Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Entrevista com candidato não é propaganda

A legislação eleitoral voltou a ser tema do Observatório da Imprensa exibido pela TV Brasil. Após a polêmica dos candidatos com ‘ficha suja’, o programa de terça-feira (1/7) discutiu a proibição de entrevistas em que candidatos às eleições municipais deste ano abordem suas propostas para o governo. Em 17/6, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de São Paulo multou a então pré-candidata à prefeitura Marta Suplicy, a revista Veja São Paulo e o jornal Folha S.Paulo por ‘propaganda extemporânea’.


O juiz acolheu duas representações propostas pelo Ministério Público Eleitoral de São Paulo, motivadas pelas entrevistas. As representações tinham como base o artigo 24 da Resolução 22.718, que impedia que pré-candidatos concedessem entrevistas em que expusessem propostas de campanha antes do dia 6 de julho, quando começa oficialmente a propaganda eleitoral.


Mas a sociedade reagiu e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovou a proposta de seu presidente, ministro Carlos Ayres Britto, que permitia aos candidatos e pré-candidatos às eleições municipais concederem entrevistas sobre seus planos antes de 6 de julho. Abusos e excessos serão apurados e punidos. E as emissoras de rádio e televisão deverão tratar com igualdade os candidatos que se encontrarem em situação semelhante.


Participaram do debate ao vivo o articulista de O Globo Luiz Garcia, no estúdio do Rio de Janeiro; em São Paulo, Roberto Livianu, presidente do Movimento do Ministério Público Democrático, e Marcus Vinicius Furtado Coêlho, presidente da Comissão Nacional de Legislação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).




Roberto Livianu, promotor de Justiça há 16 anos, é presidente do Movimento do Ministério Público Democrático. Atua na Promotoria de Justiça Criminal da capital. Foi assessor da Procuradoria Geral de Justiça. É doutor em Direito Penal pela USP.


Luiz Garcia, jornalista há 54 anos, é articulista do jornal O Globo. Foi editor de Opinião e organizador do manual de redação e estilo do jornal. Participou do lançamento da revista Veja, em 1968, onde foi chefe de redação e editor-chefe. Foi correspondente da Editora Abril em Nova York.


Marcus Vinicius Furtado Coêlho é conselheiro federal e presidente da Comissão Nacional de Legislação da OAB. Advogado militante no TSE, é doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais.


Panorama da semana


Alberto Dines comentou os fatos relevantes dos últimos dias. A disputa de audiência entre redes de televisão na transmissão de partidas de futebol no domingo (29/6) foi o primeiro tema da seção ‘A mídia na semana’. O abraço trocado entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso no velório da antropóloga Ruth Cardoso (25/6), foi o segundo assunto.


‘Ruth Cardoso, além de iniciadora dos programas sociais, foi também uma atenta observadora da imprensa, sempre bem humorada e sempre muito discreta’, disse Dines a respeito criadora do Comunidade Solidária. O último tópico da seção foi a censura prévia imposta aos jornais O Estado de S.Paulo e Jornal da Tarde. ‘Durante seis dias vivemos uma situação absurda: sabia-se que os jornais tinham graves denúncias contra o Cremesp, Conselho Regional de Medicina, mas não se sabia o teor das denúncias’, observou o jornalista.


No editorial que precede o debate ao vivo, Dines avaliou que o TSE reverteu o ‘abuso’ em boa hora ao anular as multas aplicadas contra a revista Veja São Paulo e a Folha de S.Paulo. ‘O pitoresco é que agora os juízes e promotores eleitorais estão se queixando da imprensa, acusando-a de intimidação’, disse. ‘O último acesso repressor mostra claramente que muitos magistrados não são leitores habituais de jornais ou revistas porque consideraram como propaganda as séries de entrevistas que os veículos impressos costumam fazer com os postulantes a cargos majoritários.’


O jornalista advertiu que se a imprensa passar a fiscalizar com maior rigor os candidatos com ‘ficha suja’, poderá sofrer represálias imediatas. ‘A não ser que se adote a solução do último fim de semana da Veja São Paulo. Como era a vez de publicar a entrevista com o candidato a prefeito Paulo Maluf, a revista publicou a entrevista normalmente e explicou por que ele não merecia aparecer na capa. O candidato não chiou’, disse.


A reportagem exibida antes do debate ouviu a opinião do ex-ministro da Justiça Célio Borja. De acordo com a Constituição, a liberdade de expressão é irrestrita, mas gera responsabilidades. O ex-ministro acredita que quanto mais informações sobre os pré-candidatos às eleições o cidadão tiver, melhor será a escolha. O jurista alertou para o fato de que se estaria esquecendo a finalidade do arcabouço legal das eleições.


O presidente da Associação Brasileira da Imprensa (ABI) Maurício Azêdo afirmou que, ao contrário dos veículos de comunicação eletrônica, que são concessões públicas, a mídia impressa não deveria ser limitada na sua ação, já que o artigo 220 da Constituição assegura a plenitude da liberdade de imprensa.


O presidente do TSE, ministro Carlos Ayres Britto, afirmou que sem informação em plenitude e máxima qualidade, com exposição de propostas e perfis de pré-candidatos, o eleitor não pode se posicionar bem. O presidente do tribunal ressaltou que a decisão do TSE prestigiou a liberdade de comunicação e que a imprensa é parceira da democracia.


As interpretações da lei


No debate ao vivo, Marcus Vinicuis Coêlho disse que este momento de discussão de valores é ‘ímpar’ para o crescimento das instituições. O representante da OAB afirmou que a Constituição deve prevalecer e que os juízes do caso aplicaram a legislação que estava em vigor, sem abuso de autoridade. O TSE teria alterado a resolução em boa hora, zelando pelo cumprimento da Carta Magna.


Roberto Livianu evitou adjetivar os promotores que atuaram no caso, ressaltando que são profissionais respeitados, mas disse que é importante interpretar o espírito da lei. Sempre que se trabalha com regras, será preciso observar que interesses estão sendo protegidos. Para o representante do Ministério Público, é necessário encontrar um equilíbrio entre as iniciativas que evitam os abusos e o direito à informação. ‘Informar o cidadão é fundamental’, disse. Outro ponto abordado por Livianu foi a importância de não se confundir jornalismo com propaganda eleitoral irregular e cobertura de candidatos desequilibrada.


Dines perguntou a Luiz Garcia sobre a censura à série de entrevistas ‘democrática e informativa’ de Veja e sobre a posterior ‘reação de intimidação’. Garcia vê a questão com preocupação. Para o articulista de O Globo, é preciso rememorar a forma como as entrevistas com pré-candidatos foram abordadas desde que o país está sob o regime democrático, e ainda comparar com outras democracias no mundo. O fato de os protestos contra a censura terem sido atendidos rapidamente mostra que há um erro. Garcia afirmou que a situação foi corrigida apenas episodicamente.


Mídias diferentes, regras distintas


Outro tema do debate ao vivo foi a legislação eleitoral para a internet. Para Marcus Vinicius Coêlho, a internet está mais próxima da comunicação escrita do que da eletrônica, e por isso não teria limite exato fixado pela lei. Se houver abusos na rede, os candidatos podem ser punidos. O debate político deve ser amplo e plural. Coêlho afirmou que a OAB é a favor dos direitos democráticos, mas que a liberdade abusiva, no limite, é a antítese da liberdade. Se uma intervenção servir para assegurar o pluralismo da cobertura da imprensa, ela será saudável.


Garcia considera que não se pode aplicar a mesma legislação para mídias diferentes. As mídias impressas têm regras mais suaves. O jornalista lembrou que o TSE discutiu a possibilidade de se estender as normas dos veículos de comunicação eletrônica para a internet, e que decidiu não aplicar os mesmos preceitos. O tribunal vai decidir caso a caso. Para o articulista, a rede terá um peso ainda maior que nos pleitos anteriores.


Candidatos com ficha suja


Em relação à aplicação do princípio de presunção da inocência aos candidatos que estejam sendo alvo de processos judiciais, Coêlho afirmou que não se pode abrir exceção ao cumprimento da Constituição. Portarias e resoluções não podem ser superiores à Carta Magna, que prevê que todo réu é inocente até que se prove o contrário.


Livianu considera que a questão não é simples. Não se pode abrir mão de direitos fundamentais e impedir políticos que sejam réus de ações em trânsito se candidatem, mas deve-se oferecer ao eleitor informações a respeito da vida pregressa dos que planejam se candidatar a um cargo público.


Um telespectador perguntou a Luiz Garcia como a imprensa pode ajudar a remediar a ‘memória curta’ do eleitor. O articulista afirmou que a imprensa cumpre esse papel ‘o tempo todo’, noticiando com ‘teimosia’ os desmandos e abusos dos políticos brasileiros. Garcia alertou que a persistência da imprensa não pode parecer perseguição a um determinado candidato. Deve-se agir com isenção, cautela e comedimento, mas sem cessar.


Livianu ponderou que a imprensa muitas vezes só informa o início dos escândalos que envolvem política, deixando de cobrir o meio e o fim das investigações. A falta de divulgação das punições aplicadas leva a uma sensação de impunidade e desmotiva o cidadão a fazer futuras denúncias. Garcia discordou. Na opinião do jornalista, a mídia noticia a descoberta do erro e a punição, mas devido ao longo tempo dos processos, não poderia acompanhar todo o trâmite.


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Os surtos da censura


Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV nº 467, exibido em 1/7/2008


Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.


Censura outra vez. O país foi redemocratizado há 23 anos, a República funciona plenamente e, no entanto, periodicamente, somos agredidos por surtos de censura. Do pior tipo, a censura togada, judicial.


O último acesso repressor mostra claramente que muitos magistrados não são leitores habituais de jornais ou revistas porque consideraram como propaganda as séries de entrevistas que os veículos impressos costumam fazer com os postulantes a cargos majoritários.


O Tribunal Superior Eleitoral, em boa hora, reverteu o abuso e anulou as multas impostas à Veja São Paulo e à Folha de S. Paulo. O pitoresco é que agora os juízes e promotores eleitorais estão se queixando da imprensa, acusando-a de intimidação.


O caso, felizmente, está encerrado, mas, se a imprensa assume efetivamente a sua função fiscalizadora contra candidatos com ficha suja, as represálias podem ser imediatas, a não ser que se adote a solução do último fim de semana da Veja São Paulo.


Como era a vez de publicar a entrevista com o candidato a prefeito Paulo Maluf, a revista publicou a entrevista normalmente e explicou porque ele não merecia aparecer na capa. O candidato não chiou.


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A mídia na semana


** A ‘Fúria’ espanhola conquistou no domingo a Eurocopa depois de 44 anos de jejum. E deu uma tremenda colher-de-chá à TV Record, que em certos momentos da transmissão teve o dobro da audiência da Globo – 20 pontos contra 10. A Vênus Platinada transmitia a partida do Mengão contra o Sport do Recife. Coisas da globalização.


** O abraço mais comovido e mais comentado da nossa cena política desde a democratização. Mas não se pode esquecer a maravilhosa figura humana que inspirou o tocante reencontro dos velhos companheiros, Lula e Fernando Henrique. Ruth Cardoso. Além de iniciadora dos programas sociais foi também uma atenta observadora da imprensa, sempre bem humorada e sempre muito discreta.


** Foi levantada a censura prévia imposta pela justiça paulista aos jornais O Estado de S.Paulo e Jornal da Tarde. Durante seis dias vivemos uma situação absurda: sabia-se que os jornais tinham graves denúncias contra o Cremesp, Conselho Regional de Medicina, mas não sabia o teor das denúncias. Ontem [segunda, 30/6] a mordaça caiu, a denúncia foi publicada e mais uma vez ficou comprovado que a censura prejudica mais o censor do que o censurado. Aliás, censura é o tema do nosso programa.