A cobertura jornalística da tragédia aérea ocorrida em Medellín, na Colômbia, no último dia 28/11, trouxe aspectos incomuns, mas enriquecedores – tanto pessoais quanto para análise do ofício. Foram mais de 70 mortos, incluindo a delegação da Chapecoense, tripulantes e vários profissionais da imprensa.
A veiculação jornalística relativa às mortes no Brasil, das mais diversas origens, tem sido recorrente dentro de uma abordagem, muitas vezes, numérica e distanciada da “humanização”. Acostumados a um produto frio – repleto de dados –, os leitores e/ou telespectadores carecem do retorno do jornalismo humanizado, pelo qual as histórias dos personagens enriquecem a notícia e fornecem elementos, além dos dados frios, para uma melhor percepção e interpretação do fato. Isso foi possível no caso em questão, diferente da prática comum no jornalismo contemporâneo.
Só para se ter uma ideia da dimensão dessa triste realidade, em que jornalistas são submetidos por ofício a um contato cotidiano, vejamos os dados estatísticos apresentados pela ONU (Organização das Nações Unidas) em Genebra, na Suíça, em maio deste ano. A taxa de mortes oriundas de acidentes de trânsito no Brasil é de 23,4 para cada 100 mil habitantes. Isso coloca o Brasil na quarta colocação na América, atrás somente de Belize, República Dominicana e Venezuela.
Não obstante, as mortes causadas por homicídios também representam uma parcela significativa do noticiário e, por consequência, ocupam boa parte da rotina profissional dos jornalistas brasileiros. Segundo dados do Atlas da Violência 2016, divulgado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a taxa de homicídios no Brasil chegou a 29,1 mortes por 100 mil habitantes. Pelo menos 59.627 pessoas sofreram homicídio no Brasil em 2014.
Nenhuma morte se sobrepõe a qualquer outra em termos de valor, mas guarda, evidentemente, elementos classificatórios na escala técnica de seleção e priorização da notícia. A simples categorização enquanto acidente aéreo já seria um desses elementos que garante a priorização enquanto fato noticioso.
Entre choros e lágrimas
A cobertura jornalística, sobretudo televisiva, mostrou a dificuldade de vários profissionais em executar a sua missão. O experiente repórter Ari Peixoto não conteve a emoção e chorou durante um link ao vivo no jornal Hoje (TV Globo), exibido no dia 1˚ de dezembro. Dois dias depois, durante a transmissão do funeral na Arena Condá, o repórter esportivo Eric Faria, da TV Globo, também não conteve a emoção.
Outra cena que chamou a atenção foi o abraço dado por dona Ilaídes, que perdeu o filho (o goleiro Danilo) no desastre, no repórter Guido Nunes, do SporTV, durante uma entrevista ao vivo. Outros exemplos seguiram no decorrer da semana, envolvendo Galvão Bueno e Fernanda Gentil, que – mesmos no estúdios – se viram “traídos” pela emoção.
Recorri a todo esse histórico para refletir sobre alguns conceitos que percorrem a atividade jornalística. Entre os quais, a imparcialidade. O sociólogo alemão Max Weber, ao teorizar sobre a prática científica, abordou a questão da neutralidade. Óbvio que não se trata de uma abordagem direta da atividade jornalística, mas produz ensinamentos que nos conduzem para a reflexão da prática em si.
A objetividade como mito
Recorrendo ao historiador Lucien Febvre (1989), e parafraseando-o, é possível lançar a indagação: a cidade da objetividade pode, realmente, vigiar e expulsar, de vez, o cavalo de Tróia da subjetividade? Ou seja, em que medida a nossa construção, enquanto indivíduo, não molda nossos olhares e torna limitada a nossa capacidade plena de isenção diante dos fatos?
A proximidade com as vítimas, seja por laços pessoais ou profissionais, levou, no caso da cobertura do acidente aéreo envolvendo colegas da imprensa, os jornalistas, em alguns momentos, a abandonarem – não no sentido voluntário – a postura impessoal e de isenção. Afinal, não somos máquinas programadas para cumprir o ofício sem qualquer interferência de nossa história de vida, descolados das relações sociais.
A adoção de conceitos como o da objetividade, da neutralidade e da impessoalidade, por meio de técnicas que auxiliam nesse exercício profissional, fazem-se necessários na busca pelo bom jornalismo. Entretanto, não se devem desprezar os elementos da subjetividade da qual somos reféns. Reconhecer a sua existência, negando a ideia de um indivíduo robotizado, é o primeiro passo na busca pela imparcialidade, ainda que esta seja um mito em sua plenitude.
Em termos práticos, o mesmo ensinamento weberiano para a pesquisa científica, separando de forma rigorosa o juízo de fato (o que é) e o juízo de valor (o que deve ser), também vale para o exercício jornalístico. É a partir do reconhecimento dessa tensão que se pode construir um produto final carregado de honestidade em sua produção.
A emoção e o aspecto valorativo na cobertura aqui analisada não invalidaram o trabalho da imprensa televisiva. Pelo contrário, mostrou-se eficiente pela naturalidade, seriedade e honestidade com as quais foi produzida. Afinal, não somos máquinas!
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Alessandro Emergente é jornalista, professor de Sociologia e editor do portal de notícias Alfenas Hoje