Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O dono da boca

Não se pode avaliar de imprensa argentina sem mencionar o diário Clarín. O Grupo Clarín, associado a multinacionais como Goldman Sachs, Buena Vista-Disney e Telefónica, domina os meios de comunicação do país. O grupo controla o jornal mais vendido, as emissoras rádios de maior audiência em Buenos Aires, uma das redes de televisão aberta de maior importância, canais a cabo, sites de internet, produtoras de cinema e TV e operadoras de telefonia celular, entre outros negócios.

Pode-se comparar o Grupo Clarín com a Grupo Globo, no Brasil: ambos são acusados de monopólio, já que proprietários da maioria dos meios de comunicação importantes de seus países. Além disso, ao conglomerado Clarín é imputada a pecha de ter tido grande influência em fatos políticos ou de tê-los distorcido ao torná-los informação, como a Globo.

A diversidade de empreendimentos do grupo midiático argentino surgiu aos poucos, em um processo iniciado em 1945, quando o advogado e jornalista Roberto Noble fundou o jornal Clarín. Até hoje, o diário é o produto de maior visibilidade do grupo. Sob o slogan ‘o grande diário argentino’, Clarín vende na Argentina mais que o dobro que seu concorrente direto, o La Nación. Mas não é só isso: segundo o site do grupo (www.grupoclarin.com.ar), o Clarín é também jornal de maior circulação em língua espanhola no mundo.

O diário é definido pelos componentes de de sua redação como um jornal ‘multi-target’, ou seja, dirigido a todos os estratos sociais, classes econômicas, faixas etárias. Por isso, tudo no jornal é pensado para atingir a todos – desde o peão de obras até o alto executivo. Já o La Nación, seu principal rival nas classes alta e média-alta, possui um perfil mais elitista e tradicionalista, sendo o jornal mais antigo do país ainda em funcionamento – fundado em 1870 por Bartomolé Mitre, um herói nacional.

Nem direita, nem esquerda

Um dos pontos mais fortes do Clarín é o marketing. Tudo é feito pensando primeiro na vendagem, depois na informação em si e no papel que ela terá na sociedade. Um exemplo disso é a edição do dia em que Saddam Hussein foi capturado pelas tropas americanas, em dezembro do ano passado. No mesmo dia, um domingo, o Boca Juniors foi campeão da Copa Intercontinental de Futebol. Qual seria a informação mais importante para a sociedade como um todo? E qual foi o grande destaque do diário na segunda-feira seguinte? O Boca.

‘Boca Campeón’ em letras garrafais, com uma enorme foto de um jogador correndo de braços abertos, quase ultrapassando os limites do papel. A prisão de Saddam teve algum destaque, é certo, mas bem abaixo da chamada sobre o Boca e com foto e títulos menores. A capa do diário às segundas-feiras costuma ser sobre futebol, já que esse é realmente o assunto que mais vende. Mas será que essa premissa não deveria ter sido mudada frente a uma situação especial como a prisão do ex-ditador iraquiano?

O esporte, aliás, é um dos – senão ‘o’ – carro-chefe do Clarín. A editoria de Esportes é a que conta com o maior número de profissionais na redação. Por ‘esportes’ entenda-se muito futebol e pouco espaço para as outras modalidades, que só obtêm algum destaque quando os fatos envolvem atletas argentinos. Apesar de o Grupo Clarín ter um jornal esportivo de circulação nacional e grande sucesso, o Olé, o principal diário do grupo continua apostando suas fichas na seção de Esportes. Mais uma jogada de marketing.

O Clarín não se destaca por seu posicionamento político. O jornal não é considerado claramente de direita nem de esquerda, mas, sim, procura acompanhar o que se imagina que pensa a opinião pública como um todo. Parte do marketing, claro. Assumindo claramente uma posição, ele perderia o caráter ‘multi-target’ e, portanto, perderia em vendas.

Venda de ações

O diário procura facilitar ao máximo a leitura, tanto na forma de escrever quanto na diagramação. Além do formato tablóide, tido como mais prático que o tradicional standard, as letras são grandes e os espaços bem divididos. Outra característica do Clarín é o uso do negrito para destacar as passagens mais importantes da matéria. Nesse sentido, é praticamente o oposto do La Nación: este utiliza o formato tradicional, suas letras são menores e as notícias principais começam na primeira página e terminam dentro do jornal. Mais uma característica que acaba ‘selecionando’ o leitor do La Nación: só o lê quem tem o costume, a vontade e o interesse necessários para fazer o ‘esforço’ de traduzir esse esquema mais complicado de distribuição dos textos.

Visando sempre a posição de ‘multi-target’, o Clarín publica regularmente 13 suplementos: Viajes (turismo), Mujer (feminino), Ollas e Sartenes (culinário), Autos (automóveis), Rural, Informática 2.0, Si! (voltado para adolescentes), Countries (para moradores de condomínios fechados), Econômico, Revista Ñ (cultural), Zonales (voltado para bairros ou regiões específicos), Arquitectura e La Guia (guia cultural). Além desses, de tempos em tempos são vendidos junto com o jornal fascículos colecionáveis como de costura, tecelagem, dicionários, enciclopédias e coisas do gênero, o que aumenta ainda mais as vendas.

Um exemplo da postura monopolista do Grupo Clarín é a compra do Página 12, um jornal pequeno, fundado no final da década de 1980 pelo jornalista Jorge Lanata, conhecido por sua postura progressista, ou ‘esquerdista’ para alguns críticos. O Página 12 era tido como um jornal independente, inovador, de centro-esquerda, que fez da ironia sua marca registrada. Seu estilo fez com que tanto o Clarín quanto o La Nación, os dois monstros sagrados do jornalismo argentino, mudassem seus próprios estilos.

O principal alvo das baterias do Página 12 era o governo de Carlos Menem, assim representando o que pensava uma parte importante da classe média argentina. Por isso, aos poucos ele foi ganhando mercado. No entanto, depois que Menem deixou o poder, em 1999, o jornal teve de se reposicionar, já que o novo governo (do então presidente Fernando de la Rua) representava uma nova esperança para o povo argentino. Lanata se retirou da redação e, depois disso, embora ainda não se reconheça oficialmente, o jornal teve a maioria de suas ações vendidas ao Grupo Clarín.

Apesar de não cumprir mais o papel que tinha nos anos 1990, o Página 12 continua mantendo uma identificação com o setor progressista da sociedade. Mais um nicho de mercado atingido pelo Grupo Clarín.

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Jornalista