Monday, 30 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Novo relatório do Reuters Institute debate como recuperar e conservar a confiança nas notícias ao redor do mundo

Foto: Unsplash

Por que há uma erosão da confiança nas notícias? Como esse declínio impacta diferentes ambientes de mídia e segmentos do público? O que pode ser feito e a qual custo (especialmente quando as audiências podem ter perspectivas distintas a respeito do que consideram como jornalismo confiável)?

Estas são as questões centrais de um novo estudo que nós estamos conduzindo em parceria com outros colegas do Reuters Institute for the Study of Journalism (RISJ), da Universidade de Oxford. O relatório, intitulado O Que Achamos Que Sabemos e o Que Queremos Saber: Perspectivas sobre Confiança nas Notícias num Mundo em Mudança, aborda o que sabemos (e não sabemos) sobre confiança nas notícias, o que contribui para seu declínio e como as organizações midiáticas buscam tratar a questão. Esta é a primeira publicação do Trust in News Project, desenvolvido no RISJ e que foi anunciado mais cedo neste ano. A pesquisa busca examinar os fatores que impulsionam confiança e desconfiança em quatro países com sistemas políticos e midiáticos variados: Brasil, Estados Unidos, Índia e Reino Unido.

Embora nossa expectativa seja que grande parte do Trust in News Project esteja centrado em entender melhor as audiências de notícias, nós optamos por começar entendendo as perspectivas de quem estuda jornalismo e de quem o pratica. Nos últimos meses, nossa equipe de pesquisa conduziu uma extensa revisão da literatura científica sobre confiança e entrevistou mais de 80 jornalistas e outros profissionais da área que generosamente compartilharam seu tempo e insights valiosos.

O relatório sumariza o que aprendemos até agora, destacando os pontos mais importantes. Também olhamos para as escolhas envolvidas nas tentativas de lidar com as mudanças nas atitudes sobre as notícias, algo que tende a ser pouco explorado. Nós argumentamos que, para construir a confiança nas notícias, não é suficiente fazer coisas que simplesmente parecem boas ou que provocam uma sensação de bem estar. Na realidade, as iniciativas precisam funcionar, sob o risco de não fazerem nenhuma diferença, ou pior, de serem contraproducentes. Por isso, o relatório destaca quatro coisas que achamos que sabemos sobre confiança nas notícias e quatro pontos centrais que nós gostaríamos de saber. Esperamos que essas questões conduzam o trabalho do Trust in News Project nos próximos anos.

O que achamos que sabemos

  1. Não há um problema único de “confiança nas notícias”. ​Nossa pesquisa sugere a existência de desafios múltiplos envolvidos na oferta das notícias e na demanda do público por informação. Lidar com confiança nas notícias requer definir o que queremos dizer com “confiança”, “confiança de quem” e “quais notícias”, pois as pessoas têm crenças distintas sobre como o jornalismo funciona, visões conflitantes a respeito do que esperam da atividade e noções diferentes sobre a realidade do mundo. Então, aqueles que buscam recuperar ou conservar a confiança precisam ser específicos nos seus objetivos estratégicos e, idealmente, basear o trabalho em evidências. Iniciativas que funcionam com uma parte do público podem não funcionar com outros segmentos.
  2. Há pouca compreensão sobre como o jornalismo funciona. As mídias sociais não estão ajudando. Como poucas pessoas sabem o que acontece na construção da reportagem e na apuração das informações, não podemos esperar que as audiências saibam diferenciar as marcas por meio de avaliações informadas sobre o processo produtivo das notícias, que tende a seguir padrões de qualidade diversos. Pesquisas sobre a efetividade das intervenções desenhadas para ajudar as pessoas a navegar os ambientes digitais mostram que elas são promissoras, mas as evidências empíricas sobre o que funciona, com quem e em quais circunstâncias, permanecem turvas. Quando as redações tentam demonstrar comprometimento com princípios jornalísticos e padrões éticos, elas devem contar que usuários distraídos irão encontrar a marca de forma passageira enquanto checam o feed.
  3. Parte da desconfiança pode decorrer de cobertura que tem cronicamente estigmatizado ou ignorado segmentos do público. Vários entrevistados destacaram o que eles veem como falhas pregressas das organizações noticiosas em refletir a diversidade de pontos de vista das comunidades que eles procuram atender. Muitas organizações têm procurado atacar a desconfiança usando iniciativas de engajamento público e reconhecendo suas falhas. Mas focar em algumas comunidades pode alienar outras. Há um risco considerável de fazer coisas que parecem boas e provocam uma sensação de bem estar, ou imitar o que outros estão fazendo, com base em pouca ou nenhuma evidência. Isso pode acarretar desperdício de esforços, no melhor dos casos, ou resultados contra produtivos, no pior.
  4. As percepções de confiança estão fortemente atreladas com política. As atitudes sobre as notícias podem ter pouco a ver com o que acontece nas redações. Com a queda na confiança em outras instituições, a confiança nas notícias acompanhou a tendência. O partidarismo frequentemente serve como um dos preditores mais fortes de desconfiança. Como os atalhos interpretativos sobre a imprensa normalmente são oferecidos por líderes políticos, as organizações noticiosas ficam em uma posição vulnerável, dado que procuram afirmar seu papel como árbitros da verdade imparciais e independentes. Os esforços para aumentar a confiança envolvem escolhas em sociedades divididas e polarizadas. Eles também podem conflitar com outras prioridades importantes, como fiscalizar os poderosos.

O que queremos saber

  1. Como as plataformas estão prejudicando as identidades das marcas das organizações noticiosas? A experiência de consumir notícias online é crescentemente mediada pelas plataformas. Elas são frequentemente acusadas de erodir a confiança ao ofuscar as diferenças entre as fontes de informação. Queremos investigar em que medida as plataformas podem contribuir para estes problemas e/ou como elas deveriam aproveitar para aumentar confiança em notícias precisas e confiáveis.
  2. Quais estratégias de engajamento da audiência constroem confiança e quais podem miná-la? Os esforços para engajamento costumam ser baseadas em intuição. Com frequência, as pesquisas têm estado muito desconectadas da prática e excessivamente focadas em poucos países.
  3. Quanta transparência é demais e qual tipo é mais importante? Apresentar jornalistas como pessoas reais, em vez de figuras distantes, parece relevante para melhorar a relação com as audiências. Todavia, sabemos pouco sobre a efetividade disso ou sobre o potencial de gerar o efeito contrário ao esperado.
  4. De onde vêm as preconcepções sobre notícias? Como elas podem ser mudadas? Percepções arraigadas sobre as notícias tendem a ser baseadas em uma combinação de fatores, desde experiências pessoais, identidades e representações culturais. Nós queremos saber quando, como e por que as audiências estão dispostas a revisar suas ideias pré-concebidas.

O relatório completo está disponível no site do Reuters Institute.

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Camila Mont’Alverne é pesquisadora de pós-doutorado, Reuters Institute for the Study of Journalism, University of Oxford.

Benjamin Toff é líder do Trust in News Project, Reuters Institute for the Study of Journalism, University of Oxford.