Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Entidades repudiam “golpismo midiático”

Convocado pelo Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé, o ato público contra o chamado ‘golpismo midiático’ reuniu na noite quente de quinta-feira, 23 de setembro, cerca de 450 pessoas na sede do Sindicato dos Jornalistas no Estado de São Paulo, no Centro da capital. Contou com a presença de representantes de partidos como PT, PDT, PCdoB e PSB, e de entidades como CUT, CGTB, UNE, MST, Fenaj, e Movimento dos Sem Mídia.


Os discursos foram marcados por vigorosas críticas à cobertura das eleições de 2010. Bastante aplaudida, a ex-prefeita de São Paulo, Luiza Erundina, afirmou que parte da grande imprensa adotou um modelo ‘macarthista’ para intimidar os movimentos sociais e prejudicar a candidatura de Dilma Rousseff à presidência da República. Segundo Erundina, os grupos midiáticos monopolistas passaram a distorcer a cobertura porque ‘deu certo o governo do primeiro presidente operário e porque vamos eleger a primeira mulher presidente do Brasil’.


Assim como a ex-prefeita, outros oradores apontaram ‘desvios graves’ na construção do noticiário político. Para Gilmar Mauro, do MST, é vergonhosa a adulteração de fatos e a parcialidade nas matérias que tratam dos candidatos, especialmente para os cargos majoritários. Segundo ele, o noticiário claramente tendencioso dos últimos meses revela a necessidade urgente de um projeto de ‘democratização da mídia’ no Brasil.


Ampliar, não cercear


O fundador do Movimento dos Sem Mídia, Eduardo Guimarães, afirmou que o método da distorção proposital se fez evidente nas reportagens sobre o próprio evento, publicadas em jornais como o Estado de S.Paulo. ‘Sinto vergonha alheia por causa desses profissionais que mentem, deturpam e inventam’, disse. ‘Como é que nós, um bando de barnabezinhos, vamos calar poderosas instituições milionárias como Globo e Folha?’, indagou.


Na visão de Guimarães, algumas corporações midiáticas tentaram estigmatizar os organizadores do ato, construindo a ficção de que estariam ameaçando a democracia ao exigir o fim de liberdade de expressão. ‘Isso é ridículo e mostra que esses jornais frequentemente tentam confundir a população, em vez de esclarecê-la.’


Para o presidente do Centro de Estudos Barão de Itararé, Altamiro Borges, parte da grande mídia tratou de deturpar gravemente os fatos, atribuindo a ideia do ato ao PT e alinhando os organizadores aos censores fascistas. Segundo ele, essa tentativa de desqualificação segue a linha de desvios na cobertura eleitoral. ‘Jamais dissemos que a mídia não deveria apurar irregularidades nas instâncias de governo’, disse. ‘Mas ela precisa realizar essas investigações também nos redutos de seus aliados políticos, de forma justa e imparcial.’


De acordo com Borges, além de manter foco único em casos que prejudiquem a candidata Dilma Rousseff, parte da grande imprensa tem ‘requentado’ denúncias para prolongar artificialmente a onda de escândalos, o que eliminou a possibilidade de discussão de propostas e programas de governo. ‘Também é lamentável que jornais conceituados se utilizem levianamente de criminosos apenados, como Rubnei Quícoli, para embasar suas denúncias contra a candidata da situação’, criticou.


Para o jornalista, o ato foi imaginado justamente para ampliar a liberdade de expressão, e não para cerceá-la. ‘Concebemos esse evento também pensando em apoiar o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), tão atacado por operadoras e por empresas de radiodifusão, que temem a migração de audiência e publicidade para outro canal’, explica. ‘Exigimos ainda da vice-procuradora geral eleitoral, Sandra Cureau, tão empenhada em investigar as contas da revista CartaCapital, que faça o mesmo, imediatamente, com os veículos dos grupos Globo, Abril, Folha e Estado.’


‘Justamente o contrário’


O Centro Barão de Itararé informou que o ato tinha também o propósito de mostrar apoio à proposta do jurista Fábio Konder Comparato (já encampada por entidades e centrais sindicais) de ingressar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) por omissão do parlamento na regulamentação dos artigos da Constituição que tratam da comunicação. Segundo Borges, é necessário que sejam respeitados os preceitos constitucionais que proíbem a organização de monopólios no setor e aqueles que estimulam a produção regional e independente. ‘Este é o verdadeiro caminho para a democratização da informação’, disse Borges.


Esmagado entre as 200 pessoas presentes no auditório Vladimir Herzog (os demais se distribuíam pelos corredores do sindicato, pelo hall do prédio e pelas calçadas da Rua Rego Freitas), o jornalista Luiz Carlos Azenha, do site Vi o Mundo, comentava indignado as acusações de parte da mídia aos organizadores do evento.


‘É lamentável que tenham qualificado o ato como uma tentativa de limitar a liberdade de expressão, pois o que se viu aqui foi justamente o contrário’, afirmou. ‘Quiseram transformar uma agenda positiva em uma agenda negativa.’ Para Azenha, os grupos presentes reivindicam ‘mais mídia e não menos mídia’. Por vezes, o jornalista teve dificuldade para ver os oradores da noite. A cada onda de aplausos, um grupo de militantes de movimentos sociais erguia a sua frente uma faixa com a frase ‘Folha mente’.


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Pela mais ampla liberdade de expressão


Manifesto lido no ato realizado em 23/9/2010 no Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo


O ato ‘contra o golpismo midiático e em defesa da democracia’, proposto e organizado pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, adquiriu uma dimensão inesperada. Alguns veículos da chamada grande imprensa atacaram esta iniciativa de maneira caluniosa e agressiva. Afirmaram que o protesto é ‘chapa branca’, promovido pelos ‘partidos governistas’ e por centrais sindicais e movimentos sociais ‘financiados pelo governo Lula’. De maneira torpe e desonesta, estamparam em suas manchetes que o ato é ‘contra a imprensa’.


Diante destas distorções, que mais uma vez mancham a história da imprensa brasileira, é preciso muita calma e serenidade. Não vamos fazer o jogo daqueles que querem tumultuar as eleições e deslegitimar o voto popular, que querem usar imagens da mídia na campanha de um determinado candidato. Esta eleição define o futuro do país e deveria ser pautada pelo debate dos grandes temas nacionais, pela busca de soluções para os graves problemas sociais. Este não é momento de baixarias e extremismos. Para evitar manipulações, alguns esclarecimentos são necessários:


1. A proposta de fazer o ato no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo teve uma razão simbólica. Neste auditório que homenageia o jornalista Vladimir Herzog, que lutou contra a censura e foi assassinado pela ditadura militar, estão muitos que sempre lutaram pela verdadeira liberdade de expressão, enquanto alguns veículos da ‘grande imprensa’ clamaram pelo golpe, apoiaram a ditadura – que torturou, matou, perseguiu e censurou jornalistas e patriotas – e criaram impérios durante o regime militar. Os inimigos da democracia não estão no auditório Vladimir Herzog. Aqui cabe um elogio e um agradecimento à diretoria do sindicato, que procura manter este local como um espaço democrático, dos que lutam pela verdadeira liberdade de expressão no Brasil.


2. O ato, como já foi dito e repetido – mas, infelizmente, não foi registrado por certos veículos e colunistas –, foi proposto e organizado pelo Centro de Estudos Barão de Itararé, entidade criada em maio passado, que reúne na sua direção, ampla e plural, jornalistas, blogueiros, acadêmicos, veículos progressistas e movimentos sociais que lutam pela democratização da comunicação. Antes mesmo do presidente Lula, no seu legítimo direito, criticar a imprensa ‘partidarizada’ nos comícios de Juiz de Fora e Campinas, o protesto contra o golpismo midiático já estava marcado. Afirmar o contrário, insinuando que o ato foi ‘orquestrado’, é puro engodo. Tentar atacar um protesto dos que discordam da cobertura da imprensa é tentar, isto sim, censurar e negar o direito à livre manifestação, o que fere a própria Constituição. É um gesto autoritário dos que gostam de criticar, mas não aceitam críticas – que se acham acima do Estado de Direito.


3. Esta visão autoritária, contrária aos próprios princípios liberais, fica explícita quando se tenta desqualificar a participação no ato das centrais sindicais e dos movimentos sociais, acusando-os de serem ‘ligados ao governo’. Ou será que alguns estão com saudades dos tempos da ditadura, quando os lutadores sociais eram perseguidos e proibidos de se manifestar? O movimento social brasileiro tem elevado sua consciência sobre o papel estratégico da mídia. Ele é vítima constante de ataques, que visam criminalizar e satanizar suas lutas. Greves, passeatas, ocupações de terra e outras formas democráticas de pressão são tratadas como ‘caso de polícia’, relembrando a Velha República. Nada mais justo que critique os setores golpistas e antipopulares da velha mídia. Ou será que alguns veículos e até candidatos, que repetem o surrado bordão da ‘república sindical’, querem o retorno da chamada ‘ditabranda’, com censura, mortos e desaparecidos? O movimento social sabe que a democracia é vital para o avanço de suas lutas e para conquista de seus direitos. Por isso, está aqui! Ele não se intimida mais diante do terrorismo midiático.


4. Por último, é um absurdo total afirmar que este ato é ‘contra a imprensa’ e visa ‘silenciar’ as denúncias de irregularidades nos governos. Só os ingênuos acreditam nestas mentiras. Muitos de nós somos jornalistas e sempre lutamos contra qualquer tipo de censura (do Estado ou dos donos da mídia), sempre defendemos uma imprensa livre (inclusive da truculência de certos chefes de redação). Quem defende golpes e ditaduras, até em tempos recentes, são alguns empresários retrógrados do setor. Quem demite, persegue e censura jornalistas são os mesmos que agora se dizem defensores da ‘liberdade de imprensa’. Somos contra qualquer tipo de corrupção, que onera os cidadãos, e exigimos apuração rigorosa e punição exemplar dos corruptos e dos corruptores. Mas não somos ingênuos para aceitar um falso moralismo, típico udenismo, que é unilateral no denuncismo, que trata os ‘amigos da mídia’ como santos, que descontextualiza denúncias, que destrói reputações, que desrespeita a própria Constituição, ao insistir na ‘presunção da culpa’. Não é só o filho da ex-ministra Erenice Guerra que está sob suspeição; outros filhos e filhas, como provou a revista CartaCapital, também mereceriam uma apuração rigorosa e uma cobertura isenta da mídia.


5. Neste ato, não queremos apenas desmascarar o golpismo midiático, o jogo sujo e pesado de um setor da imprensa brasileira. Queremos também contribuir na luta em defesa da democracia. Esta passa, mais do que nunca, pela democratização dos meios de comunicação. Não dá mais para aceitar uma mídia altamente concentrada e perigosamente manipuladora. Ela coloca em risco a própria a democracia. Vários países, inclusive os EUA, adotam medidas para o setor. Não propomos um ‘controle da mídia’, termo que já foi estigmatizado pelos impérios midiáticos, mas sim que a sociedade possa participar democraticamente na construção de uma comunicação mais democrática e pluralista. Neste sentido, este ato propõe algumas ações concretas:


6. Desencadear de imediato uma campanha de solidariedade à revista CartaCapital, que está sendo alvo de investida recente de intimidação. É preciso fortalecer os veículos alternativos no país, que sofrem de inúmeras dificuldades para expressar suas idéias, enquanto os monopólios midiáticos abocanham quase todo o recurso publicitário. Como forma de solidariedade, sugerimos que todos assinemos publicações comprometidas com a democracia e os movimentos sociais, como a Carta Capital, Revista Fórum, Caros Amigos, Retrato do Brasil, Revista do Brasil, jornal Brasil de Fato, jornal Hora do Povo, entre outros; sugerimos também que os movimentos sociais divulguem em seus veículos campanhas massivas de assinaturas destas publicações impressas;


7. Solicitar, através de pedidos individuais e coletivos, que a vice-procuradora regional eleitoral, Dra. Sandra Cureau, peça a abertura dos contratos e contas de publicidade de outras empresas de comunicação – Editora Abril, Grupo Folha, Estadão e Organizações Globo –, a exemplo do que fez recentemente com a revista CartaCapital. É urgente uma operação ‘ficha limpa’ na mídia brasileira. Sempre tão preocupadas com o erário público, estas empresas monopolistas não farão qualquer objeção a um pedido da Dra. Sandra Cureau.


8. Deflagrar uma campanha nacional em apoio à banda larga, que vise universalizar este direito e melhorar o PNBL recentemente apresentado pelo governo federal. A internet de alta velocidade é um instrumento poderoso de democratização da comunicação, de estimulo à maior diversidade e pluralidade informativas. Ela expressa a verdadeira luta pela ‘liberdade de expressão’ nos dias atuais. Há forte resistência à banda larga para todos, por motivos políticos e econômicos óbvios. Só a pressão social, planejada e intensa, poderá garantir a universalização deste direito humano.


9. Apoiar a proposta do jurista Fábio Konder Comparato, encampada pelas entidades do setor e as centrais sindicais, do ingresso de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) por omissão do parlamento na regulamentação dos artigos da Constituição que versam sobre comunicação. Esta é uma justa forma de pressão para exigir que preceitos constitucionais, como o que proíbe o monopólio no setor ou o que estimula a produção independente e regional, deixem de ser letra morta e sejam colocados em prática. Este é um dos caminhos para democratizar a comunicação.


10. Redigir um documento, assinado por jornalistas, blogueiros e entidades da sociedade civil, que ajude a esclarecer o que está em jogo nas eleições brasileiras e que o papel da chamada grande imprensa tem jogado neste processo decisivo para o país. Ele deverá ser amplamente divulgado em nossos veículos e será encaminhado à imprensa internacional.

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Jornalista