Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Jornal declara concordata e prepara reestruturação

O Libération ganhou mais seis meses para respirar e se reerguer. O jornal escapou da declaração de falência graças a uma nova figura jurídica introduzida no Direito francês em 1º de janeiro deste ano: a “procédure de sauvegarde” (“processo de salvaguarda”, ao pé da letra) que corresponde a uma concordata.

Esta concordata suspende por seis meses todos os pagamentos, dando tempo ao Libé de organizar uma reestruturação geral, como quer seu acionista principal, Edouard de Rothschild, que possui 38,87% do capital. Essa “procédure de sauvegarde” é uma medida preventiva que visa a evitar a suspensão dos pagamentos e a declaração de falência, e foi inspirada pelo capítulo 11 da lei americana sobre as falências.

A próxima reunião do Conselho de Administração do jornal está prevista para 18 de outubro e promete ser tão ou mais tensa do que a última, realizada dia 27 de setembro. O plano de Rothschild prevê mudanças na forma de dirigir o jornal, nos direitos da “Société civile des personnels de Libération” – que pertence aos jornalistas do Libé e detém 18,45% do capital vontante – além de prever também reduções de custos que podem significar a supressão de 100 postos de trabalho.

De acordo com a edição do Le Monde de sexta-feira (6/10), mesmo o plano de Rothschild tendo sido recusado na reunião de 27 de setembro, o milionário está disposto a injetar mais recursos se a equipe do jornal vier a aceitá-lo. Ainda segundo o Monde, o Libération teria dívidas no valor de 3,5 milhões de euros e mais de vinte credores.

Última chance

Depois de ter perdido mais de 20 milhões de euros no ano passado e ter acumulado perdas de 5 milhões de euros no primeiro semestre deste ano, com previsão de aumentar o rombo para 13 milhões de euros até o fim do ano, Rothschild quer ver o jornal reabilitado financeiramente.

Muitos jornalistas históricos não estão de acordo com seu plano e resolveram sair. Primeiro foi uma partida forçada, a do fundador Serge July, da equipe do também fundador Jean-Paul Sartre. Agora, a jornalista Florence Aubenas – que se tornou uma celebridade na França e no mundo quando foi feita refém por vários meses no Iraque – também resolveu deixar Libération por discordar do que se passa no jornal.

“Não temos escolha senão ir embora”, declarou Aubenas. O jornalista Jean Hatzfeld e o subeditor-chefe Antoine de Baecque, além da ex-presidente da Sociedade dos redatores Dominique Simonnot, também anunciaram que deixam o jornal por discordarem do controle exercido por Rothschild.

A mais nova esperança para o diário de esquerda é a recém-fundada “Société des Lecteurs de Libération” (SLL), a sociedade dos leitores criada mais ou menos nos moldes da que existe no Le Monde (e que conta hoje com cerca de 12 mil integrantes). Segundo informações do próprio Libération (5/10), a SLL já tem 1.352 membros que cotizaram com um total de 58.409 euros.

No box em que informa sobre o sucesso da SLL, o Libé diz “esperar que essa Sociedade de leitores possa se transformar em acionista do jornal, ao lado dos assalariados que estão reunidos na Sociedade civil do pessoal de Libération (SCPL)”. Seria mais uma força para lutar ao lado dos jornalistas contra o rolo-compressor de Edouard de Rothschild.

Um “projeto de última chance” prometido por Rothschild pode prever a nomeação de Edwy Plenel, que deixou a direção de Redação do Le Monde no ano passado.

Um café, dois cafés

Depois que publicou um texto de duas páginas para informar os leitores de sua situação desesperadora e anunciar a criação da SLL [ver “O que será do mundo sem o Libération?”], o jornal passou a reproduzir declarações de leitores fiéis sobre a importância de Libé em suas vidas. O que espera um leitor de Libération de seu jornal? O próprio jornal responde: análise, background, reportagens, investigação e informação exclusiva, isto é, o que os diários gratuitos não se propõem a dar.

Há uma semana, duas páginas inteiras foram usadas para depoimentos de políticos de esquerda. Todos amam o Libé, mesmo que o jornal nem sempre seja simpático com eles. Independente e cáustico, o Libé está mais preocupado em instigar, informar e criticar do que em adular os políticos.

Entre as personalidades políticas de esquerda que aceitaram dizer por que lêem o Libération estavam Dominique Strauss-Kahn e Ségolène Royal, dois dos três pré-candidatos do Partido Socialista à eleição presidencial. Um dos dois será o candidato socialista a presidente (Laurent Fabius, o terceiro, é menos cotado) e, quem sabe, o próximo presidente da República.

Ségolène Royal escreveu:

Libération é um jornal que se insere na história política da esquerda. Ele alimentou os debates da esquerda, organizou a crítica, mas fortaleceu o espírito dela. Rendamos a ele e a seus fundadores, Serge July em primeiro lugar, a devida homenagem. Nós, socialistas, sentimos grande preocupação com a independência da mídia. O controle financeiro de alguns deles por grupos defensores dos interesses liberais tornou-se uma ameaça permanente para o pluralismo da imprensa. Libération deve continuar livre, como a imprensa audiovisual e escrita francesa, e deve preservar sua independência. A questão midiática é agora, como na Itália do senhor Berlusconi, uma questão política de primeiro plano. Nosso país precisa de um jornal livre como foi sempre Libération. Que esse apelo seja ouvido pelos que têm seu destino nas mãos”.

Strauss-Kahn escreveu:

“De manhã. Todas as manhãs. Um café, dois cafés. E Libé. É assim há trinta anos, começando pela rubrica de xadrez. Mas por que ler Libé? E por que continuar? Não lembrarei os grandes princípios: ‘liberdade de imprensa ameaçada’, ‘democracia em perigo’… Grandiloqüente demais. Não usarei a vã adulação: ‘osmose’, ‘prazer’, ‘convergência’… Demagógico demais. Não invocarei obrigações profissionais: ‘ler tudo’, ‘saber tudo’. Distante demais. Libé não é apenas um jornal, é quase um companheiro com o qual só se pode falar francamente. Tive com Libé – raramente mas aconteceu – conflitos. Tive, às vezes, discordâncias. Fiquei, freqüentemente, irritado, exasperado. Aqui uma análise cáustica. Lá um título agressivo. Pois bem, no fundo talvez seja também por isso que leio Libé. Por uma razão neurológica. Porque é estimulante e numa sociedade tentada pelo conformismo é bom ser estimulado. Então, que Libé surpreenda, que ele detone e, de manhã, todas as manhãs, com nosso café, seremos ainda mais numerosos a lê-lo”.