Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Lula e FHC, duas leis, duas coberturas

Há quase um mês o presidente da República participou da cerimônia de inauguração do prolongamento da Avenida Radial Leste, em São Paulo, e, durante o evento, defendeu o voto em Marta Suplicy. Repito: há quase um mês que isso aconteceu. Mas no mesmo dia em que Lula declarou seu voto em Marta já se podia ver na internet, nos portais de notícias dos maiores jornais do país, reportagens sobre o fato em grande destaque, que diziam, inicialmente, que o PSDB do candidato José Serra pediria a impugnação da candidatura de Marta. Porém, os tucanos acabaram se contentando em denunciar o presidente da República ao Ministério Público.

Nos dias seguintes o assunto inundou a imprensa brasileira de norte a sul do país. As seções de opinião dos jornais foram tomadas de assalto por articulistas, editoriais, leitores, todos indignados com o ‘uso da máquina’ por Lula. No sábado, 9/10, várias semanas depois do episódio, a Folha de S.Paulo publicou mais um editorial em que proclamava os motivos ‘republicanos’ que levaram a Justiça Eleitoral de São Paulo a multar o presidente em 50 mil reais por ter-se manifestado em favor de sua correligionária.

A enorme celeuma promovida pela imprensa em torno do assunto certamente contribuiu para ampliar a diferença entre Marta e Serra nas eleições de 3 de outubro.

Eu não sou jornalista, mas me interessei em descobrir se Lula havia inovado ao pedir votos para uma candidata de seu partido ou se isso sempre acontecera – e eu me lembrava de que sempre acontecera. Acho que fiz o que a imprensa deveria ter feito, pois é da imprensa a obrigação de informar os fatos como eles são, e não como alguns querem que seja.

Uma simples busca

Assim, mesmo sem ser jornalista, descobri que em 2000 o presidente Fernando Henrique Cardoso também pediu votos para seu candidato, o hoje governador Geraldo Alckmin.

Ora, eu não sou jornalista, repito. Então, é impossível que nenhum profissional da imprensa, nenhum jornal, ninguém na mídia tivesse se lembrado de verificar se era possível promover aquele rebu todo sem cometer injustiça. Afinal, quando FHC fez o mesmo que Lula não houve nem 1% da repercussão de agora.

Comecei a escrever furiosamente sobre o assunto, consegui publicar um pequeno texto no site da Agência Carta Maior (http://agenciacartamaior.uol.com.br/) fazendo a denúncia, mas foi só. Então me dediquei a procurar, valendo-me da ferramenta de busca em edições anteriores da Folha, alguma reportagem de 2000 que dissesse claramente que FHC fizera o mesmo que Lula, a fim de mostrar que, certamente, por ser FHC, ninguém dera bola àquele ‘uso da máquina’. Achei a reportagem [ver abaixo] e continuei escrevendo sobre o assunto, agora precisando a data em que aconteceu. Então, na sexta-feira (8/10), recebi e-mail do editor da seção de cartas de leitores da Folha, no que me pareceu em tom de surpresa, pedindo mais detalhes sobre o assunto. Surpresa porque ele mesmo não deve ter acreditado que um leitor, e não seu jornal, levantou que FHC foi poupado quando fez o mesmo que Lula.

Que fique claro

Nesta segunda-feira (11/10), quase um mês após o ocorrido, a Folha de S.Paulo foi o primeiro entre os grande jornais do país a publicar a opinião de alguém dizendo que há duas leis eleitorais no país, uma para o PT e outra para o PSDB, pois quando FHC ‘usou a máquina tanto quanto Lula ninguém deu bola’: o jornal publicou hoje [11/10] uma carta minha denunciando o que ocorreu há quatro anos.

Faltou interesse da imprensa em descobrir o que descobri. Interesse e senso de dever. Mas devo cumprimentar a Folha por me dar espaço para fazer a denúncia, mesmo contrariando seus interesses – já que acaba de publicar editorial criticando Lula sem tocar no fato de que FHC foi merecedor da mesma crítica.

Isso em nada atenuará meu olhar crítico e atento sobre a imprensa. É bom que fique claro.

A carta (Folha, 11/10/2004)

Painel do Leitor

‘A multa imposta ao presidente Lula por ter pedido votos para Marta Suplicy durante a inauguração de uma obra pública institui duas leis eleitorais no país: uma para o PT e outra para o PSDB. Em 2000, durante a inauguração de uma obra pública (‘FHC visita obra citada por Alckmin na TV’, 24/9), o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso também pediu votos para o então candidato tucano a prefeito – e hoje governador de São Paulo – Geraldo Alckmin. E nada aconteceu.’ Eduardo Guimarães (São Paulo, SP)

A matéria sobre FHC (Folha, 24/9/2000)

Autor: PATRICIA ZORZAN; FLÁVIA DE LEON

Origem do texto: Da Reportagem Local

Editoria: BRASIL Página: A13

Edição: Nacional Sep 24, 2000

Legenda Foto: Fernando Henrique Cardoso visita trecho do Rodoanel, acompanhado de trabalhadores da obra. Crédito Foto: Eduardo Knapp/Folha Imagem

Observações: ELEIÇÕES; COM SUB-RETRANCAS

Vinheta/Chapéu: SÃO PAULO

Exibido no horário eleitoral do candidato tucano, empreendimento é custeado pelos governos federal e estadual e teve vistoria feita a uma semana da eleição

FHC visita obra citada por Alckmin na TV

Patricia Zorzan

Da reportagem local

A uma semana da eleição municipal, o presidente Fernando Henrique Cardoso vistoriou ontem uma das principais obras do governo do Estado de São Paulo, explorada na TV pelo candidato de seu partido à prefeitura, Geraldo Alckmin (PSDB). Durante a visita ao Rodoanel Metropolitano, declarou seu voto no tucano.

O presidente, que veio a São Paulo especialmente para o evento, disse esperar que Alckmin ganhe a disputa, mas afirmou que não ‘perseguirá’ o vencedor, caso ele pertença a outra legenda. ‘Gostaria que ele ganhasse aqui porque sou do PSDB e vou votar nele. Agora eu não vim por isso. Ando o Brasil inteiro e continuarei andando independentemente de candidaturas’, declarou FHC.

O rodoanel vem sendo citado no horário eleitoral gratuito do PSDB, como ocorreu anteontem, véspera da visita. Segundo o próprio Alckmin, vice-governador licenciado, a obra teve seu contrato firmado no período em que o candidato tucano ocupava, interinamente, o cargo de governador do Estado. O presidente afirmou, entretanto, não saber avaliar se sua presença na capital poderia ajudar seu candidato.

‘Na democracia, as pessoas não se influenciam porque alguém disse isso ou aquilo. O eleitor tem capacidade de julgamento. Se quiser votar em alguém, vai votar independentemente de eu querer ou não. Posso até não gostar do voto no conjunto, mas tenho de respeitar’, declarou FHC.

Segundo a Folha apurou, já fazia parte dos planos do presidente reafirmar sua intenção de votar em Alckmin. O candidato não compareceu ao evento. Durante toda a campanha, o tucano foi acusado por seus adversários de tentar esconder sua ligação política com os governos estadual e federal.

Antes do início da campanha, havia a previsão de que FHC não participaria das eleições para evitar atritos com os partidos da base aliada – PMDB, PFL e PPB. Apenas declararia seu apoio a Alckmin por votar em São Paulo.

O presidente acabou, entretanto, cedendo a um pedido do deputado federal Ronaldo Cezar Coelho, candidato do PSDB à Prefeitura do Rio de Janeiro, para participar de seu programa na TV. A presença de FHC, no entanto, não o auxiliou. Segundo o Datafolha, Coelho tem apenas 2%.

Obra

De custo total estimado em R$ 3,2 bilhões, o contrato do rodoanel prevê que 50% do valor seja pago pelo governo paulista e o restante dividido entre a União e a prefeitura da capital. Mas, de acordo com informações do Estado, o município até agora não contribuiu em nada com os R$ 324 milhões já investidos. Desse total, 246 milhões foram aplicados pelo governo paulista e R$ 78 milhões, pela União.

De acordo com o Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S/A), foram gastos R$ 6.000 na preparação da vistoria, que teve a duração de pouco menos de uma hora. O valor, afirma a empresa, teria sido custeado pelo Dersa e pela empreiteira encarregada da obra.

Cinco placas com inscrições do ‘Avança Brasil’ – programa de obras do governo federal –, e do governo de São Paulo decoravam o local da visita. Depois do rodoanel, FHC e Covas decidiram visitar a estação Cidade Jardim da CPTM – evento que o governo do Estado tentou incluir durante a semana na agenda presidencial, mas que não constava da programação.

Presidente e governador seguiram de carro até a estação Cidade Jardim e, por volta das 13h10, tomaram uma das composições até a Cidade Universitária. A comitiva entrou em um vagão com outros passageiros, acompanhada de seguranças, mas os jornalistas foram impedidos de acompanhar. Segundo a assessoria da Presidência, FHC conversou com passageiros.

Colaborou FLÁVIA DE LEON, da Reportagem Local

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