Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O álcool que não descontrai

O governo brasileiro enfrenta os ‘xeques’ de Ribeirão Preto e a notícia divulgada, como de costume, fixa-se na versão cinzenta e da incompetência oficial. Manchete da primeira página da Folha de 2/3/06 grita: ‘Medida do governo encarece o combustível’. O leitor apressado, sem tempo de deter-se um pouco sobre os fatos. infere logo alguma barbeiragem do órgão responsável pelos preços públicos.

Brasília enfrenta um lobby poderoso que acaba de quebrar o acordo de cobrança de R$ 1,05 por litro de álcool, combinado publicamente não faz dois meses. Valendo-se ainda do sucesso do programa flexpower, que já roda em mais 1,3 milhão de carros no Brasil, as usinas não têm escrúpulo de escalar os preços, que no dia 1º, nos postos de São Paulo, atingiram R$ 1,99.

A única defesa dos subordinados de Lula possível era a que foi decidida: reduzir de 25% para 20% o álcool anidro incluído em cada litro de gasolina. Isso fora alguma tentativa romântica de controle de preços e estoques de cana, do tipo ‘contar boi no pasto’, como se disse no Plano Cruzado, enquanto os preços da carne andaram congelados. Em matéria de armas de mercado usou-se o que era possível, pois se imagine o poder de Ribeirão Preto contando com a certeza de que o cliente está encurralado.

Alguém arriscaria supor o preço do litro volatilizado por estes 5% adicionais de demanda?

Possivelmente nossos xeques tupiniquins precipitam-se em se sentir com munição para formar uma Opep da cana. Precisaram de 30 anos de benesses oficiais em que a Petrobrás subsidiou o álcool combustível antes que ganhasse eficiência calórica e deixasse de ser agressivo com o motor do automóvel. Em certas fases dos anos 70 para cá, considerou-se seriamente a possibilidade de abandonar a procura por uma alternativa à gasolina. Não faltaram linhas de crédito no BNDES e do BNB para a expansão do setor. Tudo isso Ribeirão Preto arrisca em sua mercenária política de curto prazo. Mas o meu diabinho interior me assopra: ‘Não se iluda, a porta está arrombada, não espere gratidão pelos 30 anos de apadrinhamento’.

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Diretor de ONG, Bahia