Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Imprensa não faz a crítica do capitalismo

A crise financeira internacional revela como a imprensa brasileira está distante dos paradigmas modernos da economia. Comparada cuidadosamente a cobertura das turbulências deste ano com aquela que se seguiu à crise dos mercados asiáticos em 1998, pode-se observar que a mídia deixa de agregar aos elementos de análise o conhecimento produzido mais recentemente pelo questionamento do fenômeno da expansão do capitalismo em detrimento do meio ambiente e das questões sociais.

Como no terremoto provocado na década passada pela queda sucessiva das Bolsas ao longo do fuso horário, a partir dos mercados asiáticos, a crise de inadimplência no mercado imobiliário norte-americano emitiu muitos sinais antes de mandar a economia global para a enfermaria. A imprensa acompanhou os sinais, mas não teve o cuidado de apresentar ao leitor uma leitura sistêmica desses sintomas, que permitisse uma visão de longo prazo.

Tudo bem que não se pode exigir de jornalistas que adivinhem o futuro, mas os paradigmas da sustentabilidade, amplamente disponíveis, permitem analisar com muito mais acuidade os fatos econômicos. Muito além dos elementos tradicionais de análise, baseados essencialmente no desempenho financeiro das empresas e na rentabilidade dos investimentos, e de forma bem mais ampla do que o espaço delimitado pelos riscos e oportunidades associados diretamente aos negócios, os fatores de sustentabilidade permitem uma visão mais precisa e de prazo mais longo da economia.

Distanciamento inevitável

Os paradigmas da sustentabilidade apontam para uma relação mais íntima e interdependente entre o capital financeiro e os outros tipos de capital, como o capital conhecimento, o ambiental, o social. Assim como as economias de todos os países – com exceção das nações mais isoladas, como a Coréia do Norte – se influenciam reciprocamente no mercado globalizado, também os fatores antes chamados de intangíveis são atualmente considerados na avaliação do desempenho futuro de empresas e do potencial de setores da economia.

O olhar com essas lentes permitiria à imprensa oferecer ao público uma visão mais completa do cenário econômico. No entanto, para isso a mídia precisaria desenvolver um conceito menos condescendente do próprio sistema capitalista. Se fosse capaz de fazer a crítica do sistema, estabelecendo como plataforma de análise o bem-estar da sociedade, e não o sucesso econômico puro e simples, a imprensa teria condições de desenvolver essa visão.

Mas isso exigiria da mídia uma atitude soberana que ela não tem há muitos anos. Com o jornalismo cada vez mais mesclado aos interesses de negócio, torna-se inevitável o distanciamento entre a escala de valores da imprensa e as cada vez mais complexas necessidades da sociedade.

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Jornalista