Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Lula dá aula tosca de jornalismo

Luiz Inácio Lula da Silva não é o primeiro, nem será o último chefe de governo brasileiro a reclamar que a imprensa só enxerga o lado ruim das coisas. A repetição não torna a queixa mais verdadeira; apenas mais enfadonha.

Pensando bem, tem até um lado bom: é sinal de que, com seus acertos e erros, e estes últimos não são poucos, a imprensa apura, divulga, analisa e julga os acontecimentos que lhe parece de interesse público segundo os seus próprios critérios – dos quais o leitor deve ser o único juiz. E não segundo os critérios do governante de turno; nem, o tempo todo, de quaisquer outras forças que também gostariam que a mídia visse as coisas pelos seus olhos.

No dia em que os poderosos só tiverem elogios para os jornalistas, algo estará errado – com os jornalistas.

Na moita

Enquanto o governo não puder coagir os meios de comunicação a alardear o que lhe convém, sob o eterno argumento de que é para o bem do país, e a esconder o que o envergonha, esse gênero de comentário continuará a ser recebido pelos profissionais velhos de guerra como um dos tais ossos do ofício a serem encarados com filosófica resignação.

Em outras palavras, enquanto os palácios não dispuserem dos meios de ‘orientar, disciplinar e fiscalizar’ a atividade de informar, produtores e consumidores de informação poderão conviver sem susto com a contrariedade dos governantes.

Ainda assim, a mídia não deu o troco devido à mais recente acusação de Lula à imprensa – mais recente porque ele já se permitiu chamar de ‘covardes’ os jornalistas brasileiros por não terem cerrado fileiras em torno da proposta do Conselho Federal de Jornalismo.

Desta vez, ele aproveitou a abertura do Fórum Mundial de Turismo, em Salvador, na semana passada, para culpar a imprensa por noticiar, com o destaque que entende ser adequado, fatos e situações que desestimulariam os estrangeiros a visitar o país. A começar da violência endêmica no seu mais belo cartão-postal, o Rio de Janeiro.

‘Nós aprendemos a disseminar o ruim’, disse Lula, perdendo uma boa ocasião de morder a língua.

Em primeiro lugar, jornalistas sérios, nas sociedades democráticas, são aqueles que disseminam da melhor maneira o importante, o que é notícia, boa ou ruim para quem quer que seja.

Segundo, não é pela imprensa brasileira que o turista em potencial toma conhecimento do crime nas ruas e de outras mazelas que o farão pensar duas vezes antes de (não) vir para cá: a mídia de seus países já o faz com suficiente contundência valendo-se dos seus correspondentes e serviços noticiosos.

Ainda no último domingo, o La Nación de Buenos Aires deu, com chamada na primeira página, a reportagem ‘O perigo de ser turista no Rio de Janeiro’. O correspondente do jornal no Brasil, Luis Esnal, ouviu o cônsul argentino Agustín Molina: ‘Apesar de ainda não haver começado a alta temporada, estamos recebendo pelo menos três casos por semana de argentinos assaltados.’

Como dois mais dois são quatro, vieram as reações indignadas. O secretário municipal de Turismo Rubem Medina acusou a matéria de ser ‘mentirosa’ e obedecer a ‘interesses econômicos’. De pasmar: ‘[Os argentinos] querem barrar o turismo. Eles devem estar achando que está vindo muito turista para cá’.

O prefeito Cesar Maia disse que ‘os dados permanentes do corredor turístico do Rio são melhores do que os de Buenos Aires. As taxas são baixas e se equivalem a grandes cidades dos Estados Unidos e da União Européia.’

Corredor turístico é bom. Agora, conta outra, prefeito.

O governo do Estado se saiu melhor: parece que ficou quieto. Antes isso do que a fúria da governadora Rosinha Garotinho diante da recente reportagem do Independent de Londres sobre a droga no Rio.

‘Desgraças que existem’

De volta a Lula. Se o presidente sabe que ‘isso’ (o crime) ‘acontece em qualquer lugar’, é em razão do que divulgam os periódicos e telejornais brasileiros, com base no mesmo tipo de fonte a que os equivalentes estrangeiros recorrem para falar do Brasil. Ou ele ignora o ciclo global e instantâneo de coleta e disseminação da informação de hoje em dia?

Justiça se lhe faça, Lula não pediu que se negassem ‘as desgraças que existem’. Injusta foi a sua investida específica contra as emissoras de TV. ‘Se a pessoa ficar apenas assistindo à televisão’, atacou, ‘vai achar que no Nordeste só tem seca, no Rio só tem violência e em São Paulo só tem seqüestro.’

Por mais que a mídia eletrônica aborde essas questões, principalmente as relacionadas com a criminalidade – e como poderia deixar de fazê-lo? – elas estão longe de ocupar todo o tempo que as emissoras dedicam ao jornalismo.

Emendando, o presidente se saiu com essa: ‘Ou seja, entre a seca e a enchente não existe nada. Mas tem sim’.

E quando seria de esperar que mencionasse progressos materiais e exemplos de modernização que ele acha que o noticiário ignora – o que tampouco é verdade – eis o que lhe ocorreu dizer: ‘Tem praias maravilhosas, recantos históricos, cidades belíssimas’.

Só faltou citar a alegria, espontaneidade e índole hospitaleira do povo, além do charme e do veneno da mulher brasileira.

‘É isso que precisamos divulgar’, completou, como quem sugere que jornais, revistas, emissoras de rádio e TV devam competir com a Embratur ou fazer o serviço das agências de viagem.

Faça o seu governo o que deve para combater ‘as desgraças que existem’ em vez de dar aulas (toscas) de jornalismo a quem delas não precisa.

[Texto fechado às 13h25 de 6/12]