Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Jornalistas com atenção redobrada

Uma peça obrigatória para avaliar a situação financeira de uma empresa de capital aberto listada na Bovespa (Bolsa de Valores de São Paulo) é a demonstração financeira divulgada trimestralmente e anualmente, em conjunto com o balanço patrimonial. A maior parte dos balanços anuais é anunciada em fevereiro e março.

Das 367 companhias listadas na Bovespa, 21 pertencem ao segmento de alimentos, estando intimamente ligadas à evolução da agricultura e da
pecuária. Dessas 21, até o dia 18 de fevereiro quatro tinham apresentado seus balanços referentes a 2003 – Avipal, Bunge, Sadia e Seara. Portanto, a maioria das companhias do setor de alimentos deve anunciar seus balanços nas próximas semanas, oferecendo inúmeras possibilidades de elaboração de matérias na cobertura jornalística do agronegócio.

Porém, os recentes escândalos financeiros de grandes corporações como Enron, Xerox, WorldCom e Parmalat tornaram clarividente que os balanços precisam respeitar procedimentos éticos tanto por parte das próprias companhias, como das firmas que os auditam, para revelar a real situação financeira da empresa.

Como adverte José Aparecido Maion, coordenador da Comissão Técnica e de Pesquisas Contábeis do CRC (Conselho Regional de Contabilidade), de São Paulo, a auditoria de balanços precisa seguir uma série de procedimentos para verificar se a empresa está fornecendo informações fidedignas. ‘Uma das principais ferramentas para detectar o desempenho de uma organização são as demonstrações contábeis. A contabilidade como ciência social é quase perfeita. O problema reside em quem a administra e a executa’, afirma Maion.

No caso da Parmalat, por exemplo, um dos problemas mais graves ocorreu quando o braço italiano da consultoria Grant Thorton tomou como verdadeira uma carta que a multinacional italiana informou ter recebido do Bank of America atestando que possuia depósitos de 4 bilhões de euros nessa instituição financeira. A carta foi forjada pela Parmalat para maquiar seu balanço e assegurar aos acionistas que sua situação financeira era saudável. Um procedimento universal entre as auditorias nesse caso, diz Maion, é solicitar tal tipo de carta diretamente ao banco, a fim de evitar eventuais manobras dos executivos para ocultar uma frágil situação financeira. Investidores, bancos e imprensa também falharam em questionar a necessidade de a Parmalat tomar tanto dinheiro emprestado, enquanto anunciava em seus balanços abundante dinheiro em caixa.

Além de conhecer os conceitos básicos de um balanço, os jornalistas precisam estar atentos a alguns aspectos relevantes das demonstrações financeiras de uma empresa para efetuarem uma cobertura qualificada e crítica do assunto. Como estamos no período da chamada safra de balanços, quando as companhias de capital aberto divulgam seus números relativos ao ano passado, é um bom momento para relembrar algumas orientações importantes, assinaladas por Maion, especialista no assunto.

Comparação no segmento – Verifique se o desempenho da empresa acompanha a média do seu segmento e a performance de seus concorrentes mais próximos, mediante a análise dos índices de liquidez, de rentabilidade, de rotação de estoques e de endividamento.

Explicações da empresa – Analise criticamente o relatório da administração e as notas explicativas do balanço. Muitas informações relevantes podem ser extraídas dessas duas partes do balanço, onde a companhia situa o contexto do setor em que atua, investimentos feitos e impactos da situação econômica internacional e nacional em seu desempenho.

Auditoria – Analise o conteúdo do parecer dos auditores independentes. São os auditores que têm a incumbência de avaliar se a demonstração contábil é consistente. Há casos de empresas em má situação financeira que maquiam seus balanços para apresentar quadro mais favorável ao mercado, o que deve ser investigado pelas auditorias. O parecer pode, por exemplo, conter ressalvas, ou a chamada negativa de opinião, quando deficiências nos controles das empresas não permitem ao auditor formar juízo sobre o estado financeiro da companhia.

Evolução dos indicadores – Há uma série de indicadores cuja variação deve ser observada, como as receitas bruta e líquida, que é obtida pela dedução do custo dos produtos ou serviços, o resultado (lucro) operacional, as despesas operacionais e administrativas, as despesas financeiras e o resultado (lucro) líquido. No balanço patrimonial, as variações positivas e negativas do patrimônio líquido, do ativo permanente e do exigível (pagamento de dívidas) de curto e longo prazo também devem ser verificadas. O jornalista precisa estar atento, por exemplo, para prejuízos operacionais substanciais de forma continuada.

Geração de caixa – Um indicador que geralmente não aparece nas linhas das demonstrações financeiras, mas é muito importante para avaliar a situação operacional da companhia, é o EBTIDA ou LAJIDA na sigla em português (lucro antes do pagamento de juros, impostos, depreciação e amortização do diferido), que mede a geração de caixa da empresa, independentemente dos impactos financeiros, tributários e da depreciação de ativos.

Para saber mais

Bovespa (http://www.bovespa.com.br) – Além de um útil dicionário de finanças online, o sítio contém todas as demonstrações financeiras trimestrais e anuais, incluindo balanços patrimoniais, relatórios de administração e notas explicativas, publicadas pelas empresas com ações na bolsa.

CVMA (http://www.cvm.gov.br) – Comissão de Valores Mobiliários, órgão do governo federal, tem a incumbência de proteger os titulares de valores mobiliários, como ações e debêntures, contra atos ilegais de acionistas controladores de companhias e coibir fraude ou manipulação destinadas a criar condições artificiais de demanda, oferta ou preço de ações negociadas nas bolsas

******

Jornalista, da Redação do AgroPauta