Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Mídia apressada segue em frente

Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.


A crise política começou em maio com aquela imagem inesquecível de um diretor dos Correios embolsando uma propina de 3 mil reais. A cena transformou-se num ícone da corrupção. Ontem, um delegado da Polícia Federal produziu outro símbolo nacional, desta vez, sonoro. Pressionado pela imprensa a respeito do inquérito para apurar a quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo, o servidor público saiu-se com esta pérola: ‘Calma, gente, isso aqui é Brasil’.


Mesmo que acabe em pizza, a presente crise tem o mérito de enriquecer a simbologia nacional com duas preciosidades. Este caso do caseiro Francenildo deixou muito mal o governo, a Polícia Federal e a Caixa Econômica. Mas a imprensa, como sempre, tem a sua parcela de culpa. A revista Época, privilegiada com o vazamento da Polícia Federal, deveria ter pensado duas vezes antes de divulgar ilegalmente o extrato bancário de um inocente. Reconheçamos: pedir que a imprensa pense duas vezes é pedir muito; se Época pensasse pelo menos uma vez não teria sido cúmplice na tentativa de linchamento de uma testemunha-chave.


A série de denúncias do jornal O Globo sobre a farsa das 1.000 obras do governo Garotinho é um belo exemplo do que a imprensa é capaz de fazer quando resolve investir em qualidade jornalística. Com este tipo de vigilância da imprensa não teríamos tantos trambiques políticos.


Praticamente evaporou-se da mídia o caso das armas roubadas de um quartel no Rio de Janeiro, e a reação do Exército para recuperá-las. A imprensa não fala mais no assunto, embora o roubo tenha acontecido no início do mês e a recuperação das armas tenha ocorrido na semana passada. A mídia não tem tempo para esmiuçar o que acontece, segue em frente, é a praxe. Mas este Observatório tem obrigação de passar a limpo certos episódios, sobretudo quando dizem respeito à imprensa.


Quando a tropa do Exército iniciou a intervenção federal nas favelas, os jornais cariocas, refletindo o sentimento de seus leitores, ficou maciçamente a favor. Mas a mídia paulista de alcance nacional ficou dividida. O leitor paulista confortavelmente situado a 400 quilômetros de distância pode passar anos sem se defrontar com as realidades produzidas pela hegemonia do narcotráfico. As favelas paulistas estão na periferia e, como o próprio nome diz, periferia é uma região distante do centro urbano.


Em compensação, quando as armas foram magicamente recuperadas, a imprensa carioca não soube duvidar da versão do Exército, preferiu acreditar que a localização deveu-se ao trabalho do setor de inteligência. É muito bom ver a mídia diversificada, ruim é perceber que sua visão é paroquial.