Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

No Mínimo

MÍDIA & PRIVACIDADE
Ricardo Calil

Quinze minutos de vexame, 23/10/06

‘Andy Warhol errou na sua mais famosa previsão. No futuro que chegou, nem todos têm direito a 15 minutos de fama. A profecia do artista americano sofreu uma ligeira mudança. No presente, todos os famosos – na verdade, quase todos – têm seus 15 minutos de vexame.

A tese é de Martin A. Grove, colunista do site ‘The Hollywood Reporter’. Ele analisa o caso de Mel Gibson, o astro que foi preso por dirigir bêbado e caiu em desgraça por ofender os judeus.

Em um mundo cercado por câmeras de todos os lados, com revistas e sites dispostos a cobrir qualquer passo de uma celebridade, é praticamente inevitável que os famosos sejam flagrados, mais cedo ou mais tarde, cometando algum deslize. Até aí, uma dedução óbvia.

A grande surpresa, para Grove, é a capacidade que o público vem demonstrando de perdoar os escândalos dos artistas. Gibson, por exemplo, deu entrevistas para a televisão, pediu desculpas, posou de vítima e aproveitou para divulgar seu novo filme, ‘Apocalypto’, que estréia em 8 de dezembro. Segundo o agente do ator, ‘todos querem entrevistá-lo, o que é uma posição confortável para se estar’.

No passado de Hollywood, lembra Grove, um incidente como o de Gibson poderia destruir uma reputação. Hoje, não há maiores prejuízos para o astro envolvido, como mostra também o caso de Hugh Grant, flagrado recebendo sexo oral de uma prostituta.

Existem também casos em que pagar mico ajuda a alavancar uma carreira. O caso mais famoso é o de Paris Hilton, que ganhou fama depois da divulgação do vídeo pornô caseiro que ela fez com seu ex-namorado.

Não é só a profecia de Warhol que merece ser adaptada aos novos tempos. O ditado ‘falem mal, mas falem de mim’ ainda faz sentido. Mas talvez fosse mais apropriado dizer agora: ‘façam fotos ou vídeos constrangedores, mas apontem a câmera para mim’.

A mesma lógica poderia ser transplantada para o Brasil em grandes modificações, como provam escândalos recentes envolvendo celebridades locais.

Quando foi divulgado o vídeo de Daniela Cicarelli e seu namorado no ‘toqueteo’ (deliciosa gíria espanhola para designar nossa velha e boa ‘bolinação’), muita gente decretou o fim de sua carreira. O publicitário Nizan Guanaes, que entende do riscado, foi o primeiro a dizer que ela ainda lucraria com o episódio. Na semana passada, divulgou-se que Record e Globo estavam disputando o passe da apresentadora.

Juliana Paes foi fotografada sem calcinha há coisa de um mês. Nesta semana, ela aparece na capa da revista ‘VIP’ como a mulher mais sexy do mundo. Não é improvável que Danielle Winits ganhe uma bolada em breve para anunciar calcinhas g-string.

Esses são episódios em que o escândalo foi revertido a favor da vítima. Mas há também, e cada vez mais, o escândalo premeditado, como parece ser o caso de Karina Bacchi. ‘Flagrada’ há dez dias pela revista ‘Caras’ beijando o baixinho da Kaiser, ela anunciou na semana passada que é a nova contratada da cervejaria.

A princípio, a complacência com os vexames das celebridades pode dar a entender que o mundo evoluiu, que as pessoas estão menos hipócritas. Mas isso só faria sentido se os artistas quisessem afrontar os bons costumes e a correção política, e não alimentar a própria fama e aumentar o cachê.

As estrelas poderiam dizer: ‘Eu gosto de dar, e daí?’. Ou: ‘Eu ando sem calcinha, qual o problema?’ Ou ainda: ‘Eu tenho tara por homens baixinhos, carecas e bigodudos’. Mas preferem se calar, se desculpar ou processar os paparazzi. Os escândalos já não têm mais sentido político, só comercial. Até o mico encaretou.’



MÍDIA & PRIVACIDADE
Ricardo Kotscho

Vida que segue, 21/10/06

‘Bem que tentei adiar esta coluna mensal para depois das eleições para ver se falava de algum assunto mais agradável, mas o implacável chefe Xico Vargas, como sempre, foi irredutível no prazo. Então, vamos lá. Apesar da garoa e do frio bem paulistanos, saí à rua logo cedo para cumprir minha peregrinação de todos os dias entre a banca de jornal e o café da esquina para sentir o clima e ver se encontrava alguma coisa boa para contar aos leitores.

Perdi a viagem. Por essas habitualmente calmas alamedas do Jardim Paulista, um tradicional reduto tucano, o ar anda cada vez mais envenenado nestes dias que antecedem o segundo turno das eleições. Ainda não vi ninguém chegar às vias de fato (como aconteceu outro dia no Rio, onde distinta senhora mordeu e arrancou um pedaço do dedo de outra, em frente ao velho Jobi), mas as discussões políticas andam cada vez mais acaloradas.

Na banca da esquina da Oscar Freire com a Ministro Rocha Azevedo, por onde moradores de mais idade costumam passar com seus cachorrinhos, ao ver nas manchetes os resultados da última pesquisa eleitoral mostrando uma diferença de vinte pontos entre o presidente e o desafiante tucano, um freguês elegantemente vestido não se conteve, e desabafou com o jornaleiro: ‘Olha aí esse Lula…Só matando!…’ Como ninguém lhe deu bola, o transeunte seguiu em frente, balançando a cabeça.

Temo que o mesmo inconformismo possa passar pela cabeça de nobres líderes da oposição e até de alguns coleguinhas, que andam cada vez mais furibundos em seus blogs, sites e colunas, como se o resultado da eleição presidencial, qualquer que seja, em vez de ser uma vitória da democracia capaz de acalmar os ânimos exaltados pela campanha, possa ser o estopim de uma sangrenta guerra civil.

Velhos amigos andam se estranhando, parentes já nem se falam, argumentos são substituídos por ofensas, todo mundo falando cada vez mais alto sem ouvir o que o outro está dizendo, simplesmente desqualificando quem pensa diferente – dá até medo entrar numa roda de boteco ou abrir a internet para ver o que está rolando.

Não me lembro de ter visto nada igual, nem mesmo na radicalizada eleição de 1989, a primeira após a ditadura, quando o país se dividiu ao meio entre Collor e Lula no segundo turno. Teve também muitas brigas e baixarias, mas o clima nas ruas era de festa com a reconquista da democracia e o direito de elegermos o nosso presidente – para a minha geração, pela primeira vez na vida. Agora, não. É só porrada: ameaças, denúncias, calúnias, xingamentos em geral, deixando o pobre debate político disputar espaço entre as delegacias e os tribunais.

Como se o mundo fosse acabar amanhã, estabeleceu-se um clima de vale-tudo, de tudo ou nada, em que vão sendo dinamitadas todas as pontes, trituradas biografias e histórias de vida, deixando para trás um cenário de terra arrasada. Uma linguagem cada vez mais agressiva e chula domina as cartas de leitores publicadas nos mais finos jornais e nos comentários dos blogs, como se o país estivesse dividido em duas nações inimigas dispostas a tudo para conquistar o poder central.

A baixaria e a irresponsabilidade tomaram conta das correntes que circulam pela internet em meio à guerra suja da disputa eleitoral – e é como papel picado jogado pela janela, as pessoas não têm como se defender. Senti isso na pele quando começaram a circular mensagens absolutamente ensandecidas e canalhas sobre meu livro de memórias lançado há três meses. Não há mais regras, limites, respeito por nada nem ninguém.

E depois? Pensando bem, para aquilo que eu gostaria de dizer, tanto faz esta coluna sair antes ou depois das eleições. Qualquer que seja o presidente eleito, há que se restabelecer um entendimento mínimo para que o país possa cuidar da vida, sem a ameaça constante de terremotos institucionais.

Por mais acirrada que tenha sido a disputa, quem for governo e quem for oposição vai ter que sentar em torno de uma mesa para conversar como se costuma fazer nos países civilizados onde uma eleição é sempre apenas mais uma etapa no processo democrático, e não uma guerra de extermínio. Apurados os votos, cumpra-se a vontade da maioria.

Depois, caberá ao presidente eleito chamar não somente os novos governadores e os líderes dos principais partidos políticos, mas também representantes da sociedade civil, para estabelecer uma agenda comum que permita ao país respirar sem sobressaltos e assim promover o crescimento econômico com justiça social, que é o que todo mundo espera em qualquer país do mundo.

Por onde tenho andado, o que as pessoas mais desejam é apenas isso – um pouco de paz para poder trabalhar, estudar, namorar, tocar seus projetos de vida e tomar uma cervejinha depois do serviço, que ninguém é de ferro. O nosso país é muito maior do que o governo, qualquer governo, passado ou futuro, e é muito melhor do que aquele que nos é apresentado todos os dias a um passo do fim do mundo. Vivemos hoje melhor do que ontem para onde quer que se queira olhar. É o que importa. Vida que segue.’



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Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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