Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O Estado de S. Paulo

ESTADÃO SOB CENSURA
Moacir Assunção

‘A censura é um absurdo, é uma excrescência’

‘Professor emérito da Universidade de São Paulo (USP) e um dos fundadores do PT, partido com o qual rompeu em 2003, o sociólogo Francisco de Oliveira, conhecido como Chico de Oliveira, vê a censura ao Estado como sinal claro de um processo de ‘regressão da política’. Para ele, o cenário remete, cada vez mais, aos tempos da ditadura militar, principalmente nos países que considera de fraca tradição democrática, como o Brasil e a Rússia. ‘O que ocorreu é inominável, um horror que até temos dificuldade de adjetivar’, diz.

‘A imprensa tem sido um dos poucos canais que a expressão popular pode utilizar e essa censura prévia não é isolada. Ao contrário, é parte de um processo de avassalamento da cidadania e das instituições democráticas, que sofrem uma brutal crise de representatividade’, alerta.

Desde 31 de julho, por decisão do desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF), a partir de solicitação do empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), o Estado está proibido de publicar qualquer reportagem referente à Operação Boi Barrica, da Polícia Federal, que investigou os negócios da família.

Na quarta-feira, o Conselho Especial do TJ considerou o desembargador suspeito e o afastou do caso, por ter feito críticas ao jornal. Apesar disso, a liminar da censura foi mantida, em uma decisão criticada por vários juristas. O novo relator, Lecir Manuel da Luz, vai decidir agora se a censura continua ou será abolida. Eis a entrevista:

Por que houve a censura ao jornal, na visão do senhor?

A censura – e o Estado viveu isso durante a ditadura, quando teve de publicar poemas de Camões e receitas de bolo no lugar de notícias proibidas de circular – é um absurdo completo e uma excrescência. Lamentavelmente, no mundo inteiro, temos assistido a um processo de regressão da política, que é extremamente preocupante. Com a censura ao jornal, se tocou em um ponto nevrálgico da cidadania, que é a liberdade de expressão, um bem muito caro à sociedade, que lutamos muito para conquistar. Mas é tudo parte de um processo em que parece que voltamos ao passado. E, pior, a um passado sombrio, que pensamos que jamais voltaria. É uma situação um tanto quanto surreal.

O que causa esse processo?

Com a centralidade do mundo globalizado, o Executivo, em todos os países, mas principalmente nos de pouca tradição democrática, como o Brasil e a Rússia, se tornou praticamente o único Poder, onipotente e todo-poderoso. O Executivo legisla, julga e executa. Qual foi a lei importante surgida nos últimos anos de autoria do Legislativo no Brasil? Nenhuma. O Legislativo nunca mais teve importância no País depois da ditadura militar. Não pôde, por proibição do regime militar, lidar com temas orçamentários, por exemplo, mas o Orçamento é o coração do Estado moderno, o que o torna praticamente supérfluo. Assim, há um processo de avassalamento do Legislativo, que chega a outras instâncias da sociedade, como à imprensa, simbolizado por esse caso do Estado. Por outro lado, o governo tem atuado por meio das medidas provisórias. As MPs que, como o próprio nome diz, deveriam servir para situações muito especiais. Aqui, porém, a exceção virou regra. Há também muitos parlamentares que apreciam essa condição de servilismo.

Há muitos casos de jornais do interior censurados também via Judiciário, a pedido de prefeitos e outras autoridades.

Esse processo ocorre em todos os lugares. A imprensa, com todos os seus problemas, tem sido a possibilidade de a sociedade se pronunciar. Se essa voz é calada, sobra muito pouco. Os partidos estão totalmente descaracterizados. Parece que tanto faz como tanto fez. Os sindicatos, por sua vez, estão enfraquecidos e, em muitos casos, falidos. Esse é um momento muito difícil para a cidadania no Brasil, porque não temos meios de nos defender desse Poder gigantesco que é o Executivo. O cidadão não pode ficar condenado a se pronunciar somente de quatro em quatro anos, durante as eleições.

O caso da família Sarney e o Senado poderia se enquadrar no velho Estado patrimonialista brasileiro, que faz questão de marcar a sua autoridade?

Há uma divisão clara de trabalho na família que lembra a velha tradição das famílias oligárquicas. Antes, um filho ia para o Exército, outro para a carreira religiosa, outro para a política e, por fim, outro, quase sempre visto com o menos inteligente, para os negócios. Hoje, ninguém mais quer ser general ou padre e a única preocupação dessa nova elite é enriquecer nos negócios. A gente podia até se divertir com as estripulias da família no Senado, mas agora, com a censura, nem isso pode.

Como a sociedade pode lutar contra esse movimento que o sr. chama de regressão às antigas formas de política?

Infelizmente, não vejo motivos para otimismo. A sociedade sofre todos esses problemas e perde as suas poucas possibilidades de expressão, mas a economia vai bem, está crescendo até. Então, há pouco ânimo para criticar a situação, o que é lamentável. Não vejo uma situação melhor em curto prazo. Esperamos que tudo isso seja um ciclo e as eleições de 2010, talvez, ajudem a mudar um pouco esse panorama. Mas, lamentavelmente, acho que esses são tempos sombrios e há pouco a fazer para mudar esse quadro. Vivemos um período muito difícil.’

 

RÚSSIA
Luke Harding

Neto de Stalin quer limpar nome do ditador

‘Sentado na sala da sua casa em Moscou, cercado por livros sobre a história do século 20, o representante comercial Leonid Zhura fala sobre como a vida era melhor sob o regime do ditador soviético Josef Stalin (1924-1953). ‘Foi uma época heroica. Pela primeira vez, uma sociedade era fundada com base em princípios justos’, diz ele, acrescentando que Stalin não cometeu nenhum crime. Acredita-se que entre 20 e 40 milhões de pessoas foram mortas sob o regime de Stalin.

A opinião de Zhura não é tão incomum na Rússia atual. O que o distingue de outros fãs de Stalin é que ele está indo aos tribunais para provar seu argumento de que o ditador não matou ninguém. E afirma ter uma testemunha impecável – o neto de Stalin, hoje com 73 anos.

Yevgeny Dzhugashvili – descendente do desafortunado Yakov, filho de Stalin – compareceu esta semana a um tribunal em Moscou. Ele vive em Tbilisi, na Geórgia, mas a convite de Zhura foi à capital russa para ser testemunha em uma ação de difamação contra o jornal liberal russo Novaya Gazeta.

Dzhugashvili está exigindo uma indenização por danos de US$ 299 mil do Novaya, por causa de artigo publicado pelo jornal dizendo que seu avô assinou pessoalmente as ordens do Politburo para execução de civis. Para o autor do artigo, Anatoly Yablokov, um processo desse tipo seria impensável até recentemente – mas agora é possível, o que é deprimente.

‘Há uma mudança na visão que a sociedade tem de Stalin’, disse o jornalista em uma audiência preliminar. ‘Hoje ouve-se muito mais do que nos anos 90 que Stalin foi um administrador eficiente, mas fala-se muito menos sobre a repressão.’

Mas, segundo Zhura, Stalin criou uma sociedade superior às suas rivais capitalistas, não só no campo científico como também no futebol. ‘Durante uma excursão à Grã-Bretanha em 1945, o Dynamo de Moscou arrasou o Manchester United.’

Ele também insiste que o famoso pacto Molotov-Ribbentrop – com base no qual Hitler e Stalin secretamente dividiram a Europa Oriental em agosto de 1939 – não foi a causa da 2ª Guerra. Zhura também diz que os nazistas é que cometeram o conhecido massacre de oficiais poloneses, em Katyn, em 1940. ‘Stalin não escreve assim. É falso!’, disse Zhura, mostrando uma cópia de documento assinado por Stalin aprovando a operação.

De acordo com Zhura, os parceiros de Stalin é que estavam por trás do Grande Terror – período de expurgos entre 1937 a 1938, que matou dezenas de milhares de pessoas. Zhura defende que os que foram para gulags mereceram tal destino.

Seria fácil, mas errado, subestimar Zhura, tratando-o como um maluco cuja defesa de Stalin condiz pouco sobre a opinião russa atual. No ano passado, Stalin ficou em terceiro numa pesquisa sobre a maior figura histórica do país.

O processo foi aberto num momento em que a Rússia lança uma campanha para reabilitar Stalin. Nos livros didáticos, ele é descrito não como um assassino em massa, mas como um grande líder que derrotou os nazistas e industrializou uma União Soviética atrasada.

O historiador de oposição Vladimir Ryzhkov lembra que o revisionismo do Kremlin é uma tentativa para justificar o seu próprio modelo autoritário, conhecido como ‘democracia soberana’. Para Zhura, contudo, uma coisa é indiscutível : ‘Stalin era gentil, generoso e magnânimo, um gênio. Se ele matou milhões de pessoas, por que tanta gente ainda o ama?’’

 

ARGENTINA
Ariel Palacios

Cristina segue passos de Perón em cerco à mídia

‘Pouco antes de morrer, em 1974, o caudilho argentino Juan Domingo Perón assinalou: ‘Fui deposto quando tinha todos os meios de comunicação em meu favor. E ganhei as eleições quando os tinha todos contra mim!’ Perón referia-se à sua queda, em 1955, quando mantinha um controle sem precedentes dos meios de comunicação, e a sua vitoriosa eleição, em 1974, quando a mídia era majoritariamente contrária a ele.

A frase do fundador do peronismo voltou à tona na quinta-feira, quando a Câmara aprovou a polêmica lei de radiodifusão, que determina maior controle da mídia por parte do governo da presidente Cristina Kirchner e seu marido e ex-presidente, Néstor Kirchner, considerado a verdadeira fonte de poder.

Os Kirchners, lembram analistas e representantes da oposição, emulam a ambição de Perón dos anos 40 e 50 de controlar os meios de comunicação. Do mesmo modo que o casal Kirchner tenta hoje destruir o poder do Grupo Clarín, o maior conglomerado de mídia argentino, Perón e Evita impuseram uma série de limitações aos órgãos privados e armaram uma superestrutura de meios de comunicação estatais, combinada a redes particulares de ‘empresários amigos’.

Segundo o historiador Eduardo Lazzari, Perón inicialmente tentava defender-se dos ataques da oposição. Mas logo depois percebeu que a defesa não era suficiente e fechou jornais como La Prensa, entregue a sindicalistas fiéis.

Nos dois primeiros governos de Perón (1946-55), muitos donos de órgãos de comunicação foram pressionados a vender jornais, revistas e estações de rádio. Em alguns casos, se os empresários mostrassem obediência, podiam ser designados diretores de suas ex-empresas, estatizadas.

Além do colossal sistema de mídia estatal, Perón tinha o respaldo de três grupos nominalmente privados: a Editora Heynes, a Associação de Promotores de Telerradiodifusão e a Editora La Razón, que publicava o influente jornal homônimo.

Tal como o governo atual fez com o Clarín há duas semanas – com uma insólita blitz fiscal -, as companhias jornalísticas que resistiam ao assédio de Perón eram pressionadas pelo Fisco.

O braço inquisidor do governo peronista era a Comissão Bicameral de Atividades Argentinas, comandada pelo ultraperonista deputado Emilio Visca, que vasculhava os livros de contabilidade dos jornais não alinhados com Perón para ter argumentos para seu fechamento, confisco ou intervenção.

Esse foi o caso de La Prensa, jornal da aristocrática família Paz – definido pela revista americana Time como um dos mais respeitados do mundo na época – e detestado pela primeira-dama Evita Perón. O jornal, cuja tiragem era de 480 mil exemplares, tornou-se alvo de uma campanha do governo a partir de 1947.

La Prensa foi atacado pelas rádios pró-governo e enfrentou uma campanha oficial que promovia o boicote da compra de seus exemplares. Os anunciantes eram pressionados a ignorar o jornal – que encolheu das costumeiras 40 páginas para 12, por causa do racionamento de papel.

Em 1950, o governo confiscou as novas rotativas importadas e as destinou para o Democracia, jornal editado pelo Estado argentino. Em 1951, o sindicato dos jornaleiros ameaçou não distribuir mais o diário. Na sequência, com a aprovação do Congresso, o jornal foi confiscado e entregue à Confederação Geral do Trabalho (CGT), o braço sindical do peronismo.

O líder do bloco peronista na Câmara, John William Cooke, afirmou que o governo estava contra La Prensa porque o jornal ‘era contrário aos operários e aos peronistas’.

Outros jornais, como La Nación – que já enfrentava o racionamento de papel de jornal, controlado pelo governo – tiveram de moderar suas críticas ao governo para evitar sofrer o mesmo destino de La Prensa.’

 

O plano dos Kirchners

‘TV a cabo – O Estado ganha o poder de regular tarifas e retirar licenças de TV aberta para empresas que também prestem serviços de TV a cabo

TV aberta – Canais deverão ter pelo menos 60% de produções nacionais na programação

Rádios – Emissoras serão submetidas a forte controle e regulamentação estatal e deverão transmitir, no mínimo, 30% de música nacional. Poderão transmitir jogos de futebol sem nenhuma restrição

Licenças – Emissoras serão distribuidas igualmente entre três grupos de proprietários: particulares, Estado e grupos sem fins lucrativos (sindicatos, fundações e igrejas)’

 

INTERNET

O Estado de S. Paulo

Google Books preocupa EUA

‘O Departamento de Justiça dos Estados Unidos considera que um acordo judicial que dá ao Google direitos digitais a milhões de livros fora de catálogo precisa ser revisto, pois ameaça a competição e pode elevar preços. A informação está em um documento apresentado à corte federal de Nova York. A agência governamental começou a analisar o acordo do Google, que recebe oposição de concorrentes como Microsoft e Amazon, no trimestre passado. O departamento informou ao juiz distrital Denny Chin esperar que seja fechado um acordo aceitável, respeitando as leis antitruste e de direitos autorais dos EUA.’

 

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