Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Imprensa do ‘sim, senhor!’

O jornalista Mozahir Salomão deu mostras de um trabalho sério e concentrado para deslindar – numa entrevista com o subsecretário de Comunicação de Minas Gerais, Eduardo Guedes [remissão abaixo] – a questão das denúncias de censura e/ou pressões sobre as redações dos jornais e demissões de jornalistas por obra do governo Aécio Neves.

Já o secretário cumpriu seu papel, defendendo o governo com máximo empenho e energia. Não podia ser de outra forma. Ele tem mesmo que mostrar serviço ocupando o posto delicado como é… (hoje) o seu! Fez tão bem seu papel que passou até a impressão de acreditar no que disse… É um direito dele. Não nos cabe entrar nesta seara.

Vamos cuidar da nossa, ou seja, daqueles que pensam que o secretário, na ânsia de defender o governo das acusações graves que o envolvem, pressionando os órgãos da imprensa em Minas Gerais, respondeu jogando para a platéia, abrindo demasiado a guarda e errando feio. Cometeu um pecado grave, como veremos, contra o princípio declarado pelo avô do governador, Tancredo Neves: o compromisso de Minas é com a liberdade!

Monopólio da coerção

O que corre solto mesmo é o que Mozahir Salomão disse ao secretário: o governo Aécio, apoiado, sobretudo, pela irmã, Andréa Neves, tem rondado as redações dos órgãos da imprensa, pressionando-os até o ponto de provocar a demissão de jornalistas.

O secretário respondeu que não tem nada disso e chegou a desafiar que lhe provem o contrário. ‘Nenhuma autoridade, em momento nenhum, pediu a cabeça de jornalista algum na gestão Aécio Neves. E desafio qualquer desses profissionais que foram mandados embora a provar que uma autoridade do governo pediu a cabeça de quem quer que seja’.

Logo em seguida, no entanto, admite ter feito ‘reclamações’ ligando para redações dos órgãos de imprensa:

** Reclamação há, sim. E nós assumimos que reclamamos. (…) No governo do Aécio isso mudou. Nós reclamamos mesmo, e com força, daquilo com que não concordamos. (…)’;

** Reclamamos diretamente de posturas e tratamentos não corretos que eram dedicados às coisas do estado’. (…)

** Reclamo como secretário de Comunicação que quer que a notícia esteja devidamente contextualizada. Ligo para o editor, repórter, quem se dispuser a falar comigo e tento oferecer as devidas informações sobre o tema abordado. As críticas são cabíveis desde que devidamente contextualizadas.

** (…) A equipe de comunicação do governo se propôs a trabalhar – com muito sacrifício e dedicação – para que nenhuma crítica, denúncia, informação equivocada fique sem a devida resposta e contextualização. Nunca deixamos de responder nenhum assunto e fazemos questão de colocar sempre a posição do estado. (…)

** E não considero ilegítimo um secretário de Comunicação telefonar para o editor ou mesmo para um repórter. Aliás, esta é a minha função: esclarecer. Nossa equipe batalha pelo espaço, pela informação qualificada e pela legitimidade de o estado se colocar (…)

** Estamos reivindicando que o poder público possa colocar seu olhar e seus dados. (… )

** Nós temos uma visão política disso. As reclamações ‘aconteceram e vão continuar acontecendo sempre que o que estiver em jogo for o interesse público O estado não vai deixar de brigar por espaço para se colocar. Esta ‘briga’ por espaço para informação de qualidade nós vamos fazer. É um trabalho que nos orgulhamos de estar fazendo porque é um trabalho que nunca foi feito antes. Diariamente, reclamamos e pedimos espaço para colocar as coisas do estado por entendermos que somos vítimas de matérias em que não somos ouvidos. Ligamos para as redações e reclamamos.

Dizendo isto o secretário admitiu que o governo Aécio Neves pratica, de fato, a pressão, de que é acusado, sobre os órgãos da mídia. Esta pressão era, até agora, exercida de forma não pública, em off, mas a partir das admissões do secretário o fato se torna público, notório, aberto, declarado, acintoso tanto quanto inaceitável e devendo ser rechaçado com firmeza por todos que têm apego à democracia. É natural, portanto, que tais termos de admissão declarados pelo secretário sejam anotados pelas comissões de sindicância que eventualmente estejam se ocupando ou possam vir a se ocupar do caso.

Afirmando de forma tão categórica o que está acima, o secretário parece desconhecer a razão essencial pela qual sua atitude ou do governo é ilícita: o governo não tem que entrar no debate público da sociedade civil com nenhum tipo de reclamação, admoestação ou pressão, nem às direções dos órgãos de imprensa, nem a qualquer jornalista! O governo é, por definição, área do Estado que tem – nas sociedades mais civilizadas, politicamente livres e modernamente organizadas – sua esfera própria de exercício na ação coercitiva. Ele tem, aliás, por definição legal, o monopólio da coerção. Esta ação coercitiva não deve, no entanto, ser exercita de forma autoritária, já que só pode ter curso dentro do consenso legal definido pelas leis!

Longa história

Ora, não há no nosso quadro legal nenhuma lei que permita que alguma instância do Estado interfira direta ou indiretamente no que noticiou ou deixou de noticiar qualquer órgão da imprensa. O que ele pode fazer é manifestar-se abertamente, publicamente, de forma autônoma, sem obrigar ninguém a cumprir qualquer determinação, pelos meios assegurados legalmente pelo regime de liberdade de imprensa que nos rege ou mesmo do judiciário para se defender, acusar, criticar, contradizer etc.

O secretário entra allegramente em searas que não são suas. Falta-lhe o respeito sacrossanto pela autonomia das esferas que definem a ação do estado e da sociedade civil. Nas sociedades orientais, autoritárias, não há mesmo esta distinção. Este não é, no entanto, o nosso caso, que é o do estado democrático de direito.

Ele acusa, ainda, o Sindicato de estar orquestrando uma campanha política contra o governo ‘para abrilhantar a sua atual gestão, que não tem sido boa para a categoria’! Se tivesse o devido respeito democrático pelo trabalho do Sindicato teria se limitado estritamente ao campo do pedido de esclarecimento objetivo dos fatos, e não entrado, tão incautamente, neste terreno tão batido das acusações políticas. Quantas vezes a ditadura militar fez isto para justificar as intervenções da polícia nos mais diversos setores da sociedade?

Podemos admitir que o caso seja político, na medida em que haja atrelamento dos jornais aos projetos políticos dos ocupantes dos principais cargos do estado. Este é o caso de alguns órgãos da imprensa que propõem o governador para candidato à presidência da República, em nome de uma certa unidade de Minas, conceito conservador, autoritário, que tem longa história no estado. A cadeia dos Diários Associados é mestra neste caminho da apologia política das posições mais conservadoras. O que ocorreu recentemente em Brasília é muito ilustrativo: foram demitidos todos os altos funcionários do Correio Brasiliense que se opunham aos projetos escusos do governador Roriz. No lugar decisivo do redator-chefe os Diários Associados colocaram um funcionário dócil aos planos do governador.

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Doutor em Filosofia pela Universidade de Urbino (Itália) e professor aposentado do Departamento de Ciência Política da UFMG