Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Fúnebre ética jornalística

Qual é o limite entre um jornalismo ético e a manipulação da verdade? Mesmo que não deixe de ser a verdade, o que é verídico pode ser maquiado e faz-se entender, literalmente, o que não é.

A edição do dia 30 de maio de 2011 da revista Época traz na matéria da capa informações sobre o estado de saúde da presidenta Dilma Rousseff, baseadas em laudo médico a que o veículo alega ter tido acesso. Vem ilustrada com uma foto da própria presidenta que, no mínimo, pode ser descrita como mórbida – ela está com os olhos fechados em um fundo preto, como se estivesse morta em um caixão. A chamada diz que o seu estado de saúde ainda exige cuidados e, ao ler a matéria, podemos concluir que Dilma “vai de mal a pior”.

O referido laudo médico, feito por profissionais respeitados na área e baseado em uma série de exames feitos por Dilma, garante que a broncopneumonia que a levou ao hospital Sírio-Libanês no dia 30 de abril de 2011 está totalmente curada. “Do ponto de vista médico, neste momento a sra. presidenta apresenta ótimo estado de saúde”, foram as palavras utilizadas pelos médicos.

Um veículo midiático jornalístico tem como sua maior obrigação veicular informações verídicas de interesse público e ser pautado em um discurso ético. Não seria necessário citar as informações errôneas para questionar a ética da revista em questão. A foto utilizada na capa nos remete à ideia de morte e nos leva a crer que Dilma Rousseff está “com o pé na cova”.

“Esse show tem que parar”

A matéria não causou revolta apenas no meio jornalístico. O deputado Brizola Neto publicou, em seu blog Tijolaço: “Essa é a `ética´ dos nossos grandes meios de comunicação. Não precisam de fatos, basta construírem versões, erguendo grandes mentiras sobre minúsculas verdades.”

A Época é um veículo direcionado a todas as classes e desdenha a capacidade de apuração de todos os brasileiros. Muito além das consequências políticas, fere a ética jornalística. Utiliza informações verídicas e uma fotografia que não foi modificada com finalidades empresariais, criando um contexto melodramático e exagerado. Não respeita o direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem da cidadã Dilma Rousseff. Não respeita o direito à informação verídica e apurada de todo cidadão. Não edifica sua conduta dentro dos valores humanos.

É inconcebível que um veículo de tão grande acesso crie um espetáculo se aproveitando dos problemas pessoais de uma figura pública. Como disse a jornalista Conceição Lemes, do jornal Planeta Osasco, “o nosso compromisso de jornalistas é com a informação ética. O do médico é única e exclusivamente com o seu paciente, famoso ou anônimo. Hospital não é palco, doença não é espetáculo midiático nem paciente, escada. Esse show tem que parar”.