Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

‘Estadão’, ‘Estado’, ‘Estadinho’

É incomum que a ombudsman da Folha de S.Paulo faça comentários sobre outros jornais, uma vez que sua função é, teoricamente, representar os leitores na defesa da qualidade do jornal que a contrata. Mas nem mesmo Suzana Singer, que acaba de ser reconduzida para seu quarto período na função, resistiu a comentar a mais recente “reforma” do Estado de S.Paulo, o mais que centenário concorrente da Folha.

Formalmente, sua intenção parece ser analisar a questão do “tamanho ideal do jornal impresso na era da internet”. Mas o título de seu artigo não esconde o veneno: “Queridos, encolhi o jornal”.

O texto se refere explicitamente ao Estado de S.Paulo, que até pouco tempo atrás era chamado de Estadão por causa de seus volumosos cadernos de anúncios, observando que o principal concorrente da Folha, que se orgulhava em sua propaganda de ser “muito mais jornal”, diminuiu e circula há uma semana com menos cadernos.

A autora admite que a Folha também vem reduzindo o número de páginas desde 2010, e lembra que as justificativas dos dois jornais são semelhantes, referindo-se ambos à suposta conveniência de produzir textos mais sintéticos e analíticos em pouco espaço. No entanto, não há como escapar a certa ironia quando se refere ao fato de que o concorrente anunciou sua nova configuração como “a maior menor mudança” que o jornal já teve.

Considerando-se o tipo de decisão que tem marcado a história recente da imprensa tradicional no Brasil, não é de se estranhar que os dirigentes do Estado de S.Paulo tenham comprado a ideia de publicitários de que o leitor vai ficar feliz por receber menos conteúdo pelo mesmo preço. Já faz tempo que o leitor vem sendo tratado como um indivíduo sem discernimento, mas tentar empurrar a ideia de que o jornal foi encolhido para facilitar a vida do cidadão, e não para cortar custos de papel e mão de obra, é faltar com o respeito.

O que se tenta dissimular, tanto no encolhimento súbito do Estado como no emagrecimento da Folha no longo prazo, é que os dirigentes dos jornais ainda não foram capazes de produzir uma estratégia para salvar essa mídia.

Rumo à irrelevância

Ao observar que o tempo do leitor está cada vez mais curto, a ombudsman da Folha repete o discurso fatalista que tem levado os gestores da imprensa a repetir periodicamente o processo de cortes e enxugamento, cujo final não é difícil adivinhar. Em resumo, o que se diz é que, agora, as pessoas precisam também “checar os aplicativos no celular, dar uma espiadinha nos sites de notícia e também nas redes sociais – só para ficar em algumas das invenções disseminadas na última década”.

Esse diagnóstico dissimula outra questão, igualmente séria: os jornais fizeram muitas concessões para se adaptar à suposta falta de tempo do leitor e acabaram se tornando pouco atrativos. Se os jornais se tornam menos relevantes, menos chances terão na disputa pela atenção do leitor.

É verdade que os novos brinquedos eletrônicos de comunicação ocupam mais o tempo das pessoas, e o dia segue transcorrendo em 24 horas, mas as pessoas também gastam muito tempo nos movimentos do dia a dia, e seria interessante saber o que elas fazem nesses períodos. No metrô de São Paulo, por exemplo, é mais comum ver pessoas lendo livros do que folheando jornais de papel. Portanto, não se trata apenas de menos tempo para a leitura, mas de aproveitar bem o tempo disponível, e isso só pode ser obtido com jornalismo de qualidade, o que inclui não apenas bons textos, imagens interessantes e uma apresentação atraente e prática, mas principalmente a escolha de pautas que tenham a ver com a realidade do leitor.

Veja-se, por exemplo, as edições dos jornais do fim de semana e da segunda-feira (29/4), que têm em comum o rescaldo de uma crise institucional feita de declarações que os próprios jornais abanam para cima e para baixo. Para o leitor comum, não tem nenhuma importância a opinião isolada de um ministro do Supremo Tribunal Federal ou de um deputado ou senador, pois o cidadão sabe que tais manifestações são parte de um jogo sem muitas consequências. Ocupar o precioso tempo do leitor com intrigas da corte não é a maneira mais inteligente de disputar sua atenção.

A ombudsman da Folha admite que a redução do conteúdo deveria ter como contrapartida “uma melhora significativa na qualidade do que é publicado”. Diz, como exemplo, que se os jornais, encolhidos, podem oferecer poucos assuntos, eles devem ser apurados com precisão e profundidade e editados com inteligência. “Se não for assim”, conclui, “estaremos apenas apressando o passo rumo à irrelevância.”

O diagnóstico é perfeito, mas não é novo. E o remédio parece estar matando o paciente.

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