Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Jornal Nacional tenta
retomar o caminho. De ônibus

Quando eu fizer neste post restrições ao projeto ‘Caravana JN’ correrei o risco de ouvir reações do tipo: ‘Ele critica porque quando esteve no comando do Jornal Nacional não teve essa idéia’. Boa resposta, que, no entanto, não pode interditar o meu direito à análise.


Que fique bem claro: boas reportagens nascerão desse ônibus montado pela Globo para percorrer os rincões do país, e será no mínimo interessante ver os âncoras do JN trocando, de vez em quando, a porta de um hotel em Berlim pelas pindamonhangabas brasileiras


A recente opção preferencial pelos chamados ‘grandes temas’ da agenda da mídia impressa afastou o Jornal Nacional de uma parte da vida real brasileira, que pulsa longe das capitais.


No final da década passada, havia duas expressões bem humoradas que a redação do JN usava para se referir a reportagens que fugiam da agenda dos jornais diários:


– Notícias dos povos da floresta ou matérias feitas pelas afiliadas da Rede Globo sobre fatos da vida no interior do Brasil.


– Matérias-chinelinho ou VTs sobre gente pobre que enfrentava – e muitas vezes vencia – enormes dificuldades para sobreviver, ir à escola, trabalhar, ter acesso ao conforto básico quase sempre mais fácil para os habitantes dos grandes centros urbanos.


Através das notícias dos povos da floresta e das matérias-chinelinho, o Jornal Nacional cumpria a sua obrigação de produzir, além de um resumo dos fatos mais importantes do dia, um retrato do Brasil real.


Curiosamente, as pesquisas diárias de opinião mostravam que as reportagens mais lembradas ou apreciadas pelos telespectadores nasciam deste enfoque, digamos, geográfico e classista. Em parte, talvez, porque o povo gosta de se ver nos telejornais; em parte, também, porque os habitantes das grandes cidades não perderam a relação atávica que têm com a vida do interior. Gilberto Freyre explicaria melhor: somos todos caipiras de origem.


Olhar para o interior


O ônibus do JN pode servir para corrigir essa rota abandonada quando o script do telejornal adotou como obsessão o noticiário factual e urbano e passou a imitar a edição dos jornais impressos, tanto no conteúdo quando na organização das notícias.


É uma idéia marqueteira, no entanto. Seria desnecessária se o maior telejornal brasileiro não tivesse deixado de ser, como deveria, um retrato do Brasil. Uma rede de televisão que dispõe de 121 emissoras em todo o país, entre empresas próprias e afiliadas, todas com equipes de telejornalismo e com pelo menos uma equipe exclusiva para o Jornal Nacional em cada capital, não precisaria de um ônibus para mostrar o Brasil real.


O ônibus do JN é uma tomada de posição, um gesto político e editorial. Mas trata-se apenas de uma correção de rumo. O maior telejornal do país quer apenas olhar para o interior e dizer:


– Nós não esquecemos de vocês.


Tinha esquecido, sim, infelizmente.

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Jornalista, ex-editor-chefe do Jornal Nacional;
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