Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Escândalos no futebol, uma cobertura em segundo plano

A cobertura dos meios de comunicação sobre o escândalo do time de futebol Corinthians foi tema de debate no Observatório da Imprensa na TV, transmitido pela rede pública de televisão na terça-feira (25/9). Participaram do programa Juca Kfouri, colunista Folha de S.Paulo, jornalista há mais de trinta anos também com atuação em programas de rádio e TV; Antônio Nascimento, editor de Esportes de O Globo, jornalista há duas décadas, com participação na cobertura de três Copas do Mundo e três Jogos Olímpicos; e o presidente do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) e conselheiro do Corinthians, Rubens Approbato.


No editorial que abre o programa [ver íntegra abaixo], Alberto Dines analisou o desempenho da mídia nesta cobertura. O jornalista destacou que apesar de a Polícia Federal ter liberado uma gravação telefônica na qual o ex-presidente do Corinthians, Alberto Dualib, admite que o Campeonato Brasileiro de 2005 teve um lance roubado, os três principais jornais nacionais deram maior espaço à indicação do novo técnico do time. ‘Erro de avaliação jornalística ou foi a lógica perversa das paixões futebolísticas que esconde o que é mais importante? Será que o leitor-torcedor só quer mesmo saber o que se passa no gramado sem se importar com o mar de lama que compromete o placar? O clubismo e o fanatismo serão mesmo mais fortes do que o apreço pela decência?’, perguntou. Dines sublinhou que as denúncias ficam restritas aos cadernos ou programas esportivos, e que ‘a corrupção no mundo desportivo acaba secundada pelos interesses e paixões do torcedor’.


O papel da imprensa esportiva


A reportagem que precede o debate ao vivo avaliou que os escândalos envolvendo os times do Corinthians, em São Paulo, e do Vasco da Gama, no Rio de Janeiro, mostraram a fragilidade da imprensa quando o assunto é corrupção no esporte. Apesar de os episódios envolverem polícia e política, as reportagens ficaram confinadas às páginas esportivas e a cobertura restrita aos estados onde os escândalos ocorreram. Para o subeditor de Esportes do Jornal do Brasil, Ricardo Gonzalez, a quantidade de irregularidades ocorridas no futebol na última década tem treinado as redações a cobrir escândalos, mas ainda haveria ‘um longo caminho a ser percorrido’. Gonzales frisou que a imprensa investiga as irregularidades, mas não tem poder de polícia.


A deputada federal Lídice da Mata (PSB-BA), presidente da Comissão de Turismo e Desporto da Câmara dos Deputados, comentou a importância da transparência no uso do capital pelos clubes e a necessidade da contrapartida dos times que recebem recursos do governo. Para a deputada, o fato de jornalistas passarem longos períodos cobrindo exclusivamente um time facilita ‘o estabelecimento de amizades, o estabelecimento de uma relação que deixa de ser a relação de cobrir a verdade, de dar os fatos de forma mais crítica e mais analítica’. Gilmar Ferreira, editor de Esportes do jornal Extra, avaliou que o esporte ainda é visto como entretenimento. Ferreira observa uma dicotomia no papel do jornalista esportivo: dar difusão ao tema da pauta ou ser um repórter investigativo?


Corrupção no esporte na primeira página?


No debate ao vivo, Juca Kfouri afirmou que matéria que escreveu com jornalista Bob Fernandes (em 9/9) talvez merecesse maior destaque na primeira página da Folha de S.Paulo, onde foi publicada; mas, mesmo ganhando apenas uma pequena chamada, a repercussão foi enorme. Para Juca, a origem do problema da cobertura esportiva encontra-se mais na TV aberta – por meio da qual a maioria da população se informa – do que nos jornais impressos e canais por assinatura: ‘Há uma promiscuidade entre executivos das áreas esportivas TV e a cartolagem do futebol. Quando você compra um evento, você se julga no papel de sócio de quem você comprou, o que é um absurdo’, disse.


Antônio Nascimento acredita que é fundamental que a editoria de Política se interesse também pela corrupção no esporte. Para ele, o esporte é visto como uma ‘segunda divisão dentro jornais’. Nascimento comentou que quando há denúncias de irregularidades na política, como no caso do presidente do Congresso Nacional, Renan Calheiros, é criada uma força-tarefa nos jornais para cobrir todas as áreas do assunto. Já quando o escândalo é no esporte, não existe a mesma preocupação dos veículos em destacar profissionais de outras editorias que tenham conhecimento nos meandros da Receita Federal, por exemplo. ‘Eu não vejo a preocupação de trazer para a primeira página – tirar do `curral esportivo´ o assunto e trazer para a vitrine do jornal, que é a primeira página’, disse.


Futebol como elemento de integração


Para o presidente do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, o futebol no país é um elemento hegemônico de integração da sociedade brasileira, um grande símbolo da nação, que mereceria respeito e divulgação. Rubens Approbato explicou que o STJD é a única justiça não estatal, não faz parte do poder Judiciário e as competências do tribunal são a disciplina desportiva e a competição. O restante seria da competência da justiça comum. Approbato acredita que os fatos que estão sendo investigados, como o uso de recursos ilícitos, poderiam ser incluídos como elementos desagregadores da competição e, assim, a justiça do esporte poderia agir e punir.


Juca Kfouri disse acreditar que a recente crise que a imprensa enfrenta levou a um esvaziamento das redações e ao acúmulo de funções. Estes fatores poderiam determinar a escolha das principais manchetes dos jornais. ‘É tão pouco freqüente uma matéria de esporte ocupar uma submanchete da primeira página do jornal de maior circulação do país que o autor fica até feliz’, afirmou. O jornalista frisou que é importante dar espaço a esse tipo de matéria e evitar o raciocínio simplista de que o leitor só estaria interessado em saber que jogador fez o gol, e não nos bastidores do esporte.


Futebol não combina com notícia negativa


Nascimento acrescentou que existe uma dificuldade no jornalismo em colocar o esporte no espaço que ele merece quando o assunto é corrupção. Para o jornalista do Globo, há uma crença dentro dos jornais de que ‘esporte é festa, esporte é alegria, esporte não é notícia ruim’. Rubens Approbato considera um equívoco o fato de as empresas jornalísticas não valorizarem a cobertura esportiva, já que um grande número de pessoas inicia a leitura do jornal pelo caderno de Esportes: ‘Se o futebol é o elemento que compõe a cidadania brasileira, por que não dar destaque na primeira página e em manchete?’.


Na opinião de Juca Kfouri, a imprensa não deve necessariamente empreender campanhas pela moralização no futebol, e sim denunciar, produzir reportagens investigativas e mostrar os fatos. Os torcedores muitas vezes ficam esperando que a imprensa faça o seu papel, que os políticos façam o seu papel, mas não saem às ruas para combater a corrupção em seus times.


No bloco de encerramento do programa, Antônio Nascimento elogiou a participação da Polícia Federal no escândalo do Corinthians. Para o jornalista, parte da visibilidade que o caso teve deve-se à atuação da PF. Afirmou ainda que uma vez que o futebol pode ser visto como uma forma de cidadania, o esporte é um retrato do Brasil e, através dele, poderiam ser corrigidos alguns dos problemas do país.


Kfouri destacou a importância da busca de produzir jornalismo ‘com J maiúsculo’ em qualquer área – seja no esporte, na cultura ou na política. E frisou: ‘Não acredito em jornalista, em qualquer lugar do mundo, que não queira melhorar a sua esquina, a sua cidade, o seu país. E esta é uma das partes do nosso trabalho também no esporte’.


Para Alberto Dines, a partir do momento em que os veículos de comunicação começarem a valorizar o noticiário esportivo como fazem com o econômico e o político, os escândalos no esporte passarão a ser cobertos também por outras editorias. E com o destaque merecido.


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Maracutaias do futebol


Alberto Dines # editoral do programa Observatório da Imprensa na TV nº 435, no ar em 25/9/2007


A Polícia Federal liberou ontem (24/9) uma gravação telefônica onde o ex-presidente do Corinthians admitiu que o Brasileirão de 2005 teve um lance roubado. Hoje, nos três jornalões nacionais, a notícia mais importante não era essa, mas a indicação do novo técnico do mesmo Corinthians.


Erro de avaliação jornalística ou foi a lógica perversa das paixões futebolísticas que esconde o que é mais importante? Será que o leitor-torcedor só quer mesmo saber o que se passa no gramado sem se importar com o mar de lama que compromete o placar? O clubismo e o fanatismo serão mesmo mais fortes do que o apreço pela decência?


A grande verdade é que no país do futebol, o próprio futebol não consegue ser uma exceção: acabou dominado pela mesma corrupção e, em alguns casos, pelos mesmos atores que protagonizaram escândalos políticos e eleitorais.


Apesar da coragem e do desassombro de alguns jornalistas, suas revelações e denúncias ficam confinadas aos cadernos ou programas esportivos – e, mesmo que mereçam ocasional destaque, a corrupção no mundo desportivo acaba secundada pelos interesses e paixões do torcedor.


Será justo que os quatro meses do escândalo Renan Calheiros sejam mais conhecidos do que os quatorze anos da gestão de Alberto Dualib à frente do Corinthians? Por que razão falou-se menos na concessão do asilo político ao magnata Boris Berezovski, discutida nos altos escalões da República, do que na extradição do banqueiro Salvatore Cacciola?


Nosso jornalismo, apesar de feitos recentes, sofre de um vício antigo: a segmentação do noticiário. A cadernização do universo informativo subverte a importância dos fatos. O leitor-torcedor precisa ser tratado como leitor-cidadão. Quando a imprensa entender esta equação, estaremos a caminho de moralizar o futebol.

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Jornalista