Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Mídia chinesa demora a reconhecer magnitude do terremoto

Leia abaixo a seleção de terça-feira para a seção Entre Aspas.


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Folha de S. Paulo


Terça-feira, 13 de maio de 2008


DESASTRE
Raul Juste Lores


Terremoto mata ao menos 10 mil na China


‘O maior terremoto na China em 32 anos matou 9.219, segundo o mais recente balanço do governo, divulgado pela agência oficial de notícias chinesa Xinhua. O número de vítimas pode crescer bastante, pois áreas afetadas ficaram sem comunicação telefônica. Segundo a agência, 10.000 pessoas ficaram soterradas em uma única cidade, Mianzhu, na Província de Sichuan.


O terremoto, que atingiu 7,8 graus na escala Richter, aconteceu às 14h28 (hora local, 3h28 de Brasília) e teve seu epicentro em Sichuan, no sudoeste do país. Mas foi sentido em Pequim, a 1.500 km de distância, e até em Taiwan, na Tailândia e no Vietnã.


Duas grandes escolas, uma com cerca de 900 alunos em Dujiangyan e outra com 1.000 em Beichuan, desabaram. Um hospital também foi destruído, assim como 80% dos prédios do condado de Wenchuan.


A Província de Sichuan foi a mais atingida, segundo a Xinhua. Mas houve mortos em outras Províncias: 61 em Shaanxi, 48 em Gansu e 50 na região metropolitana de Chongqing (a mais populosa da China, com 31 milhões de pessoas), a 300 km do epicentro.


O primeiro-ministro, Wen Jiabao, que viajou a Sichuan para liderar os resgates, pediu ‘calma e confiança ao povo chinês e eficiência na organização do resgate’, e disse que o terremoto era um ‘desastre severo’.


Milhões afetados


O epicentro foi no condado rural de Wenchuan, de pouco mais de 100 mil habitantes, espalhados por áreas desabitadas, onde parte da população é de origem tibetana.


A agência oficial de notícias relatou que uma equipe de resgate que se dirigia ao local teve que interromper sua viagem a 90 km do destino porque as estradas dessa zona estão inutilizáveis. ‘Fazemos o que podemos, mas as estradas estão cobertas de pedras e rochas’, disse à Xinhua o chefe da equipe.


O primeiro contato com Wenchuan aconteceu 11 horas após o desastre. Por um telefone via satélite, o secretário local do Partido Comunista, Wang Bin, avisou: ‘Precisamos urgentemente de barracas, comida, medicamentos e equipamento para comunicação por satélite. Também precisamos de médicos para salvar as pessoas feridas’.


Ainda não há informação sobre mortos e feridos em Yingxiu, Wolong e Xuankou, povoados localizados no epicentro do tremor. Até agora, a cidade mais atingida é Beichuan, onde 7.000 morreram. Em Mianzhu foram confirmadas 1.500 mortes -o número deve aumentar com a remoção dos escombros.


O Exército está mobilizado para comandar as operações de resgate e a distribuição de donativos. Mais de 30 trens de passageiros e 140 de carga foram parados por conta da destruição de trilhos e de pontes.


Wenchuan é muito conhecida na China por abrigar a maior reserva do mundo de pandas -animal em extinção que é símbolo do país. Wolong, o maior centro para reprodução em cativeiro da espécie, fica ali.


Outros lugares


Mesmo na distante Pequim, os tremores foram sentidos por toda a cidade. Em Chaoyang, centro financeiro, milhares de pessoas deixaram seus escritórios e se aglomeraram nas calçadas por mais de uma hora, temendo novo tremor.


‘Fiquei enjoada, foram segundos em que fiquei tonta, vi tudo balançar’, disse à Folha Zhang Xiao Qing, gerente de um restaurante em Chaoyang.


O terremoto de ontem é o pior a atingir a China nos últimos 32 anos. Em 27 de julho de 1976, um sismo com epicentro em Tangshan matou 242 mil pessoas no norte do país.


Com agências internacionais’


 


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Propaganda chinesa resiste a terremoto


‘A capital chinesa é tão barulhenta e trepidante que, quando senti minha mesa e minha cadeira balançarem, pensei que havia alguma obra mais radical no prédio. Abri a janela do meu escritório atrás de alguma britadeira ou algum guindaste novo.


Como o chão continuou a tremer, não tive dúvidas. No ano passado, estive em Pisco, no Peru, e vivi três tremores acima de 6,5 pontos na escala Richter. A sensação é a mesma.


Só que, no Peru, eu estava no meio da rua. Eu me afastei das casas já destruídas e só temi que a multidão me atropelasse.


Em Pequim, no 12º andar, não foi tão fácil. Ao contrário de um incêndio, você não sabe se vale a pena correr e como correr durante um tremor. Fiquei paralisado, meio tonto, por alguns minutos.


Ao voltar para a janela, vi surgir uma pequena multidão que deixava bancos, restaurantes e um shopping center que ficam bem na frente do prédio.


Aí decidi descer e peguei o elevador sem medo. Comecei a perguntar aos chineses que se protegiam na calçada, fora de seus prédios, o que sentiram, como reagiram. Descobri que o pânico é o mesmo, até para veteranos de terremotos.


Mas muitos jovens não quiseram conversar comigo. Um bancário ficou bravo. ‘Nem terremoto vai prejudicar a nossa Olimpíada. Você vai escrever que tem terremotos na China e isso vai pegar mal para o meu país.’ A propaganda chinesa resiste a terremotos.’


 


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Mídia chinesa demora a dar importância ao desastre


‘O governo chinês demorou a reconhecer a dimensão do desastre de ontem. Na primeira hora, a mídia estatal chinesa praticamente ignorou o assunto. Em uma ditadura onde tudo é tão controlado e que ama a burocracia, os jornalistas da Xinhua, agência estatal, provavelmente esperavam autorização ‘de cima’ para poder dar notícias sobre o terremoto que matou quase 10 mil pessoas.


O sismo mereceu apenas dois minutos de cobertura no principal telejornal do país, na CCTV, às 19h (8h de Brasília), praticamente sem cenas da região do terremoto, mais de quatro horas depois do ocorrido.


Apenas a partir das 21h, a TV estatal começou uma programação especial, admitindo as milhares de mortes e entrevistando especialistas que explicavam como acontecem os tremores de terra.


A operação governamental, ao contrário da midiática, foi rápida, e, no final da tarde, o primeiro-ministro Wen Jiabao já estava na região mais devastada. De Dujianqyan, a 159 km do epicentro do terremoto, uma das cidades mais abaladas, Jiabao disse: ‘A situação é pior do que havíamos estimado previamente. Precisamos de mais gente ajudando’.


O presidente Hu Jintao determinou aos governantes das Províncias que agir para paliar as conseqüências do terremoto deve ser a sua prioridade nos próximos dias. Além disso, alertou para que eles tomem medidas para evitar estragos após possíveis tremores secundários.


Olimpíada


Uma das principais preocupações do governo chinês era dissipar temores de que algo similar possa ocorrer durante os Jogos Olímpicos de Pequim, em agosto -já alvo de preocupações pelos protestos surgidos após a repressão a monges tibetanos em março.


A Xinhua divulgou um despacho com previsão feita pelo escritório sismológico da China, segundo o qual tremores como o de ontem não voltarão a ocorrer no país ‘em um futuro próximo’. O organismo disse que reforçou o monitoramento de terremotos.


Críticas à resposta do governo e à falta de informação na mídia, surgidas na internet, foram apagadas durante a noite. A censura continuou trabalhando.


Com agências internacionais’


 


ARTUR DA TÁVOLA
Carlos Heitor Cony


Paulo Alberto


‘RIO DE JANEIRO – Ao voltar do exílio e tentar ressuscitar seu antigo partido, Leonel Brizola ficou triste ao saber que Artur da Távola faria parte dos dissidentes do PMDB que iriam formar o PSDB. E teve uma de suas frases típicas: ‘O Artur da Távola é deles, o Paulo Alberto ainda é nosso’.


O cenário político havia mudado. Era importante que Paulo Alberto Monteiro de Barros, com sua formação humanística, seu caráter, seu poder de comunicação, tentasse novo caminho, levando para onde fosse a sua visão de mundo, na qual a política podia ser importante, mas não era predominante.


Não houve dualidade na existência de um Paulo Alberto e de um Artur da Távola. Mantinham e souberam manter até o fim o compromisso com a dignidade e com a cultura. Teve sucesso como político, foi deputado, senador, presidente de partido. Curtiu o exílio -sua mãe me telefonou um dia, pedindo que republicasse no ‘Correio da Manhã’ uma crônica minha que ele levara na bagagem apressada e perdera. Uma crônica inocente, sobre os escombros de junho, os balões, as bandeirinhas de são João, as rodinhas espetadas no cabo da vassoura, devorando-se a si mesmas. Pela primeira e única vez, dediquei uma crônica a alguém: ‘A Paulo Alberto, no exílio’.


A admiração que tinha por ele chegou ao perigoso nível de envergonhado ciúme quando recebi o livro que escreveu sobre Ravel. Fora um dos meus projetos fracassados. Tudo o que desejava dizer, ele dissera. Sua cultura musical me fascinava. Certa vez, ao me entrevistar, notou a dificuldade que tive em lembrar a letra de um velho samba de Geraldo Pereira. Paulo Alberto sabia-o de cor -mas o programa era sobre Mozart.


Ficamos mais pobres sem a presença dele, na TV e na vida.’


 


Rubem Alves


Meu querido Artur da Távola


‘ONZE DE MAIO. Manhã luminosa de domingo. Fosse num domingo passado e eu estaria me preparando para encontrar-me com você no programa ‘Quem tem medo de música clássica’, na TV Senado, altar onde adoro meus deuses. Você era o sacerdote, era música.


Você sorria e convidava as crianças a se assentar e ouvir. Você era um mestre bondoso. Alguns pensam que música clássica é coisa para adultos esnobes. Você, ao contrário, sabia que até as crianças gostam dela. Num dos seus programas, você revelou que era ainda criança quando pela primeira vez a música clássica o assombrou -foi a ‘Rapsódia Húngara nº 2’, de Liszt. E, desde então, você não parou mais de se assombrar.


Faz alguns domingos você já estava diante do ‘Grande Mistério’, fiquei sabendo depois. O programa foi a repetição de um programa antigo. Lá estava você cheio de vida exercendo a função que mais amava, a de mestre de música clássica. Você acreditava que a música clássica, além de nos dar a alegria da beleza, tinha também o poder de produzir a bondade. Ouvindo música, a alma fica mais mansa. E você sorria aquele sorriso aberto ao explicar as coisas mais simples, o fagote, o pífaro, as cordas, o contraponto. Mais que uma experiência estética, era uma magia: você ficava inteiro possuído pela música, o que aparecia evidente no seu rosto, nos seus olhos -que vagavam pelo espaço à procura de palavras para dizer o indizível.


O seu coração estava cansado. Não conseguia bater com forças próprias. Então você, numa decisão de feiticeiro, escolheu a 5ª Sinfonia de Beethoven. Ah! A 5ª Sinfonia, que se inicia com aqueles quatro acordes tremendos. Os entendidos dizem que esses quatro acordes são o ‘destino que bate à porta’. De fato, naquele momento o destino estava batendo à sua porta… Talvez você imaginasse que o seu coração poderia ser ressuscitado pela força daqueles quatro acordes de força insuperável. E, depois dos quatro acordes, o coração se enchia de vida, a música se acelerava, corria, galopava…


Foi assim que eu sempre o vi: corpo e alma identificados com a beleza da música. Mas os olhos não vêem a mesma coisa. William Blake, num aforismo, disse que ‘o tolo não vê a mesma árvore que o sábio vê’. E Bernardo Soares explica por que: ‘O que vemos não é o que vemos, é o que somos’. Eu o vi com o que sou, olhos de quem ama a música. Mas alguns o vêem com olhos diferentes, também verdadeiros, e você aparece então como político integro, crítico de televisão, jornalista.


Li com atenção o material que a Folha lhe dedicou (10 de maio, A-14). Não sei se você, de onde está, o leu também. Eu o procurei no meio das palavras. Sabe que a palavra ‘música’ não aparece mencionada nem uma vez? Achei isso um esquecimento lamentável. Eles se lembraram do que você era como guerreiro, sempre em luta pela justiça. O que é muito bom. Mas se esqueceram de que, na sua utopia, a única função da política é abrir espaço para a beleza.


Quanto a mim, eu me lembrarei sempre de você sorridente e feliz ao final do programa, quando você dava sua última lição, como se fosse um mantra ao final de uma liturgia sagrada: ‘Música é vida interior. E quem tem vida interior jamais padecerá de solidão’.’


 


DENÚNCIA
Rodrigo Vargas


Governo Zeca pagava propina, diz Promotoria


‘Um esquema de propina foi operado nos dois últimos anos do governo de José Orcírio Miranda dos Santos, o Zeca do PT (1999-2006), em Mato Grosso do Sul, segundo o Ministério Público Estadual. Os pagamentos beneficiaram empresários, servidores públicos, jornalistas, radialistas e um dirigente do PT no Estado com repasses ilegais de dinheiro público.


A denúncia está detalhada em quase 700 páginas de seis ações penais propostas pelo Ministério Público Estadual no início de março, que ainda não foram analisadas pela Justiça.


Por meio de quebras de sigilo bancário e a análise de 31 notas fiscais emitidas por uma empresa de publicidade, a Promotoria diz ter confirmado que o suposto esquema -que teria desviado cerca de R$ 30 milhões- também servia para destinar somas mensais a ‘pessoas de interesse da cúpula’ do governo estadual, o que levou a Promotoria a denominar o mecanismo de ‘mensalão’.


Entre os 33 ‘mensalistas’ citados nas ações estão o ex-presidente regional do PT Mariano Cabreira, a empresária Mara Lúcia Freitas Silvestre, concunhada do ex-governador, e Nélcia Rita Cardoso Andrade Franco, que em 2006 trabalhou como apresentadora nos programas de TV da campanha à reeleição do presidente Lula.


A investigação seguiu a trilha de R$ 1.528.704,87 em pagamentos feitos pela Secretaria de Comunicação à agência de publicidade Art&Traço Publicidade e Assessoria Ltda., de Francisco Saturnino de Lacerda Filho e de sua mulher, Sônia Maria Cury de Lacerda.


Oficialmente, o dinheiro foi repassado à empresa para pagar serviços diversos, como produção de cartilhas, folders e materiais publicitários de campanhas. Na prática, segundo a Promotoria, não havia serviço nenhum: uma das encomendas, segundo a denúncia, dizia respeito a materiais de uma campanha que, à época da contratação, já havia terminado.


Todos os serviços foram pagos com base em notas emitidas por uma filial da gráfica Sergraph, do empresário Hugo Sérgio Siqueira Borges, de Uberaba (MG). Após diligências na cidade, a Promotoria concluiu que a filial não existia: ‘As notas são frias’, disse a promotora Jiskia Sandri Trentin, do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado, que coordena as investigações.


Dos valores repassados pelo governo à agência, 15% ficavam de fato com a empresa. A comissão também era paga à gráfica, em percentuais que variavam de 12% a 17%. ‘O valor restante, por sua vez, era depositado nas contas correntes de funcionários públicos que recebiam complementação salarial, ou de profissionais da imprensa que também eram gratificados para atender os interesses do governo, ou de pessoas que eram do interesse da cúpula’, afirma a denúncia.


Segundo Trentin, a quebra do sigilo bancário da empresa confirmou as suspeitas levantadas pela testemunha-chave, Ivanete Leite Martins, ex-funcionária da Secretaria de Governo. ‘Encontramos saques em dinheiro, cheques da empresa e depósitos diretos nas contas de beneficiários ou de seus parentes’, afirmou.


Os valores e o número de envolvidos podem crescer, pois a Art&Traço é apenas uma das nove agências investigadas sob suspeita de participação na trama. Segundo a promotora, as investigações indicam que havia uma espécie de rodízio entre as empresas: ‘A fonte dos pagamentos era alternada. O certo é que, tão logo os repasses do governo eram liberados, o dinheiro seguia das agências para as mãos dos mensalistas’.


Justiça


Ao todo, oito ações penais foram propostas contra Zeca do PT e outros suspeitos de envolvimento no suposto esquema. As duas primeiras foram trancadas pelo Tribunal de Justiça no julgamento de um habeas corpus proposto pela defesa do ex-governador: o entendimento foi o de que a Promotoria não tem competência para produzir provas em inquérito, trabalho que competiria à polícia.


Das seis ações restantes, em duas houve despacho do juiz encarregado para que se aguarde a publicação do acórdão referente ao trancamento, antes de uma decisão pela acolhida ou não das denúncias. No caso das outras quatro ações, os magistrados ainda não tomaram nenhuma decisão.’


 


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Esquema beneficiou petista e jornalistas, afirma Promotoria


‘Em 8 de novembro de 2005, a Art&Traço depositou um cheque de R$ 10 mil na conta do ex-dirigente petista Mariano Cabreira. O pagamento, segundo a Promotoria, foi feito no dia seguinte à liberação, pelo governo, de R$ 13.828,78 referentes a um dos serviços supostamente prestados pela agência Art&Traço. ‘[Cabreira] era beneficiado com R$ 10 mil mensais, oriundos de recursos levantados com a ‘compra’ de notas fiscais’, diz a denúncia.


Entre os jornalistas que o Ministério Público Estadual aponta como beneficiados do esquema, estão ex-assessores de imprensa do governo e outros que, segundo a Promotoria, ganhavam para ‘divulgar matérias de interesse do governador’ em jornais e rádios. Um deles, Eduardo Ribeiro de Carvalho, recebeu, segundo a Promotoria, R$ 5.000 para ‘divulgar uma matéria’ omitindo ‘detalhes que prejudicariam a imagem do ex-governador’.


Cipriano Dias, dono de uma rádio comunitária em Porto Murtinho -terra natal de Zeca do PT-, recebia, segundo a denúncia, R$ 1.000 mensais para ‘divulgar matérias de interesse do governador’. O Ministério Público cita duas transferências on-line, nesse valor, feitas pela Art&Traço para a conta corrente dele em setembro e outubro de 2006, dias após o pagamento de dois serviços classificados como fictícios.


Concunhada de Zeca, a empresária Mara Lúcia Freitas Silvestre mantinha um programa de variedades em uma emissora de televisão de Campo Grande. Segundo a Promotoria, ela recebia em torno de R$ 10 mil por mês. A quebra do sigilo bancário revelou que, entre março de 2005 e setembro de 2006, ela recebeu R$ 47 mil repassados pela Art&Traço.


O empresário André Luiz Calarge Zahran, dono da produtora responsável pelo programa de Mara Silvestre, recebia R$ 25 mil do esquema ilegal, conforme a denúncia.


A apresentadora Nélcia Rita Cardoso Andrade Franco, que participou dos programas de TV da campanha à reeleição de Lula em 2006, é citada na denúncia junto com o marido, o fotógrafo Luiz Ernesto Cáceres Franco. Entre julho de 2005 e setembro de 2006, eles receberam R$ 48 mil da Art&Traço, montante que a denúncia qualifica como ‘proveniente de caixa dois’. O casal venceu uma licitação para prestar serviços de cobertura fotográfica ao governo e, além do valor contratual de R$ 6.000, recebia um ‘complemento’ de R$ 17 mil por meio de um ‘acordo de gabinete’, diz a Promotoria.’


 


TODA MÍDIA
Nelson de Sá


É a economia


‘Logo abaixo das fotos de chineses ensangüentados, a home do ‘Wall Street Journal’, como outras de EUA e Europa, deu o impacto na economia, ‘muito menor que a tempestade de neve’, meses atrás.


De sua parte, no pouco que postou além da tragédia, a agência chinesa Xinhua adiantou o encontro nesta semana dos quatro Brics, o primeiro de Brasil, Rússia, Índia e China convocado exclusivamente, com foco em economia. Assim como a indiana PTI e a Agência Brasil, a Xinhua deu ainda a reunião de chanceleres do Ibsa, acrônimo para Índia, Brasil e África do Sul, em meio a operações navais conjuntas.


GUATEMALA?


O ‘Financial Times’, que deu o suposto ‘esforço’ da China para comprar terras para agricultura na América do Sul, adiantou ontem seu editorial ‘Investimento em comida, não imperialismo’ -citando o golpe de 1954 na Guatemala, ‘apoiado pela CIA, em favor da United Fruit’, mencionando também o Brasil como alvo da China, mas dizendo que um investimento externo não seria problema, desde que respeitada a ‘soberania’.


A revista ‘US News’, por outro lado, proclamou o Brasil como ‘potência de comida no mundo faminto’.


‘PERIGOSA COMO QUALQUER CIDADE’


O ‘Observer’ foi a Port-au-Prince dar ‘novas estatísticas’ e ouvir da força de paz, liderada pelo Brasil, que a imagem violenta do Haiti é ‘mito ultrapassado’. Graças em parte ao Viva Rio, que levou para lá sua experiência em favelas


OUTRA AMÉRICA LATINA


Em novos textos estimulados pelo grau de investimento do Brasil, o site do ‘WSJ’ deu ontem a análise ‘Dívida da América Latina não assusta mais os investidores’. E o site da Americas Society, uma organização (‘think tank’) que reflete a política americana para o hemisfério, produziu longo relato avaliando que os países latino-americanos ‘desafiam a retração’ nos EUA e ‘descolam’.


ACORDAR E TROPEÇAR


Raymond Colitt, correspondente da agência Reuters no Brasil, produziu ontem a longa reportagem ‘Brasil, o gigante adormecido, acorda, mas pode tropeçar’. Saúda a ‘forte liderança global’, mas avisa que o país continua carregando o peso de ‘um Estado inchado e de problemas sociais assombrosos’.


O TEMOR AMERICANO


Na manchete de ontem do ‘Washington Post’, que ecoa regularmente o Departamento de Estado, o ‘temor’ de que a capacitação em energia nuclear ‘do Golfo Pérsico à América Latina’, Brasil inclusive, possa abrir ‘nova corrida armamentista’. É o que diz um ‘funcionário sênior dos EUA’, sem nome.


MILHO VS. CANA


O ‘New York Times’ publicou o editorial ‘Repensando o etanol’, cobrando mudanças nos subsídios ao álcool de milho produzido nos EUA. Nele, questiona seguidamente o milho, mas não menciona a cana. Já o canadense ‘Globe and Mail’ deu a coluna ‘É hora de matar os subsídios ao milho e aceitar o Brasil’ (go Brazilian).


De outra parte, a agência Ansa e outras ecoaram notícia do ‘Valor’, de que a reunião entre o chanceler Celso Amorim e a representante comercial dos EUA, Susan Schwab, hoje e amanhã em Roma, vai negociar a tarifa imposta sobre o etanol importado do Brasil.’


 


JORNALISMO
Folha de S. Paulo


Cobertura internacional é tema de aula


‘O trabalho do enviado especial -repórter que é mandado a outra cidade para realizar uma cobertura- é o tema da terceira palestra deste ano na Cátedra de Jornalismo Octavio Frias de Oliveira, criada em 2002 pelo Centro Universitário Alcântara Machado (UniFiam-Faam) em homenagem ao publisher da Folha, morto em 2007, aos 94 anos.


O palestrante será o editor-adjunto de Esporte, Fábio Seixas, que cobriu como enviado especial mais de 120 corridas de Fórmula 1, entre 1999 e 2006, além das Olimpíadas de Sydney (2000) e Atenas (2004). O evento acontece amanhã, às 10h, no auditório Ulysses Guimarães (rua Taguá, 150, Liberdade, São Paulo).


Para participar é preciso enviar e-mail à Coordenação de Jornalismo (jornalismo@fiamfaam.br) com nome, telefone e faculdade/empresa/instituição a que pertencem.


A programação completa de palestras pode ser vista no site: www.portal.fiamfaam.br/graduacao/jornalismo/ler.asp?pg=catedra.’


 


INTERNET
Lívia Marra


Controlador de vôo cumpre nova prisão por mensagem no Orkut


‘O suboficial Moisés Gomes de Almeida, vice-presidente da Febracta (Federação Brasileira das Associações de Controladores de Tráfego Aéreo), começou a cumprir ontem uma nova prisão disciplinar por ter publicado no site de relacionamentos Orkut textos que contestavam decisões da Aeronáutica e que convocava os colegas a manterem apoio às associações.


Publicadas em agosto do ano passado, as mensagens já foram retiradas do site. Uma delas pedia união da categoria, ainda que as detenções fossem o preço por refutar as decisões dos superiores. Almeida deve ficar preso até 27 de maio.


Em junho do ano passado, o controlador cumpriu dez dias de detenção por ter dado declarações à imprensa sobre a crise aérea. De acordo com a Aeronáutica, militares precisam de autorização para falar a qualquer veículo de comunicação.


A entrevista e as mensagens postadas na internet foram consideradas crime de insubordinação, e a prisão está prevista no Código Militar. A defesa do militar deve recorrer da decisão.


Outro lado


Procurada, a Aeronáutica informou que não se manifestaria sobre o caso, por considerar que a medida está dentro do regulamento.


Outros líderes da categoria também sofreram punições -com detenções ou afastamento- desde o início da crise aérea.


Controladores ouvidos pela reportagem voltaram a denunciar os mesmos problemas relatados desde o acidente com o vôo 1907 da Gol, ocorrido em setembro de 2006 e que desencadeou uma crise no setor.


Eles reclamam da pressão imposta pela hierarquia militar e apontam falhas em equipamentos de algumas regiões.’


 


TELEVISÃO
Daniel Castro


Globo reforça vigilância sobre afiliadas


‘A partir do próximo dia 1º, a Globo terá sete profissionais monitorando os telejornais locais de suas 116 afiliadas em todo o país. Normalmente, esse trabalho é feito por duas pessoas e visa, principalmente, verificar se as TVs parceiras estão mantendo o padrão de qualidade ditado pela cabeça-de-rede.


De junho a outubro, no entanto, o alvo do controle de qualidade da Globo serão as eleições municipais. A vigilância é uma forma de impedir que suas afiliadas apóiem determinado candidato ou façam campanha contra outros.


Neste ano, a vigilância da Globo será maior em municípios onde donos ou sócios de suas afiliadas estão envolvidos em campanha política. É o caso, por exemplo, da TV Panorama, de Juiz de Fora (MG). Omar Peres, um de seus donos, já anunciou em seu blog e na própria TV que será candidato a prefeito de Juiz de Fora, pelo PV. Segundo a Globo, Peres já se afastou da direção da TV Panorama. A família que controla a Globo de Uberlândia (MG) também deverá ter candidato.


O controle sobre a programação local de 20 afiliadas da Globo é feito via internet, quase em tempo real. Essas emissoras colocam seus telejornais em um site ao qual só os profissionais da Globo têm acesso.


As demais afiliadas enviam cópias de seus telejornais diariamente para o controle de qualidade. A avaliação é feita aleatoriamente e sob denúncia.


CAMPEÃO 1 A estréia do Corinthians na Série B do Campeonato Brasileiro deu mais audiência à Globo do que a do Palmeiras na Série A, no domingo. Foram 20 pontos do alvinegro, contra 19 do rival. No sábado anterior, com filme, a Globo marcou 16.


CAMPEÃO 2 O Corinthians e o frio elevaram o patamar de televisores ligados na faixa das 16h às 18h dos sábados. Esse índice, de 46% no dia 3, subiu para 54%, um ponto percentual a mais do que o horário do futebol no domingo. O jogo do Corinthians na Rede TV! marcou 4 pontos.


MELHOROU Mesmo com a concorrência do Corinthians, ‘O Melhor do Brasil’ (Record), agora com Rodrigo Faro, registrou 12 pontos, seu recorde de audiência.


REPETECO A entrevista de Ana Carolina Oliveira, mãe de Isabella, deu pico de 43 pontos ao ‘Fantático’ e ajudou o programa a marcar 33 de média. A média é a mesma, mas o pico foi maior do que o da entrevista do pai e da madrasta da menina, três semanas antes. O ‘Fantástico’ já viveu Dias das Mães melhores. No de 2006, a média foi de 36.


COTOVELO Nos bastidores do jornalismo da Record, ontem, o comentário era de que Xuxa ajudou a Globo a conseguir a entrevista com Ana Carolina Oliveira, o que a emissora nega. Xuxa e Ana Carolina estariam articulando a criação de uma ONG.


FOICES Por R$ 5.000 a mais, a Globo impediu que Débora Duarte fechasse com a Record’


 


CANNES
Amir Labaki


Mitos do esporte e do cinema se destacam nos documentários


‘Apenas um documentário concorre à Palma de Ouro do 61º Festival de Cinema de Cannes, que começa amanhã com ‘Ensaio sobre a Cegueira’, de Fernando Meirelles. E é um ‘animadoc’, ou um documentário de animação, à moda do concorrente não-ficcional do ano passado, ‘Persépolis’, de Marjane Satrapi e Vincent Paronnaud. ‘Waltz with Bashir’ (valsa com Bashir), de Ari Folman, trata da invasão israelense ao Líbano em 1982.


O trágico cenário de outro conflito israelense-libanês, o de 2006, está num dos concorrentes do ciclo paralelo Um Certo Olhar. Em ‘Je Veux Voir’ (eu quero ver), do casal de realizadores libaneses Khalil Joreige e Joana Hadjithomas, acompanhamos uma visita de Catherine Deneuve à Beirute novamente semidestruída.


As tensões no mundo árabe pautam ainda o francês ‘C’est dur d’être Aimé par des Cons’ (é duro ser querido por idiotas), do estreante Daniel Leconte, selecionado entre as projeções especiais fora de concurso. Leconte faz um balanço da polêmica provocada na França pela publicação de caricaturas de Maomé -uma blasfêmia para os muçulmanos- pelo semanário satírico ‘Charlie Hebdo’.


Dois mitos do esporte do final do século 20 ganham retratos por cineastas tarimbados. Concorrendo na mostra Um Certo Olhar, o diretor americano James Toback reconstitui a ascensão e queda do último demolidor dos pesos-pesados em ‘Tyson’. Fora de competição, finalmente estréia ‘Maradona por Kusturica’. Projeto do bósnio Emir Kusturica (já ganhador de duas Palmas de Ouro) que vem desde 2004, é um grande panorama da vida do jogador argentino.


Polanski


Como se tornou tradição nos cinco anos de curadoria renovadora de Thierry Frémaux, o próprio cinema é tema de vários títulos não-ficcionais. Lançado com sucesso no último Festival de Sundance, o ‘hors concours’ ‘Roman Polanski: Wanted and Desired’ (Roman Polanski, procurado e desejado), de Marina Zenovich, enfoca o processo por sedução de menor que em 1977 levou o diretor polonês a fugir dos EUA.


Dentro do ciclo Cannes Classics, a mostra Documentários sobre Cinema apresenta três produções inéditas. O crítico americano Richard Schickel lança sua homenagem aos 85 anos da Warner em ‘You Must Remember This’, título que remete à canção-tema de um dos maiores clássicos do estúdio hollywoodiano, ‘Casablanca’.


A amizade de dois diretores de fotografia de origem húngara que marcaram a Hollywood dos anos 70 é lembrada em ‘No Subtitles Necessary: Laszlo & Vilmos’ (nenhuma legenda necessária: Laszlo Kovacs & Vilmos Szigmond), de James Chressanthis. A telessérie sobre bastidores das filmagens ‘Cinema, Cinemas’, realizada em 1982 por Claude Ventura, terá dois episódios exibidos.


Cem anos de Oliveira


Na próxima segunda-feira, o Palais de Cinéma homenageará o centésimo aniversário do diretor português Manoel de Oliveira com uma projeção especial de seu documentário curto de estréia, ‘Douro, Faina Fluvial’, de 1931.


Outro centenário, o do cineasta britânico David Lean (1908-1991), será lembrado pela exibição de filmes menos conhecidos, ‘This Happy Breed’ (1941) e ‘A História de uma Mulher’ (1949) e pelo documentário inédito ‘Era uma Vez à Lawrence da Arábia’, de Anne Kunvari.


No ciclo dedicado a títulos selecionados para o festival interrompido pelos eventos de 1968, Claude Lelouch apresenta o documentário que co-dirigiu com François Reichenbach sobre os Jogos Olímpicos de Inverno realizados em Grenoble, ‘13 Jours en France’. Entre os nove títulos que voltam à circulação em cópias novas e restauradas dentro da mostra Cannes Classics, Bruce Weber comemora na Croisette os 20 anos de seu retrato definitivo de Chet Baker, ‘Let’s Get Lost’.


Por fim, o cineasta britânico Terence Davies -afastado há oito anos das telas, desde a recepção fria a ‘A Essência da Palavra’- volta a Cannes, em sessão especial, com seu primeiro documentário, ‘Of Time and City’, sobre a cidade em que nasceu, Liverpool.’


 


 


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O Estado de S. Paulo


Terça-feira, 13 de maio de 2008


FUSÕES E AQUISIÇÕES
O Estado de S. Paulo


Newsday é vendido por US$ 650 milhões


‘O Grupo Cablevision chegou a um acordo para adquirir 97% do Newsday Media Group, que edita o jornal nova-iorquino Newsday, por meio de uma associação com o grupo Tribune, atual proprietário, em uma operação avaliada em US$ 650 milhões. O Grupo Tribune será proprietário dos 3% restantes.Segundo os termos do acordo, o Newsday foi avaliado em US$ 632 milhões, mas o grupo Tribune também receberá US$ 18 milhões como pré-pagamento do aluguel de várias propriedades utilizadas pelo jornal.’


 


LANÇAMENTO
O Estado de S. Paulo


Livro discute a economia do entretenimento


‘Será lançado hoje, às 20 h, na Livraria Saraiva do Shopping Paulista, o livro Economia da Cultura – a Indústria do Entretenimento e o Audiovisual no Brasil, de Alfredo Bertini (Editora Saraiva, R$ 49). No texto, o autor procura explicitar a presença cada vez mais marcante da indústria do entretenimento, em particular do audiovisual, na economia contemporânea. Sem demonizar a indústria cultural, o autor, no entanto, procura colocar-se de maneira crítica em relação ao desafio das nações em desenvolvimento como o Brasil: incorporar-se ao mundo global de maneira ativa sem por isso perder as suas características diferenciadoras.’


 


TELEVISÃO
Keila Jimenez


Série anti-Tropa


‘Um seriado anti-Tropa de Elite. Contrariando todas as especulações sobre o assunto, Marcílio de Moraes diz que entregou à Record um projeto de um seriado policial totalmente diferente do estilo ‘Capitão Nascimento’.


‘A idéia é retomar o universo ficcional de Vidas Opostas. A novela fez sucesso, não apenas de audiência. Ela também adquiriu prestígio entre crítica e imprensa’, fala Marcílio, que faz questão de deixar claro que não se inspirou no sucesso no filme. ‘A série não tem nada a ver com Tropa. A novela veio antes de o filme ser exibido. Além disso, tenho uma visão bastante crítica em relação a Tropa de Elite.’


Marcílio fez duras críticas ao longa de José Padilha no site da Associação do Roteirista de TV (ARTV), o www.ar.art.br. Lá, entre outras coisas, ele critica os métodos violentos utilizados pelo herói Capitão Nascimento (Wagner Moura) e diz que se os mesmos fossem generalizados, seria fascismo.


O autor não tem data de estréia para sua série, segue à espera da aprovação da Record, que quer colocá-la no ar em 2009. Marcelo Serrado e Heitor Martinez mostraram interesse no projeto.’


 


CINEMA
Luiz Carlos Merten


De ouvido no som de Blindness


‘Para ver as imagens de Ensaio sobre a Cegueira, que Fernando Meirelles adaptou do romance de José Saramago, será preciso esperar até amanhã, quando Blindness abre, oficialmente, o maior festival de cinema do mundo. Na quinta-feira passada, o repórter do Estado teve o gostinho de ‘ouvir’ Blindness, visitando o novo estúdio de som da Álamo, na Vila Madalena. Quem olha aquele muro alto não imagina que do outro lado esteja localizado o mais moderno estúdio de mixagem de som e dublagem do Brasil – ou, melhor, da América Latina.


É uma longa história que começou há 35 anos com Michael Stoll, técnico inglês importado para integrar a leva de técnicos e artistas que Alberto Cavalcanti garimpou do cinema da Inglaterra, como responsável artístico pelos estúdios da Vera Cruz, no fim dos anos 50. Com ele vieram o fotógrafo Chick Fowle e o montador Oswald Hoffenrichter, entre outros. Em 1972, Stoll fundou a Álamo, mas o estúdio nunca passou por uma revolução tão grande como a que ocorreu em dezembro passado.


A Álamo já era parceira da O2 Filmes em diversos filmes. Filho do fundador do estúdio, Alan Stoll é o primeiro a admitir que não tem o temperamento do pai, que era jogador e não temia arriscar, tendo criado assim a empresa que virou referência no País. ‘Fernando (Meirelles) fez o Blindness para um consórcio canadense/japonês. E ele queria fazer a mixagem de som no Brasil. Os canadenses vieram aqui para ver se isso seria viável e acharam que o estúdio não comportava um projeto daquela envergadura, embora já tivéssemos mixado o som de Tropa de Elite, O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias e 2 Filhos de Francisco. Impulsionados por eles, e com a garantia de que o som de Blindness seria feito aqui, fiz o que não costumo – arrisquei.’


Sem especificar o valor do investimento, Alan Stoll conta como investiu na nova configuração do estúdio que leva o nome de seu pai. A ‘repaginação’, termo que ele usa, consiste basicamente em outra forração para preservar a acústica e, mais importante, a criação de dois consoles. A inovação, inédita na América Latina, permite que dois técnicos trabalhem simultaneamente no mesmo projeto. As máquinas atuam sincronizadas, o que chega a representar uma economia de 30% a 40% no tempo empregado para a mixagem do som. Mesmo assim, foi preciso recorrer ao ‘jeitinho brasileiro’ e virar noites – ou, pelo menos, alongar a jornada de trabalho – para conseguir finalizar Blindness a tempo da exibição de gala de amanhã, em Cannes.


‘No exterior, as equipes obedecem a jornadas de trabalho muito específicas,. Não tem essa de ficar depois do expediente. Aqui, foi bacana porque todo mundo pegou junto, e isso inclui os técnicos estrangeiros’, diz Maria Inês Moane, diretora artística da Álamo. Quem está no console, nesta quinta-feira, é Armando Torres Jr.. Embora jovem, Armandinho já virou uma lenda e seu currículo ostenta desde a mixagem de Lavoura Arcaica, de Luiz Fernando Carvalho, e O Invasor, de Beto Brant, até a de Tropa de Elite, de José Padilha, que recebeu o Urso de Ouro no recente Festival de Berlim. Armandinho trabalha na mixagem do som de A Encarnação do Demônio, novo filme de José Mojica Marins e no estúdio está Miriam Biderman, considerada uma das maiores editoras de som do País. Miriam diz que o estúdio já era bom, mas ficou ainda melhor depois da repaginação. Ela é outra que mora ali dentro.


Na impossibilidade de mostrar as imagens de Blindness, levadas pela produção, Armandinho põe na máquina as gravações de diálogos em que se podem identificar as vozes de Julianne Moore, Mark Ruffalo e Sandra Oh. ‘Você leu o livro?’, pergunta. ‘Isso aqui é logo depois que uma das mulheres é estuprada.’ Ouvem-se não apenas as vozes exaltadas, mas também os ruídos que participam da cena. É um exercício de imaginação, pensar como tudo isso será na tela. O repórter arrisca a pergunta sobre o visual de Blindness. ‘Vai ser uma surpresa’, ele diz. ‘Fernando e (o fotógrafo) César Charlone valem-se do fato de que Saramago cria uma cegueira branca para fazer o inverso do que se espera de um filme sobre a cegueira. Em vez de sombras, eles trabalham com superexposição e muitas figuras ficam dentro da luz. É ousado.’


Durante a mixagem de Blindness, um técnico canadense ficava num dos consoles de ouvido nos diálogos. Armandinho trabalhava ruídos, música, tudo o que se acrescenta à cena. Ele elogia o montador Daniel Rezende, que já entrega o corte pronto para a mixagem. ‘Daniel é fera’, resume. Para comprová-lo, ele mostra imagens (e o som) de Tropa de Elite, que Rezende também montou. ‘Este filme foi muito difícil, porque nunca ninguém trabalhou com tanto ruído de tiros no cinema brasileiro.’ Foi preciso trabalhar os tiros isoladamente, gravando e mixando os disparos das diferentes armas. O que é mais difícil – mixar o som de um filme barulhento como o Tropa ou de outro mais silencioso como O Ano em Que Meus Saíram de Férias, de Cao Hamburger? ‘É o Ano. Se a gente erra em algum som no Tropa, o erro fica diluído no geral. Mas a gente tenta fazer o melhor, num caso e no outro.’’


 


 


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