Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O dia do golpe

** Jarbas Passarinho

‘Nós ficamos ouvindo a Rádio Nacional que dava informações, mas todas elas falsas. Dizendo que Castello Branco tinha sido preso, que tudo estava resolvido. No dia 1º de abril nós já soubemos da possibilidade inclusive da deposição completa de João Goulart.’

** Fernando Gabeira

‘Quando a Rádio Mayrink Veiga foi tomada pelos golpistas, nós compreendemos que o golpe militar estava realmente instalado, que eles tinham triunfado.’

** Fernando Pedreira

‘Recebemos a notícia de que o Jango estava chegando a Brasília, mas não conseguimos falar com o Jango, porque o Jango entrou clandestinamente (enfim, entrou pela porta de trás), apanhou as coisas dele, pegou o helicóptero e foi embora.’

** Wilson Figueiredo

‘O comando dos jornais é que tomou uma posição política contrária à hipótese de deposição de Jango. A palavra de ordem foi o Correio da Manhã que, se não me engano, quem primeiro falou. Fez um editorial de primeira página. Logo em seguida todos os outros jornais, mas o Correio da Manhã, que era muito veemente, muito enfático, propôs: ‘Chega de Jango’.’

** Villas-Bôas Corrêa

‘O Estado de S. Paulo participou intensamente da articulação golpista, basicamente no centro paulista, porque os Mesquita todos entraram nisso. O Estado, a família tiveram uma participação muito intensa na articulação anti-Jango.’

** Ruy Mesquita

‘Resolvemos desde o primeiro momento em que fomos procurados pelos militares – que nos advertiam sobre esse problema que eles estavam enfrentando de subversão da ordem hierárquica dentro das forças armadas –, começamos a conspirar com eles e participamos desta conspiração.’

** Márcio Moreira Alves

‘Todo conservador prefere a ordem à justiça. Entre ter ordem e não ter justiça, todo conservador prefere ter ordem, e a justiça que se dane. O Correio da Manhã era um jornal conservador, mas um jornal legalista, e ele apoiou a retomada do poder por João Goulart porque era a sucessão legal a Jânio Quadros, que havia renunciado. A performance do Jango foi lamentável, ele começou a bater caixa, fazer onda, mas não tinha nenhum plano. Falava de reformas de base, reforma agrária, mas não tinha nada de eficiente… Niomar Novaes tomou, como sempre, uma atitude a mais radical possível, chamou o redator-chefe, que era Edmundo Muniz, um velho trotskista de carteirinha, e pediu que publicasse artigos contra o Jango na primeira página… portanto, o Correio da Manhã foi um auxiliar do golpe junto à opinião pública. Com uma semana já tinha mudado de opinião e já estávamos todos como perseguidos da polícia, nos escondendo da polícia e tal. Mudou por ser um jornal legalista, um jornal liberal.’

** Seixas Dória

‘Eu recebi um telefonema do governador Magalhães Pinto, que estava visivelmente angustiado. Ele disse que entendia que a situação do presidente João Goulart era insustentável. Telefonei, naquele mesmo dia, para o Jango e eu disse tudo aquilo que Magalhães me dissera. O presidente pensou, pensou, depois me disse: ‘Eu tenho a impressão de que ou o Magalhães está blefando ou está mal-informado’. Eu mesmo retruquei ao presidente: ‘Presidente, Magalhães Pinto é mineiro. E como se não bastasse ser mineiro, é banqueiro. Um cidadão que é banqueiro e mineiro não vê fantasmas ao meio-dia’.’

** Miguel Arraes

‘Tinha perfeita consciência e conhecimento dos acontecimentos. De modo que posso dizer que encarei o golpe e os militares com tranqüilidade e segurança.’

** Leonel Brizola

‘Eu me surpreendi com o desencadeamento do golpe. Os golpistas eram rigorosamente minoria dentro das forças armadas, mas tinham muita força nos comandos, eles só conspiraram durante aquele tempo e prepararam uma encenação que assustou o governo.’

** Ferreira Gullar

‘No dia 31 de março à tarde foi deflagrado o golpe pela corporação de Exército em Minas Gerais. Então, nos reunimos na UNE, artistas, intelectuais, escritores, jornalistas, atores e cineastas, para nos manter em vigília diante do que estava acontecendo, tomar pé da situação e ver o que se poderia fazer no sentido de se defender o governo.’

** Nelson Pereira dos Santos

‘Eu estava exatamente terminando o Vidas Secas, já tinha feito a montagem e estava no laboratório ali na Rua Álvaro Ramos. Da passagem eu via a UNE pegar fogo, a Cinelândia tinha uma multidão na praça, não foi igual a 54, quando Getúlio morreu, mas havia bastante gente, um princípio de tiroteio.’

** Fernando Lira

‘O golpe mostrou que nem os militares estavam preparado para o golpe. Tomaram na marra e nem as forças democráticas estavam preparadas para reagir ao golpe, para resistirem ao golpe, houve praticamente uma entrega do país aos militares.’

** Alberto Dines

‘Para todos nós foi um dia complicado, não apenas pelos acontecimento no país, a tensão e a expectativa, mas, sobretudo, porque o Jornal do Brasil – que se comportava de uma forma mais moderada, comparado com o Correio da Manhã – foi invadido naquela tarde de 31 por um pelotão de fuzileiros navais enviados pelo famoso almirante Aragão, que era um dos braços fortes do Goulart.’

** João Pinheiro Neto

‘Ele (Jango) se perdeu muito mais pelas suas qualidades do que por seus defeitos. Quais eram esse defeitos? Era indeciso, era generoso demais, era bom demais, ele não percebeu que estávamos sonhando um sonho impossível.’

** Oliveiros Ferreira

‘O movimento foi mais como uma reação a um certo temor. O que é que se temia? Temia-se, sem dúvida, algum avanço sobre a propriedade fundiária, as chamadas reformas de base.’

** Jacob Gorender

‘Nós fomos, por assim dizer, incautos. Nós acreditávamos que o Jango tinha força para pôr em prática esse programa progressista que ele anunciava.’

** Almino Afonso

‘Não é verdade que a população, como um todo, estivesse a favor do golpe. Eu faço uma invocação importante: há uma pesquisa de opinião pública feita pelo Ibope nas vésperas do golpe, creio que um mês antes. Essa pesquisa revela que João Goulart, naquela época, ainda estava com um enorme prestígio popular.’

** Marco Antônio Coelho

‘Foi uma catástrofe, e isso levou a uma remodelação muito grande da vida brasileira. Foi uma fase de grandes dificuldades e de grandes retrocessos do ponto de vista do desenvolvimento econômico, social e político.’

** Almyr Gajardoni

‘Em Brasília, foi um dia até relativamente tranqüilo. Exatamente porque todo o esforço militar do golpe foi dirigido para o Rio de Janeiro. O centro do poder que devia ser controlado estava no Rio de Janeiro, e Brasília foi mais ou menos abandonado. Uma das fragilidades do João Goulart era que lhe faltava legitimidade democrática. Não podemos esquecer que, em 1960, houve uma eleição, e o vitorioso foi o candidato Jânio Quadros. O Jango foi eleito vice-presidente por um artifício ilegal que o Jânio usou, muito astutamente, para a sua futura jogada da renúncia. Mas, na verdade, os eleitores que elegeram Jango vice-presidente não foram os mesmos eleitores que elegeram Jânio presidente da República. E estes foram derrotados na última eleição presidencial… Naturalmente, o golpe é uma coisa muito mais antidemocrática que essa pequena nuance que eu estou citando aqui, mas, certamente, essa questão serviu para fragilizar ainda mais a posição do presidente. E, certamente, influenciou a tomada de posição da maioria dos jornais brasileiros naquele momento favorável ao golpe.’

** Luiz Gutemberg

‘Eu tenho a impressão de que, no Brasil, a nossa capacidade de se interessar por episódios marginais, por fatos pitorescos, e esquecer os sérios acontecimentos nos condena a, permanentemente, estarmos dispostos a repetir episódios lamentáveis, equívocos fatais e dolorosos como este de 64.’