Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O desafio de interagir com o público

Nós jornalistas temos um problema histórico: a tendência a olhar primeiro para o lado da empresa, do negócio do jornalismo. Só que agora estamos sendo obrigados a olhar no sentido contrário, o do leitor porque a cada dia que passa fica mais claro que o futuro do jornalismo não depende apenas do modelo de negócios, mas também , e principalmente, do público. E é ai que está o nosso maior e mais urgente desafio como profissionais da comunicação.

A obrigação de olhar para o outro lado é uma consequência da quebra de paradigmas provocada pelas novas tecnologias de informação e comunicação ( TICs) . Elas abalaram a sustentação do modelo clássico de negócios vigente há mais de um século na indústria do jornalismo ao mesmo tempo em que deram ao cidadão um protagonismo na comunicação, inédito na história da humanidade.

O desafio do público é gigantesco porque significa ajudar as pessoas a assumir um papel proativo na informação, indo contra uma secular passividade determinada pela ausência de ferramentas baratas de comunicação. A computação e a internet já criaram as condições materiais para que os indivíduos possam participar do processo de ida e volta de uma informação. Mas as ferramentas, por si só, não são suficientes para que passe a existir uma comunicação autêntica, pela primeira vez na história de nossa civilização.

O conhecimento tácito

Até agora a comunicação era controlada por quem detinha os meios para viabilizar a circulação de mensagens escritas, sonoras ou visuais. Isto tornou inevitável que o fluxo fosse unidirecional, de quem tinha para quem não tinha, gerando todas as distorções atuais como desinformação e omissões noticiosas. Era também uma comunicação empobrecida pelo fato de que não incluía no processo de produção informativa o conhecimento tácito (aquele que as pessoas não sabem que possuem) de bilhões de seres humanos.

A revolução tecnológica mudou tudo isto. O conhecimento não explicitado se tornou uma fonte valiosíssima de informações indispensáveis à manutenção do ritmo de inovações que está na base da economia digital. Mas para isto é essencial que o público seja incorporado ao processo informativo e é aí que o jornalismo passa a ter um papel crucial.

A função do jornalista não se limita mais apenas à produção de notícias, reportagens ou documentários. Ele passou a ser uma figura chave no relacionamento com o leitor, ouvinte, telespectador ou internauta, porque é o profissional (em princípio) mais preparado para lidar com a informação e consequentemente criar as condições para que ela possa ser usada em benefício de todos.

Bassey Etim, editor de assuntos comunitários do The New York Times (um cargo novo nas redações) foi direto ao ponto ao afirmar que os comentários de leitores devem ser tratados como conteúdos jornalísticos (ver na seção Curadoria de Notícias).

Esta é a grande ruptura de paradigmas na cultura jornalística contemporânea. A produção de notícias não é mais um processo unidirecional. E não sendo assim, a participação do público na produção noticiosa passa a ser estrutural. Só que isto não é assim tão simples. Uma pesquisa recente da universidade Rutgers, dos Estados Unidos mostrou uma disparidade brutal na circulação de informações em comunidades de níveis sócio econômico distintos. Nos bairros ricos há dez vezes mais veículos informativos e produção local de noticias do que nos bairros pobres. Mas os bairros pobres são hoje tão essenciais para a informação coletiva quanto os ricos.

Basta ver o caso do complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. O que acontece neste conglomerado de favelas pode afetar a cidade inteira e milhões de pessoas. Assim, os problemas da área se tornaram um desafio coletivo, cuja solução depende de dados, fatos e personagens que não estão no caderninho de fontes tradicionais das redações, quase sempre funcionários governamentais ou consultores especializados.

O conhecimento tácito dos moradores do Alemão é essencial para que a região deixe de ser uma zona de guerra entre politica e o crime organizado. Mas isto só vai acontecer quando for possível contar com informações fornecidas pelos próprios moradores.

A pesquisa da universidade Rutgers, cujos dados podem servir para estimativas do que ocorre aqui também, indica que nos bairros pobres as pessoas têm informações, mas não as transmitem por fatores que tem a ver basicamente com a cultura informativa local. Gerar uma mudança comportamental é uma tarefa complexa, onde o jornalista é uma figura obrigatória, embora não a única a buscar soluções para o problema.

O grande desafio do jornalista contemporâneo está na identificação das melhores ferramentas para lograr a interação com o público, em especial das comunidades mais pobres porque elas têm o conhecimento mínimo necessário para viabilizar a solução dos problemas que as afetam. A chave está na informação que permitirá que estas comunidades, junto com os técnicos achem a melhor solução prática pra estes problemas.

Mas para que os moradores de uma favela, por exemplo, compartilhem o conhecimento que tem sobre saneamento básico é necessário que eles assumam uma nova postura informativa, o que só poderá acontecer por influência do jornalismo. Os profissionais da comunicação, pelo menos em teoria, são os que dispõem dos instrumentos e treinamento adequados para lidar com a informação.  Isoladamente a população de baixa renda dificilmente terá condições de tomar consciência do capital informativo que ela nem sabe que tem.