Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Imprensa abre jogo e rasga a fantasia

Vejam as manchetes desta quinta-feira, 9 de setembro de 2010, nos três principais jornais do país.


** Folha de S. Paulo – ‘Escândalo da Receita – Investigada consultou dados do genro de Serra’


** O Estado de S. Paulo – ‘Genro de Serra teve sigilo fiscal violado’


** O Globo – ‘Serra reage e diz que Lula serve à estratégia ‘caixa-preta’ do PT’


Parece uma gincana, não há outro assunto no mundo. É como se todos os jornais tivessem o mesmo pauteiro e o mesmo editor. Embora se refira a casos de violação fiscal ocorridos no ano passado, a notícia é requentada dia a dia com algum ’fato novo’ que justifique a manutenção da rubrica ‘escândalo da receita’.


Até algumas semanas atrás, antes da disparada da candidata Dilma Roussef fem todas as pesquisas, abrindo larga vantagem sobre José Serra, que chega a 33 pontos no último tracking do Vox Populi/Band/iG, a nossa velha mídia ainda procurava, de alguma forma, manter as aparências de neutralidade com aquela história de jornalismo ‘isento’, ‘apartidário’, ‘independente’.


Agora, que parece não ter mais jeito de virar o placar nas pesquisas com bom-mocismo, resolveram abrir o jogo e rasgar a fantasia, sem nenhum pudor. Das manchetes ao noticiário, passando pelos editoriais e colunas, a ordem é desconstruir a pessoa e a candidatura de Dilma, e bater sem piedade no governo Lula.


Quem mesmo?


Aonde querem chegar? Quem eles ainda pensam que enganam? A julgar pela maioria dos comentários publicados neste Balaio, leitores e telespectadores já estão vacinados, sabem quem é quem e o que está em jogo.


Como os números das pesquisas não reagem às doses cavalares de fatos negativos, apesar de o país da mídia viver uma interminável crise do fim do mundo, só posso acreditar que se trata de uma estratégia Jim Jones. Bater em Dilma e no PT, tudo bem, estão todos de acordo. Só não descobriram ainda como alavancar a campanha da oposição. Promovem debates e sabatinas quase todo dia para dar uma força, mas até agora não teve jeito.


Um forasteiro que tenha chegado ao Brasil esta semana, e procurasse saber pelos jornais e no Jornal Nacional da TV Globo o que está acontecendo por aqui, a 24 dias da eleição presidencial, poderia imaginar que desembarcou no país errado, em algum lugar estranho e perigoso, na região mais pobre e menos democrática do continente africano.


Sob o título ‘O país de Lula: esgoto em baixa, consumo em alta’, o jornal O Globo, que se supera a cada dia, pinça números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad 2009), divulgada esta semana pelo IBGE, para concluir na chamada de capa: ‘O desemprego subiu na crise, mas o brasileiro comprou mais DVDs e máquinas de lavar’.


Sem explicar como um país de desempregados investe em eletrodomésticos, o jornal esqueceu de dizer que os empregos perdidos na crise do ano passado já foram recuperados, com folga, em 2010 – o que explica a teimosia das pesquisas em manter os índices de aprovação do governo Lula em torno de 80%.


Para publicar o título ‘O presidente Lula passou dos limites’, com direito a chamada na capa, o venerando Estadão, por sua vez, redescobriu o cientista político José Álvaro Moisés, tão conhecido que se viu obrigado a publicar uma nota ‘Quem é’ para o leitor saber de quem se trata. Entre seus títulos acadêmicos e experiências em ‘teoria democrática e comportamento político’, porém, o jornal só omitiu o fato de que o professor e cientista Moisés foi subministro da Cultura no governo Fernando Henrique Cardoso.


Direito à informação


Já a Folha, que resolveu publicar um caderno especial de eleições a partir desta semana, entre tentativas de fazer humor político misturado com jornalismo sério, tem se dedicado a investigar o passado da ex-ministra Dilma Rousseff, desde os seus antepassados búlgaros, que ela nem conheceu. Até agora, estranhamente, não se interessou em fazer matérias sobre o passado dos outros candidatos, como se todo mundo tivesse a obrigação de já conhecer as histórias deles.


Critérios são critérios, eles dirão, ninguém tem nada com isso. A liberdade de imprensa deles, aquela que defendem com tanto fervor, está acima de tudo – dos fatos, das leis, da isonomia e do direito da sociedade de ser informada com um mínimo de honestidade sobre o que está acontecendo.

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Jornalista