Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

No Mínimo

HOMENAGEM / OCTAVIO FRIAS
Ricardo Kotscho

O dono de jornal que virou repórter, 05/05/06

‘Nos reencontros com velhos amigos, que estão se tornando uma rotina para mim nestes últimos dias, a quarta-feira foi o dia de rever a turma da ‘Folha de S.Paulo’, jornal onde trabalhei em duas temporadas, por quase uma década. O motivo era mais do que justo: a entrega do prêmio Personalidade da Comunicação – concedido pela ‘Mega Brasil’, do Eduardo Ribeiro – a Octavio Frias de Oliveira, dono do maior jornal brasileiro em circulação e meu velho amigo.

Tinha sérias dúvidas de que apareceria na homenagem a ele mesmo no Centro de Convenções Rebouças. Seu Frias, como gosta de ser chamado – desdenha de quem o trata de ‘doutor’ – sempre teve aversão a esses paparicos dispensados aos barões da mídia brasileira. Aos 93 anos, ele é o último remanescente de uma geração de donos de jornal que continua cotidianamente à frente do negócio e só vai para casa depois de ver a primeira página na tela do computador.

Ao contrário de muitos de seus contemporâneos, seu Frias não gosta de que falem dele no jornal e muito menos que publiquem seu retrato nas páginas da ‘Folha’. ‘Meu negócio é ganhar dinheiro. Eu pago vocês para fazer o jornal’, justificava, desde os tempos do grande Cláudio Abramo, o mestre que o ajudou a transformar um jornal de porte médio e influência regional no maior diário do país.

O objetivo dele poderia ser esse mesmo, de ganhar dinheiro, quando comprou o jornal em 1962, junto com o sócio Carlos Caldeira Filho, mas, com o tempo, foi tomando gosto pela notícia – de preferência exclusiva, em primeira mão, como se dizia. Ao mesmo tempo em que acompanhava pessoalmente as receitas e as despesas do jornal – tinha verdadeiro pavor de ‘entrar no vermelho’ – seu Frias alimentava a obsessão por ser bem informado até para melhor poder zelar pela sua empresa.

‘Um bom jornal se faz com bons jornalistas’, ensinava o velho homem de imprensa, dizendo que aprendeu isso com Nabantino Ramos, um ex-proprietário da ‘Folha’, embora muitos colegas garantam que o autor da frase é ele mesmo. Seja como for, seu Frias sempre procurou se cercar de profissionais da maior competência. Aos poucos, ele mesmo foi-se transformando num repórter, mais perguntando do que falando aos protagonistas da cena brasileira que iam se encontrar com ele no amplo e discreto gabinete do nono andar do prédio da alameda Barão de Limeira, 425, de onde acompanha o dia a dia do jornal.

Na longa agonia de Tancredo Neves, a ‘Folha’ tinha um batalhão de repórteres em Brasília. Um belo dia, toda a equipe foi surpreendida com a manchete do jornal. Enquanto toda a imprensa, inclusive nós, atribuía os males do presidente eleito, que fora internado no Hospital de Base às vésperas da sua posse, a uma diverticulite, a manchete do jornal falava em tumor maligno. Quer dizer, fomos todos ‘furados’ pelo nosso próprio jornal – e, o que é pior, como viria a saber mais tarde, pelo dono do jornal, que obtivera a informação exclusiva.

Outra vez, já durante o governo José Sarney, seu Frias me ligou bem cedo, em casa, para ‘ir atrás do Bresser Pereira, que vai ser o novo ministro da Fazenda’. Fui atrás dele no antigo Palácio dos Campos Elíseos, onde ficava seu gabinete de Secretário de Ciência e Tecnologia do governo estadual. Ninguém sabia onde estava Bresser Pereira. Fui encontrá-lo no saguão do Hospital Sírio Libanês, onde fora visitar um parente que ali estava internado. Levou um susto quando lhe disse o motivo da minha presença.

‘Mas eu não sei de nada disso, ninguém falou comigo’, garantiu-me o secretário, um ex-colaborador da ‘Folha’, como tantos outros que mais tarde viriam a ocupar importantes cargos públicos – entre eles, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, também presente à homenagem de quarta-feira. Do hospital, o ainda secretário iria direto para a Cidade Universitária para fazer parte de uma banca examinadora na Faculdade de Economia e Administração da USP.

Pedi para ir junto, e fomos conversando sobre os rumos da economia brasileira, com o compromisso de que eu nada publicaria caso sua nomeação para o Ministério da Fazenda não fosse confirmada. No meio da prova, Bresser foi chamado com urgência ao telefone. Era o presidente José Sarney, e ali mesmo ele ficaria sabendo oficialmente que era o novo ministro, bem depois da informação chegar a seu Frias.

O dono de jornal que virou repórter divertia-se com esses episódios que ele encarava como um desafio, uma gincana, um jogo em que só entrava para ganhar, a exemplo de tudo o que fez na vida. Só uma vez, que eu me lembre, ele errou feio nas suas previsões. Quando fui me despedir dele no começo de 2002 para novamente trabalhar numa campanha presidencial de Lula, seu Frias brincou comigo. ‘Você é maluco, mas o que é que eu posso fazer? Vocês vão perder de novo e, no dia seguinte à eleição, quero que você volte a trabalhar aqui.’

Pois seu Frias acabou comparecendo à homenagem, e até leu um breve discurso, fugindo aos seus hábitos. ‘Procuro ter em mente aquele verso de Kipling no qual o escritor inglês fala do sucesso e do fracasso como dois impostores. De minha parte, experimentei ambos. Acima dessas vicissitudes, penso que o mais importante é trabalhar com afinco naquilo de que se gosta’.

Sábio seu Frias. Por coincidência, passados quatro anos daquela nossa conversa de despedida, voltei nesses dias a fazer uma reportagem, o trabalho que mais me dá prazer na vida, a ser publicada neste fim de semana em vários jornais. Embora não goste de ser chamado de jornalista, este ‘protagonista da imprensa brasileira’, como o chamaram durante a homenagem, foi um dos melhores com quem trabalhei.

***

E, por falar em vicissitudes, dei uma grande mancada na coluna da semana passada. Coisa de velho repórter que já não tem memória, só uma vaga lembrança. Ao falar dos meus tempos de ‘Jornal do Brasil’, escrevi que a crise financeira da empresa começou em 1991, na época em que meu querido amigo Ricardo Setti dirigia a sucursal de São Paulo. Na verdade, quando os bons tempos se acabaram, Setti já havia deixado o jornal para trabalhar com Augusto Nunes no ‘Estadão’. A ele e aos leitores, minhas desculpas.’



TELEVISÃO
Ricardo Calil

Missão Impossível 3’ e a vanguarda da TV, 05/05/06

‘Durante décadas, a televisão norte-americana foi o refúgio preferido de atores e diretores decadentes. De alguns anos para cá, a situação mudou bastante. Agora é o cinema que corre atrás da TV nos Estados Unidos. A maior prova disso está em ‘Missão: Impossível M:i:III’, terceiro filme da franquia estrelada e produzida por Tom Cruise, que estréia hoje no Brasil.

Não se trata do fato de a franquia ter sido inspirada na clássica série de TV dos anos 60. A reciclagem de velharias em Hollywood não vale manchete há muito tempo. A novidade está no convite feito a J.J. Abrams, assumido ‘nerd’ de 39 anos considerado o novo Midas da TV americana, para dirigir o filme. Abrams é o criador de três das séries de maior sucesso dos últimos dez anos: ‘Felicity’, ‘Alias’ e ‘Lost’. As duas últimas fazem parte de um movimento que pode ser definido como a vanguarda industrial do audiovisual contemporâneo.

Algumas séries de TV estão bem à frente dos filmes hollywoodianos em termos de equilíbrio entre apelo comercial e qualidade artística. Em vários gêneros tradicionais, o produto mais sofisticado, seja no roteiro e ou na realização, será encontrado na sala de sua casa, não na de cinema: filme policial (‘24 Horas’), de espionagem (‘Alias’), de máfia (‘Os Sopranos’) e comédia de costumes (‘Sex and the City’), entre outros. ‘Lost’ também entra nessa lista, mas ela é inclassificável. A série pode ser vista, ao mesmo tempo, como aventura, suspense, ficção científica ou terror sobrenatural.

Não foi à toa que alguns dos melhores cineastas da atualidade, como Quentin Tarantino e David Cronenberg, tenham procurado J.J. Abrams para dirigir episódios de ‘Alias’. Nem que Tom Cruise – que pode ser meio louco, mas de bobo não tem nada – tenha convidado o jovem produtor de TV para dirigir ‘Missão Impossível 3’ (nome mais simples que o título oficial, cheio de dois pontos e outros salamaleques).

Com apenas alguns pilotos e episódios de suas séries em seu currículo de diretor, Abrams assumiu o filme mais caro já feito por um cineasta estreante na história, com um orçamento de US$ 150 milhões. A aposta de Cruise valeu a pena (e provavelmente irá se pagar com folga).

Com exceção do final burocrático, ‘Missão Impossível 3’ é um entretenimento escapista de primeira linha, em que tudo funciona perfeitamente. Abrams pode não ter ainda as marcas de estilo claras como Brian De Palma e John Woo, diretores dos outros dois filmes da franquia, mas se mostra um roteirista inteligente e um diretor seguro.

Sua primeira tarefa foi conceber uma vida pessoal para o agente Ethan Hunt (Cruise, cada vez mais confortável no papel de herói de ação). Arranjou uma simpática noiva para o rapaz (Michelle Monaghan) e um dilema inédito entre o amor e o trabalho. A princípio, parece um truque fácil, como se Abrams tivesse tirado Hunt de um filme de ação e o colocado em uma sitcom banal. Mas o fato é que a novidade ajuda a fornecer um pouco de romance, drama e humor à franquia – elementos que faltavam nos outros dois filmes.

Isso não significa, porém, que Abrams tenha regulado as doses de adrenalina. Ela surge em quantidades consideráveis a partir do momento em que o herói abandona sua festa de noivado e recebe uma nova missão de seu chefe Musgrave (Billy Crudup): resgatar uma colega (Keri Russel, protagonista de ‘Felicity) das mãos do vilão Owen Davian, um traficante internacional de armas e informações (interpretado pelo excelente, mas subaproveitado, Philip Seymour Hoffman, vencedor do Oscar por ‘Capote’).

Hunt aceita a missão e parte em viagem com sua equipe (Ving Rhames, Jonathan Rhys Meyerse Maggie Q), mas, depois de algumas ações frustradas, seu pior pesadelo se concretiza: sua noiva torna-se refém do psicótico Owen e o obriga a trabalhar para o vilão.

A história rende algumas cenas de ação tão espetaculares quanto inverossímeis, uma marca-registrada da franquia, em especial uma seqüência encenada no Vaticano e outra em Xangai. Abrams não faz um trabalho de decupagem genial como De Palma no primeiro episódio da franquia (seria muito pedir isso dele). Mas realiza um serviço superior ao de Woo, grande cineasta que errou feio no segundo filme.

No final das contas, as séries de Abrams para a TV são mais instigantes e criativas do que ‘Missão Impossível 3’. Mas ele demonstra pleno domínio das fórmulas do filme de espionagem – o que não é pouco para um estreante. Mesmo que esse novato no cinema seja um veterano na televisão.’



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