Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Imprensa argentina, tradição e renovação

O Observatório da Imprensa exibido na terça-feira (4/11) pela TV Brasil e pela TV Cultura veiculou o terceiro e último programa da série de especiais gravados em Buenos Aires. Nesta edição, o jornalista Alberto Dines entrevistou alguns dos profissionais que fizeram e fazem a história da mídia argentina: Ricardo Roa, editor-adjunto do Clarín; Jorge Lanata, diretor do diário Crítica; Jorge Fontevecchia, presidente do Grupo Perfil; Horárcio Verbitsky, colunista de política do Página 12; e Gonzalo Carbajal, gerente da área de comunicação audiovisual da Agência de Notícias da República Argentina (Telam) . Estiveram em pauta o passado e o presente dos meios de comunicação argentinos, a relação dos governos pós-ditadura com a imprensa e o futuro dos jornais impressos frente às novas tecnologias da informação.


Horácio Verbistky avaliou que esta não é a melhor fase da imprensa argentina, mas que a situação é melhor que em outros momentos. Entre as décadas de 1930 e 1990, o país sofreu pelo menos um golpe militar a cada dez anos. ‘A imprensa argentina teve um comportamento absolutamente vergonhoso durante a ditadura militar’, criticou. Dines questionou se não houve exceções neste quadro e Verbitsky afirmou que as poucas tentativas de confrontar o governo foram duramente repreendidas. ‘Há uma centena de jornalistas que desapareceram durante a ditadura’, lembrou.


Os períodos civis entre os golpes eram vistos como meros intervalos à espera de outra tomada de poder. ‘O jornalismo era, nas melhor das hipóteses, cauteloso. Na pior, cúmplice’, disse Verbitsky. Após o fim da ditadura argentina, em meados da década de 1980, começaram a surgir iniciativas arejar a imprensa. Um exemplo foi a criação do diário Página12, em 1987, do qual Verbistsky é fundador. ‘Aí, sim, ocorreu uma grande renovação e houve vários anos de um jornalismo investigativo, político, comprometido com os direitos humanos, saudável’, explicou o jornalista.


Para Ricardo Roa, a Argentina passa por um momento de transição. Durante a década de 1990, a mídia conheceu um clima de liberdade, mas viveu altos e baixos. Como exemplo de bons momentos, o editor-adjunto de Clarín citou a renovação do parque tecnológico – que foi possível com a paridade entre o peso e o dólar. Mas as crises econômicas de 2000 e 2001, que abalaram o setor financeiro dos meios de comunicação, ainda afetam o desempenho da imprensa. ‘Depois da crise veio um momento extraordinariamente difícil, do qual não saímos totalmente. Mas estamos infinitamente melhor’, analisou Roa.


A revolução do Página12


Dines perguntou a Ricardo Roa se jornais com formato pouco convencional afetam as vendas dos ‘jornalões’. O editor avaliou que o lançamento desses periódicos não ‘mudou o mapa’ da mídia argentina. Apesar de ter alcançado boa circulação nos primeiros anos, Página 12 não trouxe mudanças significativas para as vendas dos jornais tradicionias. Mesmo publicando uma visão mais ‘fresca e menos estruturada’ das notícias, Crítica, lançado há oito meses, e Perfil, que circula desde 2005, também não alteraram a vendagem. Para Roa, os jornais que ‘fazem a agenda e são os jornais de referência’ continuam sendo os mais tradicionais.


Os jornalistas argentinos, segundo Jorge Lanata, têm uma visão crítica sobre seu desempenho. ‘O jornalismo está muito mal na Argentina. É chato e mal escrito’, avaliou. Lanata comentou que a criação do Página12 inaugurou um estilo de jornalismo ‘bem-humorado’, mas que as inovações ficaram restritas ao formato. Para Lanata, é preciso escrever bem não apenas por uma questão estética. ‘Uma nota mal escrita não se entende’, disse.


Jorge Fontevecchia estabeleceu comparações entre a imprensa argentina e a brasileira. O editor de Perfil ressaltou que as diferentes geografias dos países determinaram a forma com a mídia se desenvolveu. No Brasil, as revistas têm maior influência do que os jornais. As dimensões continentais e o sistema federativo fazem com que mesmo os grandes jornais sejam lidos apenas nos estados onde são publicados. Já as revistas brasileiras circulam em todo o país. Na Argentina, a situação é inversa: ‘Os jornais de Buenos Aires são os jornais de todo o país’. Outra diferença apontada foi a influência da televisão: ‘A Argentina é um país jornaleiro, menos televisivo que o Brasil. O peso que a TV Globo tem no Brasil, aqui nenhuma cadeia de televisão tem. E o peso que os jornais têm na Argentina, no Brasil não tem igual’.


Na Argentina, apenas os meios públicos oferecem espaço para análise do desempenho da imprensa. Gonzalo Carbajal, da Telam, criticou o ‘cerco informativo’ da mídia comercial e citou como exemplo a discussão sobre a nova Lei de Radiodifusão do país. A legislação atual é herança do período ditatorial. A nova proposta prevê uma mídia mais democrática, com regras que limitem os monopólios, diminuam a concentração e fomentem a produção regional. ‘A discussão só foi possível em ambientes fechados como universidades, representações sociais e partidos políticos. Nunca no grande espaço de debate que é o espaço midiático’, lamentou.


Lanata considera imprescindível a participação do Estado na mídia, mas ressaltou que as empresas públicas precisam ser competitivas. E não devem ser comandadas por governos, mas pelo Parlamento e pela sociedade. O editor de Crítica questionou o porquê de os meios públicos não receberem verbas publicitárias. ‘São meios que não estão planejados como um canal privado e creio que têm que ser comandados como um meio privado, mesmo sendo estatal’, avaliou.


Governo vs. mídia


Durante a presidência de Carlos Menem (1989-1999), a relação da cúpula da Casa Rosada com a mídia também conflituosa. O ex-presidente moveu processos milionários, em dólares, contra a Editora Perfil, por exemplo. ‘Se você viesse à Argentina na década de 1990, você teria dito: `Perfil e suas publicações são opositoras a Menem´. Hoje, Menem vê as revistas e o jornal Perfil com alegria porque percebe que fazemos o mesmo com Kirchner’, explicou Jorge Fontevecchia. O editor ressaltou que a empresa não faz oposição, e sim ‘jornalismo puro’. Mantém uma postura crítica em relação a todos os governos.


A presidente Cristina Kirchner e seu marido, o ex-presidente Néstor Kirchner, nunca tiveram boas relações com a imprensa. Durante a crise dos produtores rurais, ocorrida ao longo de 2008, a situação se agravou. O casal acusa a mídia de exagerar os fatos. ‘Este governo, lamentavelmente, não entende qual é a função da imprensa. Não está no seu DNA entender que os jornalistas e a mídia não estão aqui para dar a notícia que eles querem que nós demos’, criticou Ricardo Roa.


Para editor-adjunto do Clarín, o casal Kirchner tende a interpretar o trabalho da imprensa como uma campanha contra o governo. Hoje, o jornal vive um momento ‘tranqüilo’ em relação à Presidência, mas Roa acredita que em outros confrontos poderão ocorrer. Gonzalo Carbajal explicou que na Argentina há meios de comunicação que formam grandes indústrias de multimeios, como o Grupo Clarín. Quando o governo põe em discussão a concentração de propriedade, a mídia ataca o casal Kirchner e este reage com novos ataques à imprensa.


Jorge Lanata não teme que Crítica seja tachado de ‘anti-Kirchner’ pelas reportagens investigativas que publica. O jornalista contou que muitas das fontes do jornal pertencem aos quadros do governo e, quando estes disputam poder entre si, acabam repassando notícias à imprensa. ‘Eu sempre tento diferenciar a informação e a opinião. A informação não é de direita nem de esquerda. A informação é informação. Os fatos não são políticos, produzem política’, explicou. Lanata frisou que no time de colunistas fixos de Crítica há profissionais de várias correntes ideológicas.


A polarização entre governo e meios de comunicação não ocorre só na Argentina, na opinião de Horácio Verbitsky. Em outros países da América Latina – como Venezuela, Bolívia e Equador – a mídia também vive em conflito com o poder. Os veículos se comportam de forma parcial, militante e agressiva com ‘governos que encarnam um processo de transformação’ na América do Sul. ‘A imprensa é muito representativa de interesses políticos econômicos. E os governos reagem com agressividade, cometem erros neste sentido’, disse Verbitsky.


O jornalista destacou que Clarín e La Nación têm ligações com setores agropecuários e, por isso, a neutralidade dos jornais na cobertura da greve dos produtores rurais pode ser questionada: ‘Há um conflito de interesses claríssimo, mas isto não desculpa o governo quando responde de forma intempestiva agredindo a um jornalista verbalmente’. Para Verbitsky, no entanto, não se pode deixar de reconhecer o direito de um presidente de discutir uma informação.


Gonzalo Carbajal comentou que no decorrer dos conflitos entre governo e mídia, o casal Kirchner tentou fortalecer os meios públicos. A presidência argentina investiu na Rádio Nacional, no Canal 7 e na Telam para que a cobertura estatal alcance 100% da população. O jornalista ressaltou que, na Argentina, as minorias encontram mais espaço nos meios públicos do que nos comerciais. ‘Nos meios comerciais, em geral as minorias não costumam estar presentes. Nem para falar, nem para contar suas coisas, nem para ser objeto de informação’, observou.


Jorge Lanata também criticou a concentração da mídia na Argentina: ‘É ruim que em uma mesma cidade uma pessoa tenha um jornal, um canal e uma rádio’. Lanata defendeu a regulamentação do Estado para evitar o monopólio da informação, um direito público, mas ressaltou que os canais públicos têm que ser competitivos: ‘Os meios do Estado têm que ser bons e, em geral, são ruins. São meios que não competem, são meios que não recebem publicidade. Está errado. Por que não recebem publicidade? São meios que não estão planejados como um canal privado. Tem que comandá-los como se fossem um canal privado’.


O futuro dos jornais impressos


Outro tema discutido no programa foi o impacto das novas tecnologias da informação na circulação dos periódicos em papel. Dines questionou quanto tempo os jornais impressos ainda podem resistir. Jorge Lanata ponderou que ‘os tempos não são tão rápidos quanto se acredita’. Enquanto no hemisfério Norte cerca de 80% da população já dispõe de acesso à internet, no Sul, o número gira em torno de 30%. Por isso, abaixo da linha do Equador, os jornais impressos circularão por mais tempo.


Lanata afirmou que Crítica é um jornal só, mas que sai em dois suportes. O diário está investindo no jornal impresso e no site com a mesma intensidade. ‘Em algum momento vai haver um salto, o papel vai desaparecer. Além do mais, compensaria que o jornal deixasse de sair em papel, pois o papel é 40% do custo do jornal e na internet é de graça. O problema é que a publicidade que custeia o jornal em papel ainda não está na internet’, disse.


Lanata acredita que hoje imprime-se em papel porque o ‘poder’ ainda lê os jornais. E os jornais têm mais influência no ‘poder’ do que a televisão, o rádio ou a internet. ‘É um argumento a favor do papel. Existem pessoas que gostam do papel. É um hábito físico, algo que é impossível na internet. No papel pode-se ler texto grandes; na internet, não. Você pode segurar um jornal, a internet não. É diferente, é tátil’, justificou.


Perfil foi planejado para circular somente aos domingos, mas passou a ser publicado também aos sábados. A todo momento a página do jornal na web é atualizada com notícias e vídeos. Fontevecchia comparou os jornais aos supermercados: perdem dinheiro durante a semana e lucram no final de semana. ‘A tendência dos jornais é sair em papel sexta-feira, sábado e domingo e na internet, de segunda a quinta-feira.’


Fontevecchia relembrou que na última reunião da World Association of Newspaper (WAN), um editor de jornal levantou a hipótese de se publicar um jornal gratuito ‘só com as informações mínimas’, de segunda a quinta, e um mais caro e pesado aos sábados e domingos. ‘Eu tenho um amigo muito engraçado, jornalista, que diz que os jornais deveriam aparecer só quando existem fatos, acontecimentos. Por que têm que aparecer todos os dias?’, questionou. Para Fontevecchia, a realidade mostra que ‘as pessoas lêem quando querem ler e não quando você quer produzir’. Nos fins de semana, os leitores dedicam mais tempo ao jornal impresso.


O avanço da internet não ameaça o futuro dos jornais impressos, na avaliação de Ricardo Roa. O Clarín tem mais leitores na web do que na versão em papel, mesmo sendo o periódico de maior circulação na Argentina. Mas o perfil dos leitores é diferente. Lêem as últimas notícias e permanecem pouco tempo no site. Os dados da empresa comprovam que nos dias em que a circulação impressa é maior – aos sábados e domingos – o jornal online é menos acessado.


Cada vez mais empresas jornalísticas disponibilizam notícias via celular. Dines perguntou a Roa como seria possível, por exemplo, formar opiniões políticas no pequeno espaço da tela dos telefones. ‘Isto é uma tecnologia que chegou para ficar. Nós temos o desafio de deixar de ser papel para sermos multimídia. Somos uma fábrica de notícias, podemos fabricar notícias para usar em qualquer plataforma. Em papel, internet ou celular.’ Roa ressaltou que não se pode alterar os hábitos da população: ‘Se as pessoas decidem falar por telefone e ler por telefone, temos que aceitar. Eu também gosto de ler em papel, gosto de ler livros. Mas isso nós não podemos decidir’, afirmou.


 

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Jornalista