Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Muito vedetismo, pouco jornalismo

A TV Globo inovou na cobertura das eleições. Além de dar tempos iguais para todos os candidatos, inaugurou no Jornal Nacional na segunda-feira (31/7)o seu ônibus-caravana para ‘levantar os desejos do Brasil’. Mas o resultado final foi um fracasso: além das trapalhadas da cobertura, entradas em momentos equivocados e outras tecnicalidades, a parafernália tecnológica acabou ressaltando muito mais o estrelismo dos jornalistas-atores William Bonner e Pedro Bial que democratizar as reivindicações da população dos distantes rincões do país, como é a intenção.

O primeiro programa da série foi confuso, contribuiu pouco para o conhecimento da história local, trouxe informações dispersas sobre a região, confundiu mais que esclareceu. Faltaram mapas e ilustrações. As reivindicações locais foram pouco contextualizadas, deixando o telespectador atônito, sem saber a que assistia. A entrada dos repórteres tropeçou em erros de direção de TV e as chamadas de Fátima Bernardes desde o estúdio pareciam destoantes.

Se a estréia for um espelho da série de reportagens locais feitas pelos grandes nomes do jornalismo da TV Globo, estamos mal. A intenção é revelar as reivindicações da população local, ‘os desejos do Brasil’. Mas, isso não ocorreu. A primeira cobertura deu demasiado destaque aos apresentadores, contribuindo para o culto às celebridades globais. William Bonner apareceu em primeiro plano e a população do território das missões quietinha ao fundo, devidamente instruída pela produção do programa para não se manifestar.

Expressão local

As trapalhadas foram tantas e o povo tão relegado que no segundo programa (terça, 1/8) a emissora decidiu colocar no ar os bastidores da produção abrindo espaço para que as pessoas se vissem no vídeo. O argumento para justificar as imagens dos bastidores foi a ‘boa vontade’ da emissora com os ‘simpáticos gaúchos’, tentando ‘criar um clima’ de empatia com os telespectadores e a população local. Mas, a emenda ficou pior que o soneto, ninguém entendeu nada. O quadro do Jornal Nacional continua completamente insosso, não é jornalismo nem documentário, nem a equipe parece saber o que se pretende.

No primeiro dia, Bonner apareceu com um volumoso sobretudo escuro e aberrantes luvas pretas de couro, parecendo estar na Sibéria. Fazia frio na região, mas o exagero do seu figurino revelava que ele estava ali para aparecer mais que reportar. Bastava comparar o seu figurino com o das pessoas ao fundo: nenhuma delas usava luvas, destoando do apresentador. Isso demonstra o vedetismo do locutor em cena (aliás, muito comum entre os repórteres da TV Globo).

Da mesma forma, Pedro Bial, em primeiríssimo plano, ofuscava as personagens que estavam por trás dele e só compunham o cenário para a estrela brilhar. Bial disse uma série de obviedades sem revelar reivindicação nenhuma da população, falou demoradamente sobre nada apenas para manter a câmara apontada para ele, deixando a comunidade em plano secundário. Muito feio.

Foi assim toda a cobertura do primeiro dia do ônibus-caravana da TV Globo: personagens locais apareceram apenas pontuando as falas dos repórteres-atores, as grandes vedetes da cobertura. Outras vezes as personagens apenas complementavam os offs da locução. Na terça, o segundo quadro apresentado dentro do Jornal Nacional nada acrescentou.

Se a intenção do novo jornalismo eleitoral da TV Globo é dar voz às populações locais e enfocar os problemas regionais, atitude louvável, a direção deve intervir imediatamente e mudar o quadro. Deve utilizar as novas tecnologias para deixar as populações locais se expressarem, utilizar o tempo, ampliado pela cobertura eleitoral, para revelar os problemas e apontar soluções. É isso que o eleitor quer ver e ouvir. Menos vedetismo, mais jornalismo.

******

Jornalista, professor da Universidade de Brasília, coordenador do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política e editor do site Mídia&Política