fischler, gerente de telecomunicações, apresentaram aos senadores o esqueleto do que está sendo chamado de Pro-mídia: serão R$ 4 bilhões distribuídos em três linhas de financiamento, sendo uma para aquisição de papel, uma para financiamento e outra para refinanciamento de dívidas. Segundo Darc Costa, a não ser que o Congresso se manifeste de maneira diferente, os financiamentos serão repassados de forma indireta, ou seja, por meio de instituições intermediárias, para que seja uma relação mais transparente e independente entre as empresas de mídia e o banco. Além disso, Darc Costa deixou claro que a linha para refinanciamento de dívidas terá um custo mais alto do que as demais, por se tratar de uma situação excepcional.

Segundo Alan Fischler, um dos principais problemas hoje enfrentados por empresas que querem recorrer ao BNDES é a questão das garantias exigidas, principalmente no caso de empresas pequenas. Fischler ressaltou que esse ponto está sendo considerado, que já existem algumas alternativas, como os fundos de aval, mas que outras soluções precisarão ser buscadas.

O BNDES também não deve entrar na questão das contrapartidas sociais. O empréstimo não será condicionado a determinados tipos de programação, nem serão exigidas cotas para produção regional, jornalística, cultural ou informativa. Segundo Alan Fischler, existem outros fóruns mais apropriados para que esses pontos sejam debatidos. ‘Não cabe ao BNDES, e nem faz parte de suas políticas, definir, subjetivamente, o que é ou não mais adequado’.

Prato feito

Os executivos do BNDES também rebateram as críticas das três emissoras de TV – Record, SBT e Rede TV – que se queixaram que a proposta levada pela Abert, Aner e ANJ ao banco não era pública e nem consensual, e que estaria sendo encampada sem discussão. ‘O BNDES não recebe prato feito. Temos um corpo técnico formado no banco que é capaz de se debruçar sobre qualquer questão que seja de interesse nacional e elaborar uma proposta sobre o tema’, disse o vice-presidente Darc Costa, enfatizando que no projeto do banco, a ser enviado ao Senado para apreciação, foram ouvidos todos os setores envolvidos. ‘O BNDES é um instrumento de estado, não de governo. Os governos passam e o banco fica. Temos políticas operacionais para poder dizer sim e para poder dizer não. Assumimos em 2003 e detectamos que havia uma crise no setor de comunicação, que até então havia conseguido caminhar muito bem sem a ajuda do estado. É um setor estratégico que agora precisa de ajuda. Nosso papel é dar às empresas nacionais de capital nacional condições de crescerem. O BNDES tem programas especiais para alguns setores, em que convidamos as empresas a entrarem em um setor. E isso será feito para as comunicações.’

Darc Costa também explicou as razões de o banco estar decidido a apoiar as empresas também para o seu refinanciamento de dívidas. ‘A economia só se movimenta se tiver crédito. Crédito gera poupança. É assim que o capitalismo avança. Pagamento de dívida também é crédito. Eu acredito nisso, acredito que não existe capitalismo só com equity’. Costa explicou que as três linhas de financiamento estão sendo criadas pelas características especiais. ‘A linha de financiamento para investimentos é mais simples e envolve também a questão dos produtores de equipamentos, inclusive para TV digital. A linha para compra de papel envolve uma política de nacionalizar o papel usado pelas empresas. E a linha de refinanciamento de dívida é mais complicada, envolve credores, estruturas societárias diferentes’.’

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‘Rede TV, SBT e Record rejeitam ajuda para pagar dívidas’, copyright PAY-TV News, 24/03/04

‘A audiência pública realizada na Comissão de Educação do Senado para discutir o programa de ajuda do BNDES às empresas de comunicação evidenciou aquilo que já se sabia desde o momento em que as empresas levaram uma proposta ao governo: existe total consenso sobre o fato de ser o setor de comunicações estratégico e por isso merecer a ajuda do governo, mas há uma profunda divergência sobre em que condições essa ajuda deve ser dada. SBT, Record e RedeTV, que participaram da audiência pública, se colocaram de um lado. Globo e Bandeirantes de outro. As três empresas fazem acusações pesadas, sobretudo contra a Globo.

‘O uso de recursos do erário público para saldar dívidas é inadmissível. O tamanho das dívidas que estão aí é proporcional ao monopólio exercido por quem tem o maior endividamento ‘, diz Dennis Munhoz, presidente da Rádio e Televisão Record S/A.

‘A Globo, apesar de sua indiscutível qualidade, fez dumping com a compra de direitos, por exemplo. Discordamos frontalmente, radicalmente, que esse financiamento seja usado para pagar dívidas’, diz Marcelo Fragali, vice-presidente da Rede TV.

‘Hoje a principal emissora tem 50% da audiência e 80% da verba publicitária. Somos todos obrigados a viver com os 20% que sobram. É essa situação desigual que impede que as demais redes se lancem a novas iniciativas de produção. Mas essa é uma questão de mercado que podemos recorrer ao Cade. O ano passado foi péssimo para o setor, mas a Globo diz ter tido lucro de R$ 600 milhões na TV. Quem tem esse lucro não precisa de financiamento’, diz Luiz Sebastião Sandoval, presidente do SBT.

Monopólio

A linha central da argumentação dos grupos que não se afinam com a proposta de socorro à mídia em discussão é simples e pode ser entendida nas entrelinhas do discurso: a Globo contraiu dívidas para consolidar um monopólio e agora quer recursos públicos para pagar essa dívida. Para SBT, Record e Rede TV, os recursos do BNDES devem ser investidos para que outras emissoras possam crescer.

Sandoval explicou a esse noticiário que, apesar da referência à questão de concentração econômica, nenhuma das emissoras dissidentes da Abert pretende recorrer aos órgão antitruste para mudar a situação. ‘Ainda precisamos avaliar como isso vai ficar’. Para ele, o importante é ter financiamento para a digitalização das redes, para produção e para a compra de equipamentos, argumento ratificado inteiramente pela Rede TV e pela Record.

‘Nada contra a Globo pessoalmente, mas tinha como eles terem lucros pagando US$ 240 milhões pela Copa do Mundo. Antes, todos pagava US$ 10 milhões e dividiam a transmissão. Eles se endividaram para ter o monopólio do conteúdo. Tupi e Manchete também passaram por dificuldades e ninguém ajudou’.

Outra crítica presente nos argumentos de SBT, Record e Rede TV levada aos senadores foi a alegada falta de transparência na proposta levada pela Abert ao BNDES. ‘Nenhum vice-presidente de nenhuma emissora teve conhecimento. Foi passada ao público a inverdade de que a proposta era conjunta e unânime. Achamos que qualquer ajuda do governo tem que ter debate’, diz Dennis Munhoz. ‘Estávamos preocupados, achando que havia um bolo pronto a ser servido sem que ninguém dissesse o que havia dentro daquele bolo’, diz Fragali, da Rede TV.’

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‘Globo diz que não conta com dinheiro do BNDES’, copyright PAY-TV News, 24/03/04

‘‘Nós não estamos contando com o dinheiro do BNDES para pagar nossas dívidas. Estamos contando apenas com a nossa competência. Para o tamanho de nossa empresa, a renegociação com nossos credores está indo muito bem no que se refere ao reequacionamento do endividamento. O que vemos é, sim, um BNDES preocupado em atender a uma necessidade do setor de comunicações como um todo’, disse Evandro Guimarães, vice-presidente de relações institucionais da TV Globo, depois de ouvir todas as críticas que foram feitas por Record, Rede TV e SBT à proposta do banco estatal de ajudar empresas de mídia. Guimarães foi um dos participantes da audiência pública realizada na Comissão de educação do Senado nesta quarta, 24, que discutiu o socorro do BNDES às empresas de comunicação.

‘Há um jogo de palavras nessa questão de concorrência. Se uma empresa tem dívidas e pretende pagá-las, certamente vai deixar de investir por um tempo para poder acertar com seus credores. Quem não tem dívida, vai investir seu lucro e com isso pode se aproximar de quem é líder. É bom que haja concorrência, e desejamos que isso se faça dentro de regras claras, dentro da lei. O setor de comunicação social é muito mais importante do que essas circunstâncias, do que essa discussão de ter ou não dívidas’, disse o executivo da Globo aos senadores. ‘Não se pode deixar que isso atrapalhe o projeto do BNDES de apoiar o crescimento de nossa indústria’.

Interesse nacional

A Globo não estava sozinha no debate com as demais emissoras. Tinha ao seu lado a Rede Bandeirantes, representada na audiência do Senado por seu presidente, João Carlos (Johnny) Saad. Ele foi enfático. ‘Se a ajuda do governo é para pagar dívida ou para financiamento de produção, isso não é o fundamental’, disse ao concluir sua apresentação. ‘O importante é que o governo tenha uma percepção estratégica do setor. É importante que o Brasil faça o que outras nações, como EUA, Japão, México, França e Espanha estão fazendo. Comunicação é um projeto do País. A Bandeirantes é favorável ao projeto de financiamento do governo, desde que os grupos contemplados estejam dentro das regras de concorrência, desde que apresentem seus resultados e se enquadrem nos limites de propriedade cruzada do Decreto-lei 236/69. Enfim, desde que os critérios sejam técnicos’.

As colocações de Johnny Saad foram as que mais inspiraram os senadores a discorrerem sobre a importância estratégica do setor de comunicação social ao país. Na verdade, foi a colocação da Bandeirantes que deu o tom de entendimento de todos os debates: o BNDES precisa, sim, apoiar esse setor. Esse entendimento foi unânime entre todos os que se manifestaram.’

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‘Audiência revela bastidores da briga entre os grupos de comunicação’, copyright PAY-TV News, 24/03/04

‘A audiência pública realizada pela Comissão de Educação do Senado para discutir o programa do governo de ajuda à mídia teve um mérito, que foi o de trazer à luz um debate que até então estava sendo travado nos gabinetes. O BNDES garantiu aos senadores que vai encaminhar imediatamente uma cópia do projeto que está sendo desenhado pelo banco ao Senado, para conhecimento público. Mas a audiência serviu também para mostrar alguns pontos sutis da briga entre as empresas de comunicação e de suas estratégias.

Johnny Saad, presidente do grupo Bandeirantes, insinuou em sua fala que alguns grupos têm financiamento cuja origem não é conhecida. ‘Alguns grupos não têm dívidas, outros não precisam de financiamento porque têm outras fontes de recursos, que aliás precisamos saber quais são’. Pode ter sido uma referência, indireta, à relação entre grupos religiosos e emissoras de televisão, já criticada por Saad em entrevista à PAY-TV e à revista Tela Viva em fevereiro. O presidente da Bandeirantes defende que dinheiro ‘de caridade’ não seja usado em atividades econômicas que visam o lucro sem que passem a pagar importos por isso.

Já o senador Hélio Costa (PMDB/MG) colocou em uma de suas intervenções que quando se fala de dívida dos grupos de comunicação não se deve pensar apenas em dívidas contraídas em dólar. ‘Há grupos que devem R$ 200 milhões ao INSS e que têm quase 100 anos para pagar essa dívida pelo Refis’, declarou, provavelmente referindo-se a uma suposta dívida da Record. Hélio Costa também repetiu o discurso da Globo, que se mostra preocupada com o avanço das empresas de telecomunicações sobre o setor de comunicação social.

Já as emissoras que são contrárias ao projeto do BNDES da forma como está colocado (SBT, Record e Rede TV) não escondem que a estratégia é usar a crise financeira para crescerem. Mas insistem que o dinheiro público não vá para pagamentos de dívida, o que favoreceria Globo e Bandeirantes, as mais endividadas.

Fontes próximas às negociações reconhecem que o programa de ajuda às empresas de comunicação é o projeto mais complicado que o BNDES precisou desenvolver em toda a sua história. Ressaltam que muitas regras do banco não são compatíveis com os pleitos das empresas de comunicação, mas que, por enquanto, a pressão política para que o programa saia não existe.

Darc Costa, vice-presidente do BNDES, fez questão de ressaltar que há uma preocupação verdadeiramente técnica e estratégica do BNDES em relação à questão, que a disposição de tratar as empresas de comunicação vem desde antes da apresentação de uma proposta formal de ajuda, feita pela Abert, Aner e ANJ, e que as ferramentas usadas serão as mais transparentes possíveis.

Ameaça fatal

Um último, mas extremamente relevante detalhe da audiência pôde ser percebido na fala de Evandro Guimarães, vice-presidente das Organizações Globo. Ele ressaltou em vários momentos o esforço produtivo da Globo, a capacidade de exportação de conteúdo, a valorização de autores nacionais entre outros feitos. ‘A Globo é viciada em trabalhar com brasileiros, para brasileiros’, disse em tom emocionado, ao responder a uma colocação do senador Hélio Costa, que perguntou por que razão a Globo não havia vendido 30% de seu capital para empresas estrangeiras. ‘Não vendemos porque entendemos que existem salvaguardas sérias que exigem que o controle do conteúdo permaneça nas mãos de brasileiros. Defendemos isso. Não há hipótese de vendermos participação a empresas que não tenham interesse nacional. Isso só será feito em caso fatal’, disse Guimarães. Depois de todas as colocações sobre a importância estratégica do setor de comunicação, essa colocação do representante da Globo soou como um recado.’

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‘TV paga é usado como argumento contrário’, copyright PAY-TV News, 24/03/04

‘Durante o debate realizado na Comissão de educação do Senado sobre o programa de ajuda à mídia, o setor de TV por assinatura foi, em diversas ocasiões, usado como argumento contrário às iniciativas do BNDES. A munição foi o relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), publicado dia 15, que faz duras críticas à forma como o banco estatal ajudou a então Globo Cabo (Net Serviços) em sua reestruturação de capital, em 2002. Quem primeiro levantou o problema foi o presidente do SBT, Luiz Sandoval, ressaltando que o TCU recomendou prudência ao BNDES ao emprestar dinheiro a empresas de comunicação.

Osmar Dias (PDT/PR) também citou o relatório e pediu prudência ao banco. O endividamento do setor de mídia foi atribuído, por algumas das empresas de comunicação, ao setor de TV paga. ‘A TV Globo não precisa de dinheiro com o lucro que tem. Ela precisa de dinheiro para ajudar a Globo Cabo, onde o BNDES é, aliás, acionista, e onde já deu ajuda’, disse Sandoval.

Evandro Guimarães, vice-presidente de relações institucionais das Organizações Globo, foi enfático em relação a esse tema. ‘A Net serviços é uma empresa transparente. É, aliás, uma das únicas três empresas no Brasil no Nível 2 de transparência da Bovespa. A única coisa que esconde são os 40 mil km de redes que ela tem enterrados ou nos postes. A Globo também divulga seus balanços desde que recorreu ao capital internacional’, defendeu o executivo, ressaltando que a Globo não é a única controladora da Net. O BNDES não havia sido informado sobre o relatório do TCU, e só tomou conhecimento do fato quando esse noticiário publicou reportagem sobre o tema, na segunda, 22.’



Jornal do Brasil

‘BNDES vai criar linha de R$ 4 bi para setor de mídia’, copyright Jornal do Brasil, 25/03/04

‘O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social analisa a criação de linhas de crédito de cerca de R$ 4 bilhões para as empresas de comunicação. A informação foi dada ontem pelo vice-presidente da instituição, Darc Costa.

Em depoimento à Comissão de Educação do Senado, Costa explicou que as linhas de crédito em estudo poderão ser utilizadas para programas de investimento em capital de giro e para a reestruturação das dívidas do setor, estimadas por ele em R$ 10 bilhões.

– Ainda estamos discutindo a linha para a reestruturação do setor, mas ela deverá ter custo maior do que o das operações de investimento (em capital de giro) – afirmou Darc.

Segundo o executivo, o setor de mídia é estratégico para o governo. Costa disse ainda que o segmento de comunicações enfrenta uma ‘crise financeira crônica’. Entre os motivos que contribuíram para essa situação, citou os empréstimos em moeda estrangeira para investimentos realizados em novos meios, que não produziram os resultados esperados. Os problemas dos grandes grupos de comunicação brasileiros tiveram início com a desvalorização do real em 1999. E foram agravados pelos fracos resultados obtidos pela televisão por assinatura, sites de internet e criação de novos órgãos de imprensa.

– O que se busca é o fortalecimento do setor, para podermos voltar a ter empresas saudáveis, capazes de investir na produção nacional, melhorar a qualidade de conteúdo, possibilitando inclusive exportações – afirmou Alan Fischer, gerente do departamento de telecomunicações do BNDES.

Para Fischer, a revitalização dos meios de comunicação traria a produção de vários tipos de equipamentos, fato importante para o futuro da implementação da televisão digital no país. Da agência AFP’