Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Luiz Fernando Vianna

‘Tarso de Castro (1941-1991) é um tempo que acabou. Não por culpa dele ou de alguém em particular, mas porque o tal curso da história parece ter fechado as portas para jornalistas combativos (no sentido de raivosos e parciais), polêmicos (de fato, não os caricatos), idiossincráticos (ele escrevia o que vinha na telha, normalmente umedecida pelo álcool) e apaixonados (atacava e ridicularizava os inimigos da hora, que podiam ser os amigos de ontem ou de amanhã).

Como tudo que o envolvia, a biografia ‘Tarso de Castro – 75 kg de Músculos e Fúria’, que acaba de chegar às livrarias, é passional. Seu autor, o jornalista Tom Cardoso, 32, considera esse adjetivo forte. Prefere dizer que procurou fazer justiça ao personagem, um dos homens de imprensa mais polêmicos do país entre os anos 60 e 80.

‘Apesar de ser um porra-louca, um homem de bar, Tarso era um profissional responsável, um fazedor de muitas coisas. Infelizmente, pouco se fala dele hoje’, diz Cardoso.

Gaúcho de Passo Fundo, filho de um dono de jornal e cacique trabalhista local, Tarso herdou do pai as paixões por jornalismo e Leonel Brizola -paixões que se fundiram mais de uma vez.

Adolescente, já incomodava com seu estilo sarcástico-abrasivo em ‘O Nacional’, jornal do pai. Passo Fundo ficou pequena, foi para Porto Alegre, para a ‘Última Hora’ gaúcha. O Rio Grande ficou pequeno, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde conquistou uma coluna na ‘Última Hora’ em que ironizava ou atacava mesmo os militares. Em 1969, ajudou a criar o mais importante dos jornais de esquerda surgidos durante a ditadura.

‘Quis fazer justiça, especialmente, quanto à criação do ‘Pasquim’. Tarso é quem foi convidado para substituir Sérgio Porto [editor de ‘A Carapuça’, que se transformou em ‘O Pasquim’], ele foi o grande catalisador. Hoje, até gente que teve participação pequena é mais associada ao jornal do que ele’, diz Cardoso.

Dos dois mais notórios desafetos de Tarso dessa época, o autor conseguiu entrevistar Ziraldo, mas não Millôr Fernandes, que não respondeu a seus pedidos. Millôr acaba saindo do livro como uma espécie de vilão, em especial por ter sido o único prócer do ‘Pasquim’ a não ser preso pelos militares.

A carreira de Tarso teve outros grandes momentos na Folha, por onde passou três vezes: entre 1975 e 77, quando foi editor da Ilustrada e criou o ‘Folhetim’, suplemento dominical lançado em 23 de janeiro de 1977 e que foi revolucionário na época, com grandes entrevistas, perfis, reportagens e colunistas de peso, tratando de política, cultura e comportamento; entre 1982 e 85, quando assinou uma muito lida coluna na Ilustrada; e na ‘Folha da Tarde’, entre 1988 e 91.

Conquistou a admiração do dono do jornal, Octavio Frias de Oliveira, e de Claudio Abramo, diretor de Redação, mas, durante sua segunda passagem, bateu de frente com as mudanças que vinham sendo implantadas. Perdeu sua coluna por ‘divergências com as concepções jornalísticas em prática na Folha’, conforme nota do jornal reproduzida no livro. Cardoso cita entreveros que culminaram com sua saída.

O autor veste, no livro, a camisa de seu (anti-)herói. Isso não significa que tenha omitido características fundamentais de Tarso. Estão lá o irascível, o incontrolável, o inconciliável, o intransigente, o inveterado alcoólatra que não admitia se tratar e morreu de cirrose hepática aos 49 anos (‘Prefiro viver pela metade por uma garrafa de uísque inteira a viver a vida inteira bebendo pela metade.’).

Também estão o bem-sucedido sedutor, que conquistou muitas e até inalcançáveis mulheres, como a atriz norte-americana Candice Bergen, e o dono de amizades fidelíssimas com Chico Buarque, Caetano Veloso, Glauber Rocha e outros.

‘Eu gostaria de ter sido jornalista naquela época, quando havia uma cumplicidade entre artistas e jornalistas. Tarso ia a campo, conseguia muitas pautas e entrevistas no bar’, diz Cardoso.

Sua admiração pelo personagem permite que as versões de Tarso sobre os fatos sobressaiam, mesmo que às vezes haja um tanto de folclore nessas versões. Mas também confere paixão ao relato sobre um homem que sempre foi passional.

Tarso de Castro – 75 kg de Músculos e Fúria

Autor: Tom Cardoso

Editora: Planeta

Quanto: R$ 37,50 (280 págs.)’



MEMÓRIA / PAULO FRANCIS
Daniel Piza

‘POR QUE NÃO ME UFANO (1)’, copyright O Estado de S. Paulo, 30/10/05

‘É impressionante como, quase nove anos depois de sua morte, Paulo Francis continua a incomodar. Caetano Veloso, em mais um bairrismo explícito, mencionou umas tais ‘contrafações paulistas de Paulo Francis’. Curiosamente, a coletânea de textos que está lançando agora, O Mundo não É Chato (Companhia das Letras, org. Eucanaã Ferraz), não inclui dois – dos tempos do Pasquim – em que elogia Francis. E Fernando Barros e Silva, um jornalista conhecido como porta-voz deselegante do PT na Folha, buldogue inculto do ‘socialismo democrático’ uspiano, se queixou de um texto com dicas de títulos de não-ficção que fiz para um livro, Cultura & Elegância (Contexto), e da inclusão nele do volume de Francis que organizei, Waaal – O Dicionário da Corte. Desonesto seria eu não incluir um jornalista que, como H.L. Mencken, tanto me marcou. E que esses recalcados também não conseguem esquecer.’



ÁCARO
Antonio Gonçalves Filho

‘‘Ácaro’ só provoca alergia em maus leitores’, copyright O Estado de S. Paulo, 30/10/05

‘Ácaro é um parasita que provoca alergia, mas, se você ver esse nome impresso numa revista, pode comprar sem medo. O terceiro número de Ácaro, idealizada e editada pelo filósofo, historiador e escritor Paulo Werneck já estás nas livrarias, trazendo em meia centena de páginas autores da nova geração (Alexandre Barbosa de Souza, André Laurentino, Cecília Giannetti, Clarah Averbuck) ao lado de clássicos (Aretino) e modernos (D. H. Lawrence).

Ácaro, segundo Werneck, é uma revista sem preconceitos literários, que cruza gerações e estilos. ‘Como leitor, sentia falta dessa mistura’, diz o editor, que já prepara o quarto número para o início do próximo ano, possivelmente com o apoio da Fundação Nestlé de Cultura, que patrocinou o terceiro. Nele, o editor Werneck também comparece como autor de um ótimo conto (As Cartomantes). Samuel Titan Jr. traduz um ensaio de Thomas de Quincey sobre Macbeth e o crítico Rodrigo Naves mostra, num texto sintético (Profumo D’Uomo), como a ausência de um perfume no mercado mutila a alma de um homem. Para ilustrar os textos, o editor de arte Daniel Trench reuniu um bom time de desenhistas (Guto Lacaz, Zé Tatit), revelando o talento multidisciplinar do músico, artista gráfico e desenhista paulistano Manu Maltez (ilustração ao lado, feita para o texto de De Quincey).

Distribuída pela Editora 34 e vendida a R$ 15, a Ácaro deve incorporar, a partir do próximo número, reportagens especiais. ‘O jornalismo é depreciado pelos editores literários e, mesmo com as críticas de ser uma revista ‘desigual’, vamos insistir na mistura de gêneros’, promete Werneck, ele mesmo filho de um dos maiores nomes do jornalismo cultural brasileiro, Humberto Werneck.’



TEXTO & JORNALISMO
José Paulo Lanyi

‘As razões de Obelix’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 28/10/05

‘Foi hoje, na hora de pagar o meu almoço. A fila estava grande. O dono do restaurante cortejava os clientes com uma ou outra palavrinha de simpatia. A fila aumentava. Era a minha segunda vez naquele lugar. Na primeira, não havia tanta gente, mas eu chegara muito tarde, naquele horário em que os brócolis quicam três vezes quando caem no prato. Hoje o restaurante era um Morumbi lotado de fiéis da Igreja Universal. Muito dinheiro para o anfitrião.

Enfim, chegou a minha hora de pagar. O proprietário me deu o troco, uma balinha (‘Para alegrar o seu dia!’) e um tapinha nas costas da minha motivação: ‘Tchau, bons negócios!’.

‘Bons negócios’… Precisavam ver a cara do Shinyashiki da gastronomia. Feliz, muito feliz com a sua prosperidade. E, cada vez que os sorrisos se encontravam, algo tilintava no outro lado do balcão. Era o coração do empresário. ‘Bons negócios’… Fiquei pensando se já havia ouvido uma recomendação como aquela. Na vida, tudo depende das circunstâncias… Ouvira ‘Sonhe comigo, amor…’, ou (do meu pai) ‘Cuidado na hora de atravessar a rua’ (eu, já aos trinta e poucos), ou os comportados e nada criativos ‘Vá com Deus’ e ‘Tenha um bom dia’.

‘Bons negócios’ era a primeira vez… Senti-me um ‘big shot’ de Wall Street ou da City londrina… Mas estava em São Caetano, a terra do Azulão.

Os brócolis, confesso eu, são uma miragem no meu prato, nada mais do que um mote literário. Podia ter escolhido rúcula, ou couve, ou qualquer outro mato que me obrigo a comer para não ficar doente. Meu almoço foi essencialmente lingüiça e coração, embora, no passado, eu tivesse ficado sem comer carne, por amor aos animais. Até que o atavismo dos meus instintos me trouxe de volta à selvageria.

Outro dia, no aniversário do inquieto Jorge Henrique Cordeiro, conheci uma bela ruiva pintada de loiro, uma panfletária em prol dos vertebrados que colocamos no prato. Disse-lhe eu que era um fracassado, mas que um dia (amanhã, sempre amanhã) pararia de novo.

No que pensava hoje enquanto me impunha na cadeia alimentar? Na coluna que ora escrevo. Pois o tema escolhido fora justamente este: do porquê ser tão importante saber contar histórias. Pois não será esta a suprema vocação do jornalista? Ao menos é o que ouvimos cada vez que, no primeiro dia de aula do nosso curso, pergunta-se a cada um:

– Por que você quer ser jornalista?

A resposta-padrão é: – Porque gosto de escrever.

Pena que não deixem… Nós, os colunistas do Comunique-se, recebemos outro dia um e-mail de uma estudante que reclamava, com justa razão:

‘Percebo o jornalismo como uma prática subjetiva e ao mesmo tempo submetida a diversas ‘normas’ de ‘padronização’. O que eu acho horrível. E sempre me pergunto: como e por que, apesar de termos um exército de repórteres das mais diferentes formações profissionais e culturais e apesar de termos informações de diversas regiões brasileiras, cujas tradições e costumes variam muito, temos as mesmas notícias tratadas da mesma forma? Por que o que eu ouço no Jornal da CBN de manhã são as mesmas notícias que eu leio na Folha Online e na Agência Estado durante o dia e serão as mesmas matérias do Jornal Nacional, da Globo, o Jornal da Band e da Record, etc. à noite? E pior: todas sob o mesmo enfoque, o mesmo lide impreterivelmente!!!…’.

Já se debateu tanto sobre isso… E há de se clamar sempre, até que os ‘reformadores editoriais’ acordem para o fato de que alguém um dia haverá de assassinar essa mesmice coroada.

Por falar em histórias, estava eu em uma festa à fantasia do aniversário de uma amiga jornalista, até que encontrei uma moça que não reconheci. Ela mostrou que eu não lhe era um estranho e citou os textos do Comunique-se. Adorava os meus artigos, com uma ressalva:

– Parece que você escreve com o dicionário.

– Como assim?

– O seu texto soa pedante, muitas vezes preciso consultar o dicionário – disse-me a rainha celta Boudica.

– Peraí, eu tenho que levar em conta o público para o qual escrevo. Eu escrevo para jornalistas… Eu não escrevo no Agora São Paulo… – refutei, lembrando-a de que nada tenho contra o jornal paulistano, tenho amigos por lá, apenas reconheço nele a vocação do chamado ‘jornalismo popular’, com seus textos, digamos, mais acessíveis…

– Isso é verdade… – ela reconheceu.

Então, meus amigos, se eu tiver que usar ‘premente’ em lugar de ‘urgente’, ou ‘atavismo’ em vez de ‘herança psicobiológica’, estarei sempre à vontade por aqui, pois jornalistas gostam ‘de ler e escrever’, não é isso?

Digo isso tudo para incentivar os meus colegas a contar histórias, se não na mídia quadradinha, ao menos (e não é pouco) neste imenso mundo virtual.

Encerro com o desfecho dessa noite de fantasia. Saímos de lá em alguns carros e fomos comer umas iguarias japonesas na madrugada paulistana. Nessa caravana, havia umas seis ou sete ‘moças do FBI’- duas das quais, jornalistas.

Quando estacionei, dei uma encostadinha no carro da frente. Logo se fez uma quizumba (confusão), apareceu a dona do Ford Ka com o namorado dela. Acusaram-me de ter arranhado o ‘pára-choque frágil que tínhamos acabado de arrumar’.

Eu achei estranho, foi um toque de nada, mas, para evitar uma briga no meio da rua (havia gente alterada nas duas turmas), de dentro do carro dei-lhes oitenta reais da minha carteira e pedi-lhes que me ligassem no dia seguinte (nunca o fariam).

Eis que desce do meu carro o ‘Salieri’ (aquele compositor invejoso, ‘amigo’ do Mozart), já sem a sua devida máscara, para provar que aquilo era um absurdo, que estávamos sendo roubados, essas coisas triviais. O tempo fechou e pensei, umas cinco vezes, se devia ou não sair do carro para acalmá-los.

Balancei a cabeça, ri comigo mesmo e desci.

Absurdo não foi ter ido para a rua vestido de legionário de César. Absurdo mesmo foi ninguém ter ligado a mínima, nem mesmo os meus adversários. Mais absurdo ainda foi ter conseguido restabelecer a ordem, sem ouvir uma única piadinha.

De que se conclui, para o meu referendo pessoal:

(1) Como diria o Obelix, ‘Esses romanos são uns neuróticos’, mas, acrescento, ‘os paulistanos são muito mais’;

(2) Dois mil anos depois, os romanos ainda impõem respeito em frente ao restaurante japonês.’



POLÍTICA CULTURAL
Fabio Cypriano

‘Secretário aumenta controle dos museus’, copyright Folha de S. Paulo, 29/10/05

‘Em vias de implantação, as Organizações Sociais (OS) que irão gerenciar os museus do Estado terão maior controle do poder público. Modelo que começou a ser introduzido na gestão de Cláudia Costin, as OS foram assumidas pelo atual secretário, João Batista de Andrade, mas com ressalvas. A principal função de uma OS é regularizar a situação de funcionários que prestam serviços e são contratados de forma irregular, como se fossem temporários.

Algumas já em andamento, como a da Orquestra Sinfônica do Estado, a dos teatros e a da Casa das Rosas, as OS dos museus tinham um prazo acordado com o Ministério Público do Trabalho para serem implantadas até amanhã. ‘Desde que entrei, tenho conversado com o Ministério Público do Trabalho e prorrogamos o prazo até o final de dezembro’, disse Andrade à Folha. Caso não tivesse efetivado o acordo, os museus poderiam fechar, já que instituições como a Pinacoteca, por exemplo, possui 150 funcionários, dos quais só sete são regulares.

Entretanto, apesar de seguir, em linhas gerais, o modelo proposto por Costin, Andrade busca evitar o que tem sido apontado como uma privatização das ações públicas. ‘Estou propondo que, além do conselho da OS, que é quem administra a instituição, seja criado um outro conselho acima deste, nomeado pelo governador, que fica verificando se o órgão atua de acordo com sua função.’

Segundo Andrade, a partir das OS já em andamento, foi possível detectar falhas no modelo: ‘É preciso criar mecanismos de controle e não deixar que a OS pareça um organismo livre da secretaria, afinal temos poder de a qualquer momento romper com o contrato de gestão. Precisamos criar uma cultura de relacionamento’.

Um dos contratempos gerados por tal modelo é a exagerada intervenção do patrocinador, já que o Estado se compromete a financiar basicamente o custeio das instituições, e não suas atividades temporárias. ‘Pelo que tenho conhecimento, a única crítica nesse sentido é em relação à Casa das Rosas, mas ainda não tive tempo de ir lá. Só acho que temos que tomar cuidado para não desvirtuar a importância do patrocinador, pois sem o patrocínio as atividades das entidades não agüentam.’

A questão na Casa das Rosas é que o patrocinador, a empresa Sony, realiza lá uma mostra sobre a história do walkman, ou seja, um produto comercial, e, como constatou a reportagem da Folha, funcionários da Sony solicitam o endereço do visitante para divulgar os novos produtos e comentam sobre suas vantagens.

Na quarta, Andrade anunciou ainda um substancial aumento no orçamento de sua pasta, que de R$ 270 milhões passa para R$ 380 milhões em 2006. ‘Em parte isso ocorre por conta das OS, mas nesse valor também está embutido o orçamento do Memorial da América Latina e da TV Cultura’, diz.

Por conta das OS, o Departamento de Museus passa de R$ 4,5 milhões para R$ 14 milhões, valor ainda insuficiente. Só a Pinacoteca, por exemplo, precisaria de R$ 15 milhões para continuar funcionando como está. Já a Orquestra Sinfônica foi bastante agraciada. Seu orçamento passou de cerca de R$ 22 milhões para R$ 43 milhões.

O secretário também entregou à Assembléia Legislativa um projeto de lei criando o Programa de Ação Cultural, versão paulista da lei de incentivo à cultura. Segundo ele, o projeto prevê mecanismos com renúncia fiscal e ação de patrocínio direto a partir do Fundo Estadual de Cultura. Pela renúncia fiscal estima-se como teto o valor de R$ 85 milhões; por ação direta, isso ainda será definido.’