Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Folha de S. Paulo

CASO PIMENTA NEVES
Carlos Heitor Cony

Vítimas e assassinos

‘A tese não é nova e foi inventada, se não estou enganado, por juristas italianos, que são cobras em direito penal. No Brasil, ela foi sustentada em alguns casos por Evandro Lins e Silva em seus tempos de glória nos tribunais, tempos que se prolongaram até às vésperas de sua morte, quando defendeu José Rainha e conseguiu sua absolvição.

Trata-se da vitimologia -a teoria de que a vítima, se não é a culpada pelo crime que a matou, foi cúmplice de seu próprio assassinato, fornecendo motivos ao criminoso.

É evidente que há casos e casos. Lembro o do motorista de ônibus que, sem querer, deu uma fechada num carro que ia ao lado. O prejudicado começou a ofender o motorista, postou-se à frente do ônibus e começou a insultá-lo com palavras cada vez mais fortes e letais. O motorista pediu desculpas, buzinou pedindo passagem. Nada. Continuou a receber a enxurrada de insultos. O calor era tremendo, os passageiros reclamavam, o motorista perdeu a paciência, saltou do ônibus com uma barra de ferro e abriu a cabeça do sujeito. Pegou pena leve: caso típico da vítima ter provocado o assassino.

Conversei bastante com Evandro, que escolhi como padrinho quando entrei para a ABL. Ele dizia que o advogado de defesa pode usar todos os recursos para obter a absolvição ou a diminuição da pena de seu cliente. Afinal, não são os advogados que julgam, mas o corpo de jurados, que responde aos quesitos formulados pelo juiz.

No caso do jornalista que matou a namorada em Ibiúna, a tese da vítima ter provocado o crime é mais do que furada. A moça simplesmente não mais queria manter o caso com ele, estava em outra -ou com outro. A prevalecer a tese em todos os casos, quem matou César foi o próprio César. Quem matou Kennedy foi o próprio Kennedy. E quem matou Jesus Cristo foi ele próprio, dando aos seus algozes o motivo.’

André Caramante, Fabio Schivartche, Gilmar Penteado e Mário Rossit

Pimenta Neves é condenado, mas segue solto

‘Depois de um julgamento que durou três dias, o jornalista Antonio Marcos Pimenta Neves, 69, foi condenado ontem a 19 anos, 2 meses e 12 dias de prisão pelo assassinato de sua ex-namorada, a jornalista Sandra Gomide, 32, em agosto de 2000. O juiz determinou que ele recorra da decisão em liberdade até que o caso seja julgado em última instância. Não há data prevista para que isso ocorra.

Pimenta Neves ficou preso por sete meses até 2001, quando uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) concedeu sua liberdade provisória. Foi esse acórdão que o juiz Diego Ferreira Mendes, de Ibiúna -primeira instância da Justiça-, citou ontem para manter o jornalista fora da prisão.

Pimenta Neves recebeu a decisão sem esboçar reação. Mas o resultado revoltou a família de Sandra e as cerca de 200 pessoas que se concentraram perto do fórum. Quando ele deixou o prédio, seu carro foi chutado. Saiu de lá aos gritos de ‘assassino’.

O Ministério Público vai recorrer, pedindo a prisão imediata do jornalista. A defesa não quis falar. O advogado de Pimenta Neves, Carlos Frederico Müller, afirmou que a defesa prepara um recurso, mas não quis revelar qual será a estratégia usada.

Por unanimidade, o júri (quatro mulheres e três homens) responsabilizou Pimenta Neves, que admitiu o crime, pela morte de Sandra -o que gerou a condenação por homicídio doloso (com intenção). A maioria ainda aceitou as duas qualificadoras (agravantes), o que aumentou a pena.

Por cinco votos contra dois, eles acharam que o crime foi cometido por motivo torpe (ciúmes), considerando que o jornalista matou Sandra por não aceitar a recusa dela em reatar o namoro. Por unanimidade, os jurados também entenderam que a vítima não teve chance de defesa.

O júri ainda considerou que o jornalista, na época do crime, não sofria nenhuma perturbação mental que pudesse comprometer parcialmente a consciência de seus atos -argumento da defesa para tentar reduzir a pena.

Por cinco votos contra dois, também rejeitaram a tese de que o jornalista sofria de forte emoção no momento em que a matou.

‘Não contente em disparar arma de fogo de alta destruição contra as costas da vítima, ainda se aproximou, com esta caída ao solo, e realizou um disparo de arma de fogo a, no máximo, 35 centímetros de distância’, diz trecho da decisão de ontem.

Condenado por homicídio qualificado, Pimenta Neves, ex-diretor de redação do jornal ‘O Estado de S.Paulo’, está sujeito à Lei de Crimes Hediondos -que prevê o cumprimento integral da pena em regime fechado.

O juiz, no entanto, afirma que respeitou a decisão do STF -que considerou que ele não oferecia risco à sociedade, tinha residência fixa e era réu primário, sem condenação em última instância.

‘Um juiz de primeira instância não pode reformar uma decisão do STF, sob pena de terminarmos com a segurança jurídica’, disse.

Para o promotor Carlos Horta Filho, a decisão do STF previa que o jornalista deveria ficar livre até que houvesse apenas uma sentença condenatória, sem exigir decisão em última instância.’



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Parentes de Sandra protestam após decisão

‘Familiares e amigos de Sandra Gomide saíram do Fórum de Ibiúna revoltados com a decisão que permitiu a Antonio Marcos Pimenta Neves recorrer em liberdade. Alguns usaram batom para pintar a ponta do nariz de vermelho, protestando contra o que consideram ‘uma palhaçada’.

Uma tia de Sandra, Maria Angélica Gomide, fez a manifestação mais ruidosa, que chegou a silenciar as cerca de 200 pessoas que se aglomeravam na praça em frente ao fórum. Ela gritava: ‘Deus será maior do que isso. E agora, como vou falar para os meus alunos que matar é um crime?’, reagiu.

O pai de Sandra, João Gomide, disse que Pimenta Neves foi beneficiado porque tem boas condições financeiras. ‘Se ele fosse um coitado, sairia preso do fórum após a sentença do juiz.’

A dona do haras que foi palco do crime, Marlei Setti, desceu as escadas do fórum chorando. ‘Estão induzindo as pessoas a fazer justiça com as próprias mãos. Já não sei se ele [Pimenta Neves] vai realmente cumprir a pena.’

Seu marido, Deomar, que foi uma das testemunhas de acusação, afirmou que as leis do Brasil têm de mudar. ‘Se não, valerá a pena matar neste país.’

‘Isso aqui é terra de ninguém. A imparcialidade da Justiça só funciona para o assassino’, disse Regina Leite, cunhada de Sandra.

Amigos e familiares de Pimenta Neves que estavam presentes na leitura da sentença choraram. Nenhum quis dar entrevista.

Corrida

Cinco carros da polícia fizeram a escolta do veículo do advogado de defesa Carlos Frederico Müller, um Toyota Corolla azul, que conduziu Pimenta Neves para São Paulo. Depois que deixou de ser acompanhado pelos policiais, em Vargem Grande Paulista, Müller começou a andar em alta velocidade -em trechos da estrada, ele atingiu mais de 150 km por hora- e a fazer ultrapassagens com o objetivo de despistar os jornalistas, que chegaram a se envolver em dois pequenos acidentes de trânsito.

Pimenta Neves foi levado para o escritório de Müller, de onde saiu às escondidas na noite de ontem. Müller disse que nenhum dos dois se manifestaria sobre o caso, usando o exemplo de Suzane von Richthofen, que teria sido prejudicada após conceder entrevistas. Segundo ele, uma entrevista coletiva será convocada.’



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Definição do tempo de prisão cabe ao juiz

‘No caso de Antonio Pimenta Neves, o júri o condenou por homicídio qualificado, cuja pena varia de 12 a 30 anos de prisão.

O juiz, então, interpretou a resposta dos jurados e, a partir da legislação, fixou o tempo de condenação: 16 anos pelo homicídio doloso, incluindo no cálculo o agravante de impossibilidade de defesa da vítima, e acréscimo de um quinto pelo motivo torpe (ciúme).

Fernando Fernandes, da Associação Internacional de Direito Penal, explica que os magistrados devem levar em consideração o que prevê o Código Penal -como a vida pregressa do réu e atenuantes, como o estado de saúde.’



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Juradas dizem estar frustradas com decisão

‘Dois dos sete jurados ouvidos pela Folha após a divulgação da sentença disseram estar ‘frustrados’ com a decisão que permitiu a Pimenta Neves recorrer em liberdade. ‘Estou frustrada, já que ele cometeu um crime e saiu do tribunal sem estar preso’, afirmou a terapeuta ocupacional Gisele Maria Alves, 35.

Para ela, o assassinato de Sandra Gomide não tem nada de crime passional. ‘Ninguém mata por amor. Para mim foi um crime hediondo’, afirmou. Mas disse não ter ficado convencida de que se tratou de um crime premeditado.

‘Nessa experiência que tive como jurada pude perceber como funciona a Justiça brasileira’, criticou outra jurada do caso, a professora Simone Godinho Rodrigues, 31. Ela diz que os demais jurados também se decepcionaram.

‘Toda a votação [para a condenação] foi 7 a 0. Já as qualificadoras [motivo torpe e sem possibilidade de a vítima se defender] foram 5 a 2. Depois de três dias, houve uma decepção’, afirmou.

Simone também diz duvidar que houve premeditação. ‘A defesa mostrou que ele não estava muito bem antes do crime.’ Os membros do Tribunal do Júri podem se manifestar sobre o processo após a leitura da sentença.’

Luísa Brito e José Ernesto Credendio

Para ex-juiz, réu talvez nunca vá para a cadeia

‘Advogados criminalistas, uma procuradora de Justiça e um ex-juiz ouvidos pela Folha consideraram correta a decisão que permitiu a Pimenta Neves recorrer em liberdade, mesmo condenado a mais de 19 anos de prisão. Mas eles afirmam que, na prática, a sentença pode inviabilizar que ele cumpra pena em regime fechado.

Como a defesa vai apresentar recurso ao Tribunal de Justiça, o novo julgamento deve demorar pelo menos mais dois anos.

‘Até lá, Pimenta terá 70 anos e, se ficar comprovado que está doente, poderá ficar em prisão domiciliar mesmo condenado em definitivo’, afirma o ex-juiz Luiz Flávio Gomes. Para ele, ‘o juiz aplicou a pena corretamente’.

Gomes acompanhou o caso durante seis meses, a pedido da família de Sandra Gomide.

‘A atitude do juiz foi sábia. O acusado só pode ser recolhido quando se encerrarem todas as possibilidades de recurso’, afirma Ademar Gomes, presidente do conselho da Acrimesp (Associação dos Advogados Criminalistas de São Paulo). Segundo ele, o jornalista pode ficar mais dez anos em liberdade, porque cada instância demora cerca de três a cinco anos para julgar um recurso.

Para o criminalista Iberê Bandeira de Melo, ‘o que não é justo, nem para a família da vítima nem para o réu, é a demora no processo’. Segundo ele, se a Justiça entendeu que o jornalista deveria aguardar o julgamento em liberdade, não há por que prendê-lo agora, pois ele ainda pode recorrer da decisão.

‘O que motiva a prisão provisória não é o castigo pelo crime cometido. Isso ainda pode ser discutido em outras instâncias’, explica o advogado Fernando Castelo Branco. No entanto, ele critica a morosidade do Judiciário. ‘A máxima ‘a justiça tarda mas não falha’ é um engodo. A justiça que tarda é falha’, diz.

Confessou o crime

Para a procuradora de Justiça da área criminal Luiza Nagib Eluf, embora seja legal, não seria recomendável manter Pimenta Neves em liberdade. ‘Nesse caso não tem o risco de ele ser inocente e ser absolvido depois. Ele é culpado, confessou o crime, não tem que esperar, tem que prender.’

Segundo a procuradora, não é recomendável manter o réu solto no caso de um crime grave como o homicídio duplamente qualificado. Para ela, a decisão provoca uma ‘sensação de revolta’ na sociedade. ‘A condenação é ineficaz se não gera prisão’, afirma.’



ENTREVISTA / CHICO BUARQUE
Fernando de Barros e Silva

Chico diz que vota em Lula de novo

‘‘É duro jogar na defesa.’ Foi esse o comentário bem-humorado que Chico Buarque fez assim que terminou a primeira parte de uma entrevista feita em dois tempos, no domingo à noite e na segunda-feira à tarde, no seu apartamento no Leblon. O compositor se referia à defesa que acabara de fazer do governo Lula.

Mas Chico Buarque não sabe, não gosta e não joga na defesa. Como no futebol, que, perto de completar 62 anos, em junho próximo, continua praticando três vezes por semana, Chico partiu logo para o ataque. Disse que o escândalo do mensalão o deixou, sim, decepcionado com o governo e é desastroso para o PT. Mas disse com ênfase ainda maior que as críticas da oposição e de parte da mídia a Lula exorbitaram tanto no tom quanto no conteúdo e são, por isso, inaceitáveis.

Mais ainda, Chico vê o recrudescimento do preconceito de classe contra o presidente: ‘Como se fosse uma concessão, deixaram o Lula assumir. ‘Agora sai já daí, vagabundo!’. É como se estivessem despachando um empregado a quem se permitiu esse luxo de ocupar a Casa Grande’, diz Chico.

‘Carioca’, que chega hoje às lojas, está distante oito anos do CD anterior, ‘As Cidades’, de 1998. No meio do caminho, o também escritor lançou o romance ‘Budapeste’ (2003). Depois da Copa, ele deve retornar aos palcos apresentando o novo trabalho pelo país.

Folha – No fim de 2004, em entrevista à Folha, você via uma onda de ódio aos pobres e de ódio a Lula no país. Entre aquele diagnóstico e a situação de hoje houve a crise do mensalão. Você está decepcionado? O que mudou no governo Lula?

Chico Buarque – É claro que esse escândalo abalou o governo, abalou quem votou no Lula, abalou sobretudo o PT. Para o partido o escândalo é desastroso. Espero que disso tudo possa surgir um partido mais correto, menos arrogante. No fundo, sempre existiu no PT a idéia de que você ou é petista ou é um calhorda. Um pouco como o PSDB acha que você ou é tucano ou é burro [risos].

Agora, a crítica que se faz ao PT erra a mão. Não só ao PT, mas principalmente ao Lula. Quando a oposição vem dizer que se trata do governo mais corrupto da história do Brasil, é preciso dizer ‘espera aí’. Quando aquele senador tucano canastrão vai para a tribuna do Senado dizer que vai bater no Lula, dar porrada, quando chamam o Lula de vagabundo, de ignorante, aí estão errando muito a mão. Governo mais corrupto da história? Onde está o corruptômetro? É preciso investigar. Tem que punir, sim. Mas vamos entender melhor as coisas.

Folha – Como assim?

Chico – Pergunte a qualquer pequeno empresário como faz para levar adiante seu negócio. Ele é tentado o tempo todo a molhar a mão do fiscal para não se estrepar. O mesmo vale para o guarda de trânsito. E assim sucessivamente. A gente sabe que a corrupção no Brasil está em toda a parte. E vem agora esse pessoal do PFL, justamente eles, fazer cara de ofendido, de indignado. Não vão me comover. Eles fazem o papel da oposição, está certo. O PT também fez o ‘Fora FHC’, uma besteira.

Mas o preconceito de classe contra o Lula continua existindo -e em graus até mais elevados. A maneira como ele é insultado eu nunca vi igual. Acaba inclusive sendo contraproducente. O sujeito mais humilde ouve e pensa: ‘Que história é essa de burro!? De ignorante!? De imbecil!?’. Não me lembro de ninguém falar coisas assim antes, nem com o Collor. Vagabundo! Ladrão! Assassino! -até assassino eu já ouvi.

Fizeram o diabo para impedir que o Lula fosse presidente. Inventaram plebiscito, mudaram a duração do mandato, criaram a reeleição. Finalmente, como se fosse uma concessão, deixaram o Lula assumir. ‘Agora sai já daí, vagabundo!’ É como se estivessem despachando um empregado a quem se permitiu esse luxo de ocupar a Casa Grande. ‘Agora volta pra senzala!’ Eu não gostaria que fosse assim.

Folha – Você acredita que o Lula seja de fato visto como uma ameaça pelos mais ricos?

Chico – A economia, na verdade, não vai mudar se o presidente for um tucano. A coisa está tão atada que honestamente não vejo muita diferença entre um próximo governo Lula e um governo da oposição. Mas o país deu um passo importante elegendo o Lula. Considero deseducativo o discurso em voga: ‘Tão cedo esse caras não voltam, eles não sabem fazer, não são preparados, não são poliglotas’. Acho tudo isso muito grave.

Folha – Você vai votar no Lula?

Chico – Hoje eu voto no Lula. Vou votar no Alckmin? Não vou. Acredito que, apesar de a economia estar atada como está, ainda há uma margem para investir no social que o Lula tem mais condições de atender. Vai ficar devendo, claro. Já está devendo. Precisa ser cobrado. Ele dizia isso: ‘Quero ser cobrado, vocês precisam me cobrar, não quero ficar lá cercado de puxa-sacos’. Ouvi isso dele na última vez que o vi, antes de ele tomar posse, num encontro aqui no Rio.

Folha – Vários artistas andaram criticando o PT, o governo e Lula. O meio artístico, ao que parece, não vai mais embarcar no ‘Lula lá’.

Chico – Pelo que eu ando lendo, a grande maioria dos artistas está contra o Lula. Tenho a missão de contrabalançar um pouco isso [risos]. Há também entre os artistas um pouco daquela competição: quem vai falar mais mal do presidente? Mas concordo em parte com o Caetano. Em parte.

Quando ele fala que as pessoas do atual governo se cercam da aura de esquerda para justificar seus atos e reivindicar para si uma posição superior à dos demais, tudo isso também vale para o governo anterior. Os tucanos costumam carregar essa aura de esquerda com muito zelo. Volta e meia os vemos dizendo que foram contra a ditadura, que são intelectuais de esquerda. Fernando Henrique foi eleito como candidato de centro-esquerda. Na época a vice entregue ao PFL parecia algo estranho. Depois se provou que não era.

As pessoas se servem do passado de esquerda como se fosse um título, um adorno. Na prática política essa identidade não funciona mais. Mas não funciona não só porque as pessoas viraram casaca. A história levou para isso. Levou o PSDB a se tornar o que é e obrigou o PT a abdicar de qualquer veleidade socialista ou revolucionária.

Folha – O que você acha do PSOL e dessa turma que deixou o PT fazendo críticas pela esquerda?

Chico – Percebo nesses grupos um rancor que é próprio dos ex: ex-petista, ex-comunista, ex-tudo. Não gosto disso, dessa gente que está muito próxima do fanatismo, que parece pertencer a uma tribo e que quando rompe sai cuspindo fogo. Eleitoralmente, se eles crescerem, vão crescer para cima do PT e eventualmente ajudar o adversário do Lula.

Folha – Como você vê a atuação da mídia no escândalo do mensalão? Tem gente que ainda diz que a mídia criou ou inventou essa crise.

Chico – Não acho que a mídia tenha inventado a crise. Mas a mídia ecoa muito mais o mensalão do que fazia com aquelas histórias do Fernando Henrique, a compra de votos, as privatizações. O Fernando Henrique sempre teve uma defesa sólida na mídia, colunistas chapa-branca dispostos a defendê-lo. O Lula não tem. Pelo contrário, é concurso de porrada para ver quem bate mais.

Folha – O rumo que tomou o Brasil e o mundo o faz se sentir derrotado? A sua geração perdeu?

Chico – É evidente que parte da minha geração que chegou ao poder não lutou a vida inteira para isso. Eu vou dizer: até mesmo pessoas que hoje são execradas publicamente, como o Zé Dirceu…

Não tenho maior simpatia pelo Zé Dirceu, não assinei manifesto em defesa dele, acho que ele errou, que ele tem culpa, sim, por tudo o que aconteceu, mas eu respeito uma pessoa que num determinado momento entregou a sua vida, jogou tudo o que tinha em nome de uma causa, do país.

Como o Zé Dirceu eu poderia citar outros nomes que chegaram ao poder, mas chegaram despidos daquele sonho em nome do qual eles lutaram a vida toda. Quem sabe para chegar ao poder tiveram justamente que se render ao pragmatismo. A pessoa que chega ao poder é um pouco um fantasma daquela que deu a vida por algo que não se realizou.

Folha – O público mais jovem tem interesse pelo que você e sua geração fazem hoje? O que mudou na recepção do seu trabalho?

Chico – Mudou muita coisa. Para as pessoas mais velhas, as músicas costumam ter história, lastro, estão ligadas à vida de cada um ou relacionadas a momentos do país. É comum ouvir ‘isso me lembra as Diretas-Já, isso me lembra Geisel, isso me lembra o Festival da Record’. Para a garotada não há nada disso. Para eles sou músico de um passado só. Outro dia um jovem me disse: ‘Adoro aquela sua música’. ‘Qual?’, perguntei: ‘Com Açúcar, com Afeto’ [risos]. A música tem 40 anos!.

Folha – É uma jovem senhora, mas ainda chama a atenção.

Chico – Isso na verdade é cíclico. Nos anos 80, em determinado momento que uma parte expressiva da mídia flertou com muito entusiasmo com uma certa idéia de internacionalização da cultura e de desbunde com o mercado, parecia que a música da gente já era. Nacional, só rock e olhe lá. Eu fui considerado completamente ultrapassado. Depois voltou. Daqui a pouco pode ser que não interesse mais. A gente continua fazendo -existe uma teimosia aí. E também, a essa altura, uma natural despreocupação com o sucesso imediato. Mesmo porque o sucesso imediato não acontece.

Folha – Você considera que o novo CD exige uma digestão mais lenta?

Chico – Você e outros comentaram que, a exemplo do anterior, o disco não é fácil de se gostar na primeira audição. Talvez não seja mesmo. Eu aposto um pouquinho no fato de que a pessoa vá ouvir várias vezes.

É difícil no meu caso ter uma música que seja um grande sucesso, que toque no rádio -eu não conto com isso. Não estou preocupado em fazer, como diziam os italianos, uma música ‘orecciabile’, ‘orelhável’. No final dos anos 60, quando morei em Roma, eles queriam que eu fizesse outra música como ‘A Banda’, ‘orecciabile’. E eu acabei não fazendo outras músicas ‘orelháveis’, frustrando muitas expectativas. Hoje não existe nenhuma expectativa, nem minha nem de ninguém, de que eu precise ou vá compor uma música ‘orecciabile’.

É natural que haja um tempo maior e um apuro maior, não apenas no processo de composição mas também no trabalho de estúdio, durante os arranjos, as gravações. É sem dúvida um trabalho mais sério, mais cuidado do que era há anos atrás. Não quero dizer que isso resulte numa música ‘impopular’ de propósito, uma música sofisticada demais -não acho isso-, mas é uma música que não tem compromisso com o sucesso. Isso talvez a torne mais longeva.

Folha – Você transmite a sensação de que gostaria de ver seu trabalho melhor compreendido.

Chico – Sei que é difícil falar do disco. Até para mim é difícil. Em jornal, crítico de música geralmente é crítico de letra. É compreensível que seja assim -a letra vai impressa, o crítico destaca este ou aquele trecho. Funciona assim. Eu cada vez mais dou importância à música e tenho vontade de dizer: ‘Olha, só fiz essa letra porque essa música pedia. Isso não é poesia, é canção’. Enfim, fico um pouquinho chateado com essas coisas, mas sei que é difícil. Como é que vai imprimir uma partitura no jornal e explicar aos leitores?

Folha – Você volta a fazer shows?

Chico – Tenho vontade de fazer, sim. Depois da gravação, do convívio com os músicos no estúdio essa vontade aparece. É o passo seguinte, de certa forma natural. Vamos ver depois da Copa.

Folha – Você acaba de gravar 12 programas dirigidos por Roberto de Oliveira, que mesclam entrevistas inéditas e imagens de arquivo cobrindo praticamente toda a sua carreira. Chama a atenção a maneira desinibida com que você acabou passando a limpo a sua trajetória. O que o levou a fazer esse balanço?

Chico – O Roberto foi me engabelando [risos]. A idéia inicial eram dois ou três programas. Achei que a proposta de recuperar imagens de arquivo que de outra forma ficariam perdidas justificava o trabalho. Mas só fazia sentido se isso viesse acompanhado de algo mais.

Folha – Esses documentários dos anos 70 e 80 que os programas recuperam chamam atenção pelo despojamento, pelo ambiente caseiro, de ensaios descontraídos. Vivia-se em outro planeta, não?

Chico – Fiquei muito tempo fora da Globo durante a ditadura, primeiro porque eles me vetaram, depois, quando me chamaram, porque eu não queria. Esses programas eram um contraponto à programação e à estética da Globo. Mostravam os artistas gravando, bebendo, era uma coisa meio mal-acabada, meio alternativa. Alguns discos, não apenas os meus, também tinham esse clima.

Era uma bagunça. Ouvindo hoje a gente tem a sensação de que o cantor bebeu, o maestro fumou e o produtor cheirou, não necessariamente nessa ordem [risos].

Era muita loucura, o estúdio cheio de gente, garrafas pelo chão, uma festa. Hoje você entra num estúdio e é aquela coisa ascética. Parece um hospital. Não se come, não se bebe, não se fuma, não se faz nada ali dentro.

Naquela época havia um certo valor nessa transgressão, nesse desregramento. Você ia gravar daquele jeito, todos no estúdio estavam daquele jeito e provavelmente quem ia ouvir os discos também estava daquele jeito. Não deixava de ser uma maneira de enfrentar e suportar a repressão. Hoje não faria nenhum sentido gravar naquelas condições.

Folha – Era uma época mais simpática?

Chico – Não acho nada simpática. Não dá para abstrair a ditadura. Uma coisa é Maio de 68 na França. Outra, completamente distinta, o nosso dezembro de 68.’



FRANKLIN DEMITIDO
Daniel Castro

Franklin Martins volta de férias e deixa a TV Globo

‘Ex-comentarista de política do ‘Jornal Nacional’, o jornalista Franklin Martins deixou ontem a TV Globo e a Globo News. Franklin já estava fora do ar, de férias. Ao voltar, foi informado de que seu contrato não será renovado.

A Folha apurou que o jornalista estava descontente com a Globo desde que a emissora decidiu não ter mais comentaristas no ‘JN’, em janeiro. A direção de jornalismo da Globo, por sua vez, também estava insatisfeita. Recentemente, Franklin foi acusado por Diogo Mainardi, colunista da revista ‘Veja’, de ter parentes empregados no governo federal.

O jornalista, que diz ter ‘boas recordações’ do tempo em que trabalhou na emissora, afirmou ter indagado a direção da Globo sobre se sua saída teve relação com as críticas de Mainardi. A resposta, diz ele, foi negativa.’



TELEVISÃO
Daniel Castro

Record avança e pode ser vice em 2006

‘A Record está hoje a apenas dois pontos no Ibope de se tornar o novo vice-líder diário de audiência, ‘título’ que o SBT ostentou nas últimas duas décadas. Se mantiver o ritmo de crescimento, e o SBT não reagir, a Record vai passar a rede de Silvio Santos no ranking da Grande São Paulo antes do final deste ano.

A audiência diária (7h/24h) da Record cresceu 16% nos primeiros quatro meses de 2006 em relação ao mesmo período de 2005. Enquanto isso, o SBT caiu 14%.

O SBT tinha no primeiro quadrimestre do ano passado uma vantagem de quatro pontos sobre a Record (9,2 a 5,2 pontos). Neste ano, essa superioridade foi reduzida a apenas 1,9 ponto (7,9 a 6).

Subsidiada pela Igreja Universal _que investe nela entre R$ 250 milhões (dado oficial) e R$ 500 milhões por ano_, a Record já passou o SBT na audiência do horário nobre (18h/24h) no início de 2006. No primeiro quadrimestre, a Record bateu o SBT por 9,2 pontos a 8,8 no principal horário da TV. Há um ano, o placar era de 10,5 a 7,9 a favor do SBT.

A Record também tira público do SBT nas faixas vespertina e matinal (esta última até recentemente ponto forte do SBT). Há um ano, o SBT tinha três vezes a audiência da Record entre 7h e 12h. Agora, tem ‘só’ o dobro. Ontem, a Record deixou o SBT para trás e chegou a superar a Globo com um jogo de futebol entre artistas no matinal ‘Hoje em Dia’.

OUTRO CANAL

Farol Assessores do ministro das Comunicações, Hélio Costa, estão esperançosos de que o presidente Lula esteja prestes a anunciar o padrão de modulação de TV digital a ser adotado no país. Na semana que vem, Lula terá encontro com os donos de TV.

Sabedoria Silvio Santos dá sinais de que finalmente descobriu que competir com novelas das oito da Globo é arriscado demais. Tanto que ‘Cristal’, atual produção do SBT, deverá ser exibida às 19h, e não às 20h30 _horário ‘tradicional’ das novelas próprias da emissora. Assim como a Record, o SBT tentará tirar proveito da vulnerabilidade da Globo às 19h.

Contracorrente O SBT também não irá esperar a Copa do Mundo acabar para estrear ‘Cristal’. Ontem, anunciou que a novela entrará no ar no próximo dia 5.

Passaporte 1 O cineasta e diretor de TV Luiz Fernando Carvalho vai na semana que vem apresentar a microssérie ‘Hoje É Dia de Maria’ no Input, fórum mundial de TVs públicas, em Taiwan.

Passaporte 2 Segundo a Globo, é a primeira vez que uma emissora comercial é convidada para participar do Input _que tem o objetivo justamente de promover a produção de TVs públicas em oposição à programação comercial.’



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O Estado de S. Paulo – 1

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