Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

O Estado de S. Paulo

NORMAN MAILER
O Estado de S. Paulo

Aos 84 anos, Mailer morre em Nova York

‘O escritor norte-americano Norman Mailer morreu na madrugada de ontem, aos 84 anos, no Hospital Monte Sinai, em Nova York, Estados Unidos. A causa da morte foi insuficiência renal. Mailer estava sob terapia intensiva desde o mês passado, quando foi hospitalizado pela segunda vez por problemas respiratórios. No mesmo mês, ele havia se submetido também a uma cirurgia de pulmão.

Um dos principais autores da corrente literária dos anos 60 conhecida como ‘new journalism’, ou jornalismo literário, Mailer escreveu mais de 40 livros, ensaios e peças para o teatro. Vencedor de dois prêmios Pulitzer, colaborou durante anos com a revista Esquire, uma das principais referências do romance de não-ficção.

Com uma carreira de quase 50 anos, o escritor foi co-fundador da revista alternativa nova-iorquina Village Voice. Filho de uma família judia de classe média de Long Branch (New Jersey), tornou-se um dos intelectuais mais conhecidos dos Estados Unidos e foi um dos grandes críticos da sociedade norte-americana. Mailer casou-se seis vezes e teve nove filhos. Vivia com a sua sexta mulher.

O escritor se definia como um ‘conservador de esquerda’ e, nos anos 60, opôs-se à Guerra do Vietnã. Boa parte de suas obras é de conteúdo político. Detido várias vezes por suas brigas e pela oposição à guerra, o escritor se voltou também contra as feministas por seus comentários considerados machistas sobre as relações entre os sexos.

‘Acho que, agora que as mulheres atingiram poder e reconhecimento, tornaram-se muito iguais aos homens em cada estupidez, vício e falta de julgamento que tivemos no curso da História’, declarou em uma entrevista promovida em 1991 pela Time com líderes feministas. ‘Elas pensam pequeno e lutam pelo poder. O movimento feminista está repleto de tiranas, do mesmo modo como os movimentos conduzidos pelos homens.’

Em uma entrevista em 1998 para a TV francesa, comparou sua relação com os Estados Unidos a um casamento: ‘Amo esse país. Detesto-o. Tenho ódio dele. Sinto-me próximo a ele. Sou seduzido por ele. Sou repelido por ele. É um casamento que durou por pelo menos 50 anos da minha vida de escritor e, durante esse tempo, o que aconteceu? Ficou pior. Não é mais como no início’.

Foi também amigo dos integrantes da geração beat. Entre suas obras mais famosas estão um romance sobre a 2ª Guerra Mundial (Os Nus e os Mortos), um pouco de jornalismo de campo (Os Exércitos da Noite) e um livro sobre a CIA (O Fantasma da Prostituta).

Mailer era fascinado pela fama, cultivando a sua própria e descrevendo a dos outros. Ele escreveu, por exemplo, uma polêmica biografia da atriz Marilyn Monroe. Embora tenha reconhecido que algumas de suas obras não resistiram ao passar do tempo, defendia o valor de alguns livros – especialmente Os Nus e os Mortos e O Fantasma da Prostituta. Em 1975, escreveu A Luta, que relata o mítico combate, ocorrido no ano anterior, entre Cassius Clay e George Foreman.

Ex-boxeador, Mailer às vezes levava discussões de idéias às vias de fato. Em 1971, ele agrediu o ensaísta Gore Vidal diante das câmeras de televisão. O escritor feriu sua segunda mulher, Adele, com uma navalha em 1962 após uma bebedeira e foi internado em um asilo psiquiátrico por 15 dias. Logo depois, o casal se separou. Em Um Sonho Americano, refletiu sobre sua vida por meio de um personagem semiautobiográfico que mergulha em um mundo de violência e sexo.

Em seu último livro, The Castle in the Forest (O Castelo no Bosque) – que foi publicado neste ano nos EUA e deve sair no Brasil no mês que vem -, imagina a infância de Adolf Hitler e apresenta o futuro ditador como fruto de uma relação incestuosa.

POLEMISTA

Mailer adorava expressar opiniões polêmicas. ‘A América é um furacão. As únicas pessoas que não ouvem o barulho são aqueles afortunados e incrivelmente estúpidos protestantes, que moram no centro do país, no olho sereno do tufão’, destacou, em um dos seus ensaios. Em outro texto, disse que a masculinidade não é algo com que se nasce. ‘É algo que você ganha. E você ganha vencendo pequenas batalhas com honra. Como há pouca honra hoje na vida americana, há uma tendência em destruir a masculinidade nos homens de nosso país.’ Mailer chegou a dirigir quatro longas-metragens.

Ele também atuou em filmes de Milos Forman e Jean-Luc Godard. Chegou a ser candidato a prefeito de Nova York, em 1969.’

 

TV PÚBLICA
Eugênia Lopes

Congresso rejeita conselho da TV pública controlado por Lula

‘Prevista no programa de governo da campanha à reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a TV pública enfrenta resistências tanto da base quanto da oposição no Congresso e dificilmente será aprovada do jeito idealizado pelo Planalto. Uma das principais críticas à medida provisória é quanto ao Conselho Curador da nova rede de televisão pública, integrado por 20 pessoas, todas nomeadas pelo presidente da República.

‘Estamos pleiteando que o Congresso tenha representantes no conselho’, diz o deputado Walter Pinheiro (PT-BA). Cotado para relatar a MP, ele é a favor de que o conselho, o presidente e o diretor-executivo da TV pública tenham de ser aprovados pelo Congresso, como os diretores das agências reguladoras. ‘Essa TV não pode ser uma porta-voz do governo nem ter um jornalismo chapa-branca ou submisso’, argumenta.

‘O conselho tem de ter representação do Parlamento’, pede também o líder do PSB na Câmara, Márcio França (SP). ‘É muita afronta colocar todos os membros do conselho indicados pelo presidente da República. Só posso imaginar que isso é o bode na sala, aquilo que vai ser negociado no Congresso.’

Ex-ministro das Comunicações de Lula, o líder do PDT na Câmara, Miro Teixeira (RJ), também defende mudanças no conselho. ‘Essa questão vai ter de ser rediscutida. No atual governo eu confio, mas quem sucederá este governo?’, diz. ‘Quero garantias duradouras de que a TV pública será democrática. Se virar uma TV chapa-branca não vai ter audiência.’

As críticas mais contundentes vêm da oposição, que teme o uso da rede para propaganda política. ‘A TV do Lula pode ser um instrumento poderoso para a tentativa do terceiro mandato. Afinal, a TV do Lula não tem nem independência financeira nem administrativa’, ataca o líder do DEM na Câmara, Onyx Lorenzoni (RS), que quer fechar questão contra a MP.

Na terça-feira, o DEM reuniu seus deputados e pôs em votação secreta, em cédula de papel, a pergunta: ‘Você é a favor da TV estatal criada pela MP 398?’ O resultado: 41 deputados se posicionaram contra a TV pública e apenas 2 foram favoráveis.

Os tucanos também resistem. ‘Essa TV é o caminho do chavismo’, diz o líder na Câmara, Antonio Carlos Pannunzio (SP), referindo-se ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que alterou a Constituição para tentar ficar indefinidamente no poder. ‘O Planalto vai ter uma televisão para proselitismo e para veicular idéias e princípios que são caros ao governo, mas não a toda a sociedade.’

Líder do PT, Luiz Sérgio (RJ) rebate a acusação. ‘Não podemos, com medo de fazer o debate, ir para a desculpa fácil de dizer que seria uma TV do governo’, diz. ‘Esse tipo de suspeição, de que será uma TV do governo, sempre vai existir. Também falavam isso em relação às indicações do presidente Lula para o Supremo Tribunal Federal’, concorda o líder do PC do B, deputado Renildo Calheiros (PE). ‘No fim se viu que não é nada disso. Há um monte de ministros indicados por Lula e o STF se mantém independente.’

‘FANTASIA’

Mas a maior preocupação do Planalto é o Senado, onde tem maioria apertada. Os governistas temem mudanças que desfigurem a MP. ‘O que tem de mais problemático no Senado é o aspecto ideológico. As TVs comerciais querem ter autonomia absoluta e não querem discutir a importância estratégica de uma programação de conteúdo nacional’, reclama a líder do PT na Casa, Ideli Salvatti (SC).

Há preocupação ainda com o fato de que um terço dos 81 senadores é dono de emissoras. ‘Existe o temor de que a publicidade estatal vá para a TV pública’, diz o deputado Paulo Bornhausen (DEM-SC), presidente da Frente Parlamentar Mista de Radiodifusão. A nova rede não poderá ter anúncios, mas a MP prevê que ela receba patrocínio cultural e apoio cultural.

‘É uma fantasia, um delírio imaginar que estatais como Petrobrás e instituições como Banco do Brasil e a Caixa, que competem com Bradesco e Itaú, vão deixar de anunciar nas TVs comerciais’, contesta o deputado Flávio Dino (PC do B-MA).

Dono da TV Tropical, no Rio Grande do Norte, José Agripino Maia (DEM) concorda. ‘O fato de ter senadores donos de TV terá influência igual a zero em relação à MP. Até porque os senadores são donos de afiliadas de grandes redes, que recebem os anúncios das grandes estatais. Para as afiliadas, o faturamento com comerciais é local.’ Para ele, porém, a nova TV é uma despesa desnecessária. ‘Vão gastar uma fortuna para fazer o que outros já fazem.’’

 

Taxa cobrada das casas que têm TV financia a BBC

‘Quando se fala em TV pública a primeira coisa que vem à cabeça é a emissora britânica BBC (British Broadcasting Corporation), que começou a funcionar em meados do século passado. Financiada por verbas públicas, obtidas de uma taxa anual de 145 libras (R$ 580), cobrada de todos os lares em que há aparelhos de TV, a BBC é conhecida por sua independência editorial.

Seu conselho curador é integrado por 12 pessoas, com mandato de 4 anos, e controla a qualidade dos programas e as finanças. Não há representantes diretos do governo nele. Em 2005, o orçamento da BBC, arrecadado com a taxa, foi de R$ 8 bilhões.

Como a BBC, a NHK, do Japão, tem como principal fonte de financiamento uma taxa equivalente a US$ 12 (R$ 22), cobrada dos japoneses que têm TVs. Já a renda da PBS (Public Broadcast System), a TV pública dos EUA, vem de recursos federais – 15% da receita anual -, doações e patrocínios de programas. Os 27 membros do Conselho Diretor têm mandato de 6 anos e são representantes de estações de TV.

A TV pública brasileira será financiada pela União – R$ 350 milhões em 2008 -, mas a expectativa é que ganhe mais R$ 50 milhões por ano com prestação de serviços e R$ 30 milhões de patrocínios. O Conselho Curador será integrado por 20 pessoas: 15 representantes da sociedade civil, 4 ministros e 1 representante dos funcionários. Todos nomeados por Lula. Os conselheiros terão mandato de 4 anos e serão responsáveis pela aprovação da linha editorial.’

 

LITERATURA
Luiz Zanin Oricchio

O mundo pessoal de Rubem Fonseca

‘Qualquer um conhece as vantagens de manter um site ou blog na internet: neles, podemos tornar públicos pensamentos, idéias, relatos de viagens, devaneios, anotações – tudo aquilo que não teria outro destino a não ser os já muito fora de moda diários íntimos. Quando se trata não mais de um comum mortal, mas de um escritor famoso como Rubem Fonseca, o caso muda de figura. Conhecemos Fonseca por seus contos e romances, mas não sabemos direito como pensa sobre outros aspectos da vida, mesmo porque mantém a sábia decisão de não conceder entrevistas. A diferença é que ele pode transformar exercícios de internet em livro. O Romance Morreu, lançado agora pela Cia. das Letras, é composto desses textos virtuais, levemente modificados.

Fonseca escreve em seu site, abrigado no Portal Literal (o endereço é portalliteral.terra.com.br/rubem-fonseca), e tem como colegas de espaço virtual autores como Lygia Fagundes Telles, Ferreira Gullar, Luis Fernando Verissimo e Zuenir Ventura. O portal é patrocinado pela Petrobras, tem curadoria de Heloisa Buarque de Holanda e é promovido pela produtora carioca Conspiração.

O título da coletânea é o do primeiro texto, justamente a discussão sobre a sobrevivência do romance na época de escrita rápida pela internet. Fonseca chega à conclusão de que os leitores podem talvez acabar um dia, mas o romance tem longa vida pela frente. Kafka escrevia para si mesmo, lembra. E, segundo a lenda, o poeta épico Camões , tendo de optar entre a amada e Os Lusíadas, durante um naufrágio, deixou que a mulher fosse ao fundo e agarrou-se ao manuscrito. Esse apego do escritor à obra garantiria a sua sobrevivência, mesmo em época ingrata como a nossa.

Em seus textos, Fonseca escreve sobre literatura, mas também sobre assuntos variados como a Copa do Mundo de 1950, masturbação, pornografia, o travesti Viveca nas gravações de Mandrake (série de TV baseada em livro seu), o mar, a praia, o sol, a pele, a queda do Muro de Berlim, uma viagem recente a Israel, Jack o estripador, a praga dos spams, Michael Jackson, etc. Enfim, exercita esse dom de todos nós – a curiosidade – colocando no papel, ou na tela do computador, suas reações a tudo aquilo que a desperta. E o faz com auxílio de outro dom, este nem tanto difundido, o da escrita clara.

Porque, sim, deve-se dizer que, embora nem todos os textos sejam profundos e/ou originais, como se esperaria de um grande escritor, são todos bem agradáveis de se ler. E exibem outra característica, rara no mundo blogger: apesar de pessoais, são muito pesquisados e informativos. O que não chega a ser surpresa em se tratando de Rubem Fonseca, autor que se utiliza de erudição enciclopédica mesmo em sua ficção, na qual pode discorrer em páginas e páginas sobre diversos tipos de facas, batráquios e marcas de charutos.

Enfim, são textos pessoais mas não insuportavelmente umbilicais como os da maioria dos blogs, que servem mais ao narcisismo do autor que a um pretenso diálogo. Rubem Fonseca é escritor profissional. Isso quer dizer que tem sempre em vista um hipotético leitor. No seu caso de autor de sucesso, uma multidão deles. E, assim, trata de tornar agradável temas que seriam insípidos sob pena menos inspirada, como sua obsessão por bulas de remédios.

De longe, o texto mais ambicioso – e também um dos mais extensos – é o relato de uma visita recente a Israel, em companhia de vários outros escritores brasileiros. O que se espera de um relato de viagem? Que seja vívido e nos transmita, pelas palavras, ‘imagens’ de lugares que não conhecemos; que interprete o que vê e essa interpretação não seja banal, não fique aquém daquele objeto (o país desconhecido) observado pelo viajante. Temos disso no texto de Rubem Fonseca. O olhar arguto, o humor, a atenção para com as semelhanças e as diferenças. (Toda viagem, no fundo, consiste na aproximação e na discussão desse par de aparentes opostos, a semelhança e a diferença entre pessoas e povos.)

Mas, se Rubem Fonseca consegue prender o leitor num grande tema como é o da viagem, nos ‘pequenos’ assuntos se torna ainda mais atraente (coloco aspas porque não existem temas menores, apenas temas bem ou maltratados). Assim, em La Cabeza Rubia de Fonseca, pode lembrar que é homônimo de uma ilustre marca de charutos cubanos. Em O Maior Órgão do Mundo divaga sobre a pele e as agressões que ela sofre no mundo moderno. Em Masturbação, bem… E, em Pipoca, revela-se um connaisseur que não tolera o uso de microondas no preparo da iguaria – indispensável companheira de quem está em casa e vê filmes em DVD. Falando nisso, Rubem Fonseca, que já teve vários dos seus livros transformados em filmes, confessa-se um cineasta frustrado. Ainda está em tempo de começar.’

 

CINEMA
Francisco Quinteiro Pires

Ensaios discutem as transformações no cinema nacional

‘Em 2004, a parceria entre pesquisadores brasileiros, italianos, franceses e ingleses para estudar o cinema brasileiro resultou no livro Alle Radici del Cinema Brasiliano, publicado pela editora da Universidade de Salerno. Além de promover um intercâmbio entre estudiosos, o objetivo da publicação era apresentar a leitores italianos um panorama da história do cinema brasileiro, das produções pioneiras, passando pelas chanchadas e cinema novo, até as realizadas depois do governo Collor.

Filmes autorais e comerciais são contemplados, segundo o professor da Universidade de Milão e organizador do livro, Gian Luigi de Rosa, que parafraseia o crítico de cinema Paulo Emilio Salles Gomes, pois ‘todo filme brasileiro, feio ou belo que seja, tem a potencialidade de nos fazer compreender mais um pouco da complexidade deste enorme universo humano chamado Brasil’.

A fim de mostrar aos brasileiros as reflexões contidas na edição original em italiano, a Alceu – revista semestral de comunicação, cultura e política da PUC-Rio – decidiu publicar os ensaios no número 15 (de julho a dezembro de 2007), com o tema Raízes e Veredas do Cinema Brasileiro. Ela retirou dois artigos do livro italiano, por terem versões já publicadas no País, e acrescentou quatro novos, entre eles Humanizadores do Inevitável, de Ismail Xavier.

O professor da USP aponta Madame Satã (2002), de Karim Aïnouz, como um marco, por promover uma mudança de tom – ‘a pauta até 2002 havia acentuado o comportamento destrutivo de figuras reduzidas à impotência ou atores de uma violência decomposta, fora do lugar. Agora, o confronto do protagonista com a opressão não gera o auto-envenenamento pois os traços do ressentimento estão ausentes da figura’, ele escreve. Homossexual negro mergulhado num universo de discriminação, Madame Satã luta para se afirmar como sujeito e o faz sem romantização ou sublimação. Ismail aborda outros longas-metragens recentes, como Cidade de Deus, Ônibus 174, Carandiru, Bicho de Sete Cabeças, etc., para mostrar como a temática e os personagens criados por eles têm a sua função de humanizadores do inevitável, que pode ser tanto a barbárie como a globalização.

Enquanto Ismail Xavier ilumina pontos de inflexão e de renovação no cinema brasileiro contemporâneo, Eryk Rocha argumenta em A Exaustão da Normalidade que a geração atual de cineastas, tachada de ‘cinema novinho’, é desmemoriada, produz um cinema ‘satisfeito, sem angústia formais, sem medo, sem sabor’, cuja intenção é reconciliar-se com o público e agradar ao mercado. Os ‘ímpetos criativos’ e a ‘função contestatória’ se submetem à abordagem pasteurizada, tímida e inconseqüente e à retórica e estética dos grandes números e dos cifrões. Para fugir dessa situação, Rocha defende o papel repensado do Estado como interventor do destino cultural do País e o diálogo entre tecnologias digitais e a herança estética do cinema autoral realizado nos anos 1960 e 1970.

Gian Carlo de Rosa discorda de Eryk Rocha e ressalta o dilema em que se meteu a cinematografia produzida desde meados dos anos 1990. Os cineastas olham hipnotizados para o passado; o peso do Cinema Novo ainda é massacrante. ‘O cinema brasileiro vive um eterno complexo edípico: Glauber Rocha é o contínuo ponto de referência, a eterna fonte de onde tirar nova linfa, o pai que se quer igualar e recusar.’ A despeito dos críticos, somente o tempo dirá se os filmes brasileiros contemporâneos estão mesmo deixando a casa paterna.’

 

JORNALISMO LITERÁRIO
Luiz Zanin Oricchio e João Luiz Sampaio

Páginas que revelam uma época

‘Que Falta Ele Faz! É esse o significativo subtítulo do livro de Elizabeth Lorenzotti sobre o Suplemento Literário do Estado de S. Paulo, marco do jornalismo literário brasileiro que circulou de 6 de outubro de 1956 a 17 de dezembro de 1966, deixando um legado de textos até hoje atuais e saudades em leitores e colaboradores. O estudo de Elizabeth, porém, não se quer saudosista ou nostálgico. A pesquisadora entende que a compreensão daquele que foi um modelo de excelência no passado pode servir de inspiração para o presente, mesmo que seja neste mundo veloz de hoje.

Idealizado por Antonio Candido e dirigido por Décio de Almeida Prado, o Suplemento Literário mantinha em seu quadro de colaboradores fixos nomes como Wilson Martins, Paulo Emilio Salles Gomes, Ruy Coelho e Lívio Xavier, autores que se tornaram paradigmas em suas áreas de atuação específicas – a crítica literária, a cinematográfica, a antropologia, etc. Um dos segredos do SL foi fazer de suas páginas ponto de encontro dos maiores talentos de uma geração.

Suplemento Literário – Que Falta Ele Faz! (Imprensa Oficial, 208 págs., R$ 40) traz um histórico da publicação e das condições sociais e culturais na época da sua aparição. Inclui entrevista inédita com Antonio Candido e uma cópia do projeto inicial do suplemento apresentado a Julio de Mesquita Neto, então diretor do jornal. E, sim, a cereja no bolo – um conto do então candidato a escritor Francisco Buarque de Holanda. O autor de Estorvo, na época já famoso como cantor e compositor de A Banda, era um neófito como ficcionista. Estreou no Suplemento Literário, com um conto chamado Ulisses, na edição de 30 de julho de 1966. Abaixo, trechos da entrevista com Elizabeth Lorenzotti, que lança o livro na quarta-feira, a partir das 17h30 , no hall do Auditório Simon Bolívar, no Memorial da América Latina.

A sra. lembra que uma das características principais do Suplemento Literário era sua autodefinição como ‘suplemento artístico e não jornalístico’. O que significava isso?

Já existia no jornal uma seção, Letras e Artes, dedicada basicamente ao noticiário jornalístico. O Suplemento, desde o projeto de Antonio Candido identificado como Suplemento Literário e Artístico d’O Estado de S. Paulo, pretendia ser uma pequena revista semanal de cultura. Mas já no plano inicial, Candido frisava que se devia evitar dois extremos, ‘o tom excessivamente jornalístico e o tom excessivamente erudito’. O primeiro, porque não pesaria na opinião, não contribuiria para criar hábitos intelectuais, não colocaria o leitor em contato com o pensamento literário; o segundo, porque seria de leitura penosa. Considerava que quase não havia revistas literárias no Brasil, e os suplementos de jornais funcionavam como sucedâneos delas. O texto de apresentação do primeiro número frisava: ‘O Suplemento não será jornalístico, nem no alto nem no baixo sentido do termo.’ E continuava Décio de Almeida Prado: ‘O jornal, por definição, por decorrência, poder-se-ia dizer, da própria etimologia da palavra, vive dos assuntos do dia (…) A perspectiva do Suplemento tinha, pois, de ser outra, mais desapegada da atualidade, mais próxima da revista que, visando sobretudo a permanência, pode dar-se ao luxo de considerar mais vital a crônica dos amores de um rapaz de 18 e uma menina de 15 anos na Verona pré-renascentista, do que qualquer fato de última hora, pelo motivo de que as crises, as guerras, até os impérios, passam com bem maior rapidez que os mitos literários, muitos dos quais vêm acompanhando e nutrindo a civilização ocidental há pelo menos 30 séculos.’ Essa concepção não é de fácil assimilação para nós hoje, o que já acontecia na época, aliás. O próprio Décio, em entrevista de 1997, afirmava que existiam reclamações , ‘dizia-se que não era jornalístico, que falava de coisas que não interessavam ao leitor comum’. Mas na verdade interessaram muito a quem estava de alguma forma ligado às letras, às artes plásticas, à música, ao cinema, ao teatro, à dança. Encontrei e encontro pessoas que mantêm coleções do Suplemento em casa, que estudaram nele e o utilizaram para dar aulas.

Qual acha que foi o papel do Suplemento Literário na efervescência da vida cultural da época? Ele a influenciou ou foi apenas reflexo de uma época também bastante rica? Qual o papel do SL ao lado de outros suplementos, como o do Jornal do Brasil, por exemplo?

Creio que o Suplemento Literário foi uma via de duas mãos: influenciou e refletiu essa época rica de desenvolvimento em todos os setores da vida do País. Com seu projeto (equilibrado, como diz Antonio Candido, entre a tradição e a inovação) refletindo a discrição e a sobriedade de seus idealizadores, conseguiu dar uma idéia do panorama nos Estados, sem descuidar-se do foco internacional. Aliás, acompanhar o que acontecia nas artes e nas letras do exterior foi uma das grandes contribuições do Suplemento, numa época em que a tecnologia das comunicações ainda engatinhava. O Suplemento Dominical do Jornal do Brasil teve igual importância. Entretanto, era uma publicação de combate, de movimentos. O SL realizou uma fórmula paulista, com um tom universitário. Como diz Antonio Candido, acolheu a vanguarda, mas esteve sempre ligado a uma espécie de linha média das concepções literárias.

Em que medida seria possível pensar a vida cultural de São Paulo tomando como ponto de partida e de referência a criação e o desenvolvimento do projeto do SL?

A São Paulo de fins dos anos 50 era uma cidade que ainda não se descentralizara. Até a segunda metade dos anos 1960, no grande quadrilátero formado pelas avenidas Angélica, Brigadeiro Luiz Antônio, Paulista e São João, concentravam-se não apenas comércio e serviços, como sobretudo os principais equipamentos culturais da cidade: universidades, bibliotecas, teatros, cinemas, livrarias, redações e sucursais de jornais, etc. Intelectuais, artistas, jornalistas encontravam-se no barzinho do MAM, na Rua Sete de Abril, instalado no mesmo endereço do Masp, fundado um pouco antes, em 1947, por Assis Chateaubriand e Pietro Maria Bardi. Desde a década de 50, a redação do Estadão ficava na Rua Major Quedinho; na Alameda Barão de Limeira, o grupo Folha; na Rua João Adolfo, a Editora Abril; mais tarde, na Avenida São Luís, as sucursais de O Globo e Jornal do Brasil. Ainda no centro velho, as agências internacionais; na Nestor Pestana, o auditório da TV Excelsior. E, claro, as livrarias, nas imediações da Biblioteca Mário de Andrade. Subindo um pouco a Consolação, a Filosofia da USP, na Rua Maria Antônia. Esse ambiente cultural – que vinha da Semana de Arte Moderna de 1922, dos anos 30, com a criação do Departamento de Cultura; do TBC, da Vera Cruz, nos anos 40, da revista Clima – do mesmo grupo de estudantes da USP que se tornariam os colaboradores do SL; dos museus, das bienais – alcançou a década de 60 ampliado, transformado, evoluído, assim como a cidade que crescia, não era mais uma província. A redação do SL era um centro animado de discussões. E o Suplemento, um veículo transmissor de idéias, um intermediário, um mediador cultural que teve seu importante papel na reflexão e na difusão da crítica cultural da cidade e do País.

Se o livro se preocupa em mostrar que o Suplemento Literário é fruto de uma época, de um momento específico, será que cabe a nostalgia que perpassa o texto, desde o título (Que Falta Ele Faz!), e a tentativa de julgar os cadernos culturais atuais tendo o SL como referência?

O título foi sugerido pelo artista Tide Hellmeister, que fez a capa do livro, ele mesmo um ex-colaborador do Suplemento. Tide traduziu o sentimento da maioria das pessoas com as quais falei. Na verdade, esta é uma preocupação minha com a recepção do livro: pensarem que se trata de algo nostálgico, um carro com os faróis voltados para trás, que de nada vale para jogar luz na nossa acidentada estrada do século 21. Não! Resgatar a história serve e servirá sempre para iluminarmos o presente e o futuro. E, sempre à luz do espírito crítico, clarear, recuperar experiências boas ou más, peneirar, transformá-las. Não é verdade que o leitor de hoje não gosta e/ou não tem tempo de ler textos mais reflexivos, densos e, portanto, maiores. Vivemos um tempo em que as pessoas estão ávidas por saídas, e saída só se encontra pensando e lendo o que pensa o outro. Arte e cultura não são separadas da vida, não constituem só uma indústria. São legados imemoriais. A mídia, que tanta responsabilidade carrega, tem o dever de rever sua história e abrir mentes e corações para novas experiências que ajudem o homem a se tornar mais humano.

O SL poderia ter-se adaptado à nova época ou seu fim era inexorável? Quais seriam as possibilidade, hoje, de um caderno cultural de mesmo nível, adaptado à realidade do presente? Ou, mudando o enfoque da questão: a sra. acha que o SL pode servir como inspiração para o jornalismo cultural de hoje, sem que se caia na nostalgia, sempre paralisante, dos ‘bons tempos’ e de uma época de ouro que já passou e não volta mais?

O Suplemento cumpriu o seu papel na sua época. Poderia, sim, ter se adaptado aos novos tempos, se as mudanças não tivessem se imposto, no jornalismo, na tecnologia, na economia, na política, na chamada indústria cultural, no País, no mundo enfim, de forma tão abrupta. Não tenho dúvida de que essa experiência pode ser retomada. Não tenho dúvida de que grupos de pessoas podem transformar radicalmente as coisas em qualquer setor da vida humana. E para melhor. Algo se perderia em moeda? Talvez sim, talvez não. Mas certamente muito se conquistaria em reflexão, pensamento crítico, maior compreensão e contribuição para a cultura que, no fim, significa maior contribuição ao esclarecimento e à ampliação de horizontes de leitores que, sim, agradeceriam. A internet é um veículo que conquista, cada vez mais, possibilidades para várias experiências. Setores representativos do pensamento de várias correntes da sociedade e de seus múltiplos movimentos culturais também abrem seus caminhos em publicações próprias, mostrando aspectos que quase nunca chegam à chamada grande imprensa. Mais cedo ou mais tarde os jornais trilharão o caminho, já apontado por especialistas há algum tempo, da análise, da opinião, da crítica, enquanto a notícia ficará por conta de veículos mais ágeis. E que papel importante esse, o da reflexão e do reconhecimento da pluralidade. É quando uma experiência como a do Suplemento Literário poderá ser resgatada, em papel, que é muito melhor de se ler, reunindo os novos críticos e pensadores da literatura, do cinema, do teatro, das artes e os que já trilharam várias estradas, para repassarem sua experiência.’

 

Antonio Candido

Uma análise da relação entre imprensa e cultura

‘Este estudo bem feito, honesto e oportuno conta a história do Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo nos decênios de 1950 a 1970, registrando a mudança profunda que ocorreu nesse lapso de tempo no jornalismo, cada vez mais voltado para o imediato e o registro rápido. Partindo da boa fundamentação teórica e histórica, a autora analisa com precisão o material disponível, fazendo reflexões pertinentes sobre a função cultural da publicação estudada. Isto lhe permite mostrar qual foi o seu papel no momento e refletir sobre problemas da relação entre jornalismo e cultura. As conclusões são importantes e expostas com visão certeira sobre a natureza da imprensa cultural em nosso tempo.

Creio que Elizabeth de Souza Lorenzotti sentiu bem o significado do Suplemento no complexo cultural paulistano, do qual ele foi um episódio relevante entre a Semana de Arte Moderna de 1922 e a transformação vertiginosa que nos anos de 1960 e 70 faz da cidade uma metrópole, liquidando suas últimas tinturas provincianas.

Nesse processo, O Estado de S. Paulo teve papel de alto relevo, como representante da burguesia ilustrada. A sua redação era um fermentário trepidante do qual saíram, direta ou indiretamente, grandes realizações, como, por exemplo, a Universidade e a sua renovadora Faculdade de Filosofia, frutos das idéias e da ação de Julio de Mesquita Filho e Fernando de Azevedo, colaborador do jornal. Outro colaborador, Paulo Duarte, levou as idéias do grupo a um prefeito esclarecido, Fábio Prado, resultando o Departamento Municipal de Cultura, marcado pela atuação profundamente modificadora e criativa de Mário de Andrade.

O Suplemento Literário pertence a essa constelação, e até a nossa revista Clima não lhe é estranha, pois a idéia de fundá-la veio de Alfredo Mesquita. Foi, portanto, um momento feliz da mentalidade liberal, fato que a autora estuda bem, inclusive mostrando a atuação de Julio de Mesquita Filho, sem esquecer a compreensão com que deu ampla liberdade ao Suplemento.

De fato, embora avesso às esquerdas, não discriminava colaboradores por motivo ideológico, aceitando o livre jogo das idéias. A análise da autora a respeito é correta, como é correta a maneira pela qual destaca como fator decisivo as concepções e a atuação de Décio de Almeida Prado, grande intelectual e grande homem de bem, que dirigiu o Suplemento de 1956 a 1966, imprimindo-lhe a marca da sua personalidade íntegra e harmoniosa.

Muito interessante é a análise da passagem do Suplemento Literário ao Cultural, em consonância com a mudança de mentalidade no jornalismo, e ainda aí se destaca o seu cuidado na análise das repercussões que ele sofreu das características técnicas e sociais de um momento de mudanças aceleradas. Neste sentido, assinala a atuação de Nilo Scalzo, sucessor de Décio de Almeida Prado, marcado pela mesma dignidade pessoal e a mesma segurança de critérios.

Em suma, o livro de Elizabeth de Souza Lorenzotti é uma contribuição que vai além do mero valor monográfico, pois constitui uma análise pertinente das relações entre jornalismo e cultura, à luz de um caso que soube estudar com rigor e competência.

Prefácio para o livro Suplemento Literário – Que Falta ele Faz!, de Elizabeth Lorenzotti’

 

TELEVISÃO
Etienne Jacintho

Todo mundo quer estar em Mandrake

‘A HBO estréia no dia 18, às 22 horas, a segunda parte da 1ª temporada da série Mandrake, produzida em parceria com a Conspiração Filmes. Marcos Palmeira está de volta na pele do charmoso detetive que circula no submundo carioca. Serão mais cinco episódios para completar o pacote de 13 capítulos.

Mandrake resgatou o conceito das participações especiais e os atores querem fazer parte da série. O melhor é que ninguém vê o trabalho como uma simples ponta. ‘O ator busca qualidade e, se você oferece um papel bom, pode ser de apenas uma cena’, fala Leonardo Monteiro de Barros, sócio da Conspiração. ‘Só nos primeiros oito episódios tivemos 104 atores com falas.’

Esta segunda parte de Mandrake reúne nomes como Ricardo Blat, Antônio Grassi, Cacá Carvalho, Bruna Lombardi, Nelson Motta, Xuxa Lopes, Gracindo Júnior e, novamente, Alexandre Frota.’

 

TV NOS EUA
O Estado de S. Paulo

Greve nos EUA afeta safra na TV

‘Os roteiristas de cinema e TV estão em greve nos Estados Unidos desde a última segunda-feira, dia 5. Eles querem uma maior participação nos lucros das vendas de DVDs e de conteúdos para a internet, entre outras reivindicações. Infelizmente, essa greve afeta a vida de quem curte seriados, afinal, muitas atrações ainda estão sendo rodadas e terão suas temporadas atrasadas. Cerca de 12 mil roteiristas aderiram à greve.

A equipe de Lost, por exemplo, havia filmado até a semana retrasada sete episódios que não foram finalizados. A solução para a ABC é atrasar a estréia da 4ª temporada, prevista para fevereiro ou fechar o ciclo com esses poucos capítulos.

A Fox seguiu a primeira opção e decidiu segurar a estréia da 7ª temporada de 24 Horas , já que apenas oito episódios da safra haviam sido filmados antes da greve. A série do agente Jack Bauer não tem graça se não tiver a temporada fechada nos 24 capítulos.

Segundo o The New York Times, a lista de profissionais de séries que rapidamente entraram em greve incluem a nova The Big Bang Theory e a veterana Two and a Half Men. Tina Fey, estrela e roteirista de 30 Rock, também parou. Heroes é outra série em apuros.

Algumas produções que estão paradas são The New Adventures of Old Christine, The Office, Rules of Engagement, Til Death e até Desperate Housewives.

Para preencher a grade, os canais americanos vão utilizar reality shows e filmes . A última greve de roteiristas que houve nos Estados Unidos foi em 1988 e durou cinco meses.’

 

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O Estado de S. Paulo – 2

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