Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O BNDES na berlinda

Agosto foi o mês da berlinda para o BNDES na mídia. A primeira estocada veio do outro lado do Atlântico. Em sua edição lançada nos primeiros dias do referido mês, a conceituada revista liberal inglesa The Economist imputou ao Banco Nacional de Desenvolvimento brasileiro acusações como falta de transparência e privilégio na distribuição do crédito para grandes empresas nacionais. Registre-se que a reportagem procurou, por um lado, ouvir o diretor de planejamento do banco, João Carlos Ferraz, e por outro figuras como o seu ex-presidente Luiz Carlos Mendonça de Barros e o ex-presidente do Banco Central, Gustavo Loyola, que empregaram termos como ‘ovo da serpente’ e ‘jurássico’ para se referir às práticas da instituição.

Os jornais brasileiros rapidamente pegaram carona na revista britânica e, capitaneados pela Folha de S.Paulo, que trouxe em sua edição do dia 8/8 uma matéria onde apontou uma concentração de 57% do volume total de créditos disponibilizados pelo banco nos últimos meses a um grupo de doze empresas e mais duas estatais. A reportagem também questionava a alavancagem do BNDES com recursos do Tesouro com um ‘custo alto para a sociedade, difícil de calcular’ e informava em sua linha fina que os juros praticados pela instituição são inferiores ao do mercado, como a sugerir uma prática ilegal.

O detalhe é que, em comparação com a Economist, o jornal brasileiro limitou-se a ouvir exclusivamente uma economista ligada a uma empresa de consultoria do mercado financeiro, o que pareceu jornalisticamente estranho para uma matéria que mereceu o destaque na edição daquele domingo, dia da semana consagrado como o de maior circulação para as principais publicações.

Nos dias que se seguiram, O Estado de S. Paulo e O Globo também dedicariam espaços a questionar as ações do banco de fomento e o seu modelo de alavancagem. O Estado chegou a trazer uma reportagem e um editorial abordando o questionamento na Organização Mundial do Comércio (OMC) por parte de alguns países membros do modelo de crédito oferecido a empresas brasileiras com atuação no exterior por parte do BNDES. De repente, e esse foi o tom da maioria dos textos a respeito do tema, a sociedade exigia satisfações e participação na tomada de decisões a respeito dos créditos disponibilizados pelo banco.

Apenas falta de preparo?

Dada a súbita insistência no tema por parte dos principais jornais brasileiros, a pergunta natural a fazer neste caso foi: a quais interesses atendem os repentinos questionamentos?

Em sua edição do dia 23/8, o respeitado Valor Econômico começou a mostrar a nudeza real ao publicar matéria com o ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, fundador e atual presidente de um banco de investimentos, onde o mesmo defendeu com todas as letras que o sistema financeiro privado deveria substituir o BNDES na política de financiamento de longo prazo. Dois dias depois, o mesmo jornal publicou reportagem com mais uma peça do quebra-cabeça. As carteiras dos bancos privados encolheram nos últimos meses nos financiamentos para médias e grandes empresas, que têm batido à porta do banco de fomento em busca de crédito, o que já acendeu o sinal amarelo para algumas instituições. Outro detalhe: os juros que caem lentamente nos bancos privados, quando a taxa Selic é cortada pelo Banco Central, subiram vertiginosamente com os últimos aumentos promovidos pelo BC, dificultando ou desinteressando o acesso ao crédito por parte dos empresários junto a esses mesmos bancos.

É claro que em uma sociedade democrática os questionamentos e o debate são práticas imperativas sobre como o governo faz uso de um banco público. Mas não deixou de chamar a atenção a ausência de acadêmicos e mesmo empresários no conjunto das reportagens, para as quais não faltaram representantes do mercado financeiro a questionar, questionar e questionar.

Em rigorosamente nenhuma das matérias apareceu o principal ponto levantado pela Economist: afinal, qual é o real papel do Estado em um momento de descrédito do conceito de autorregulação do mercado?

Como sempre, no que tange ao jornalismo nacional, salvo as honrosas e raríssimas exceções, permanece a dúvida. É possível atribuir erros crassos de apuração à falta de preparo?

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Jornalista