Tuesday, 14 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1287

O Globo faz título de cabeça para baixo

Sem destaque, os grandes jornais noticiaram na quinta-feira (2/9) que diminuiu a distância socioeconômica entre as favelas do Rio de Janeiro e a cidade formal, ou o ‘asfalto’, devido a uma redução da taxa de pobreza nas favelas e, na contramão, a um aumento dessa taxa nos bairros que não são favelados. Os dados são de uma pesquisa divulgada pelo economista Marcelo Néri, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro.


Na Folha de S.Paulo e no Estado de S.Paulo, os títulos e subtítulos das matérias retratam a realidade da pesquisa. Folha: ‘No Rio, empobrecimento reduz diferença com favela. Taxa de pobreza caiu na favela, mas cresceu nas demais áreas, diz economista da FGV’. Estadão: ‘Cai distância favela-asfalto. Segundo estudo, enquanto melhorou a vida nas comunidades, piorou nos outros bairros do Rio’.


No Globo, entretanto, os dados se refletem no título de maneira invertida: ‘Pesquisa da FGV revela que taxa de pobreza caiu em favelas da cidade. Apesar disso, renda per capita ainda é três vezes maior no asfalto’. O que o leitor apressado deduz, sem ler o corpo da matéria? Que a favela melhorou e o ‘asfalto’ vai muito bem, obrigado.


‘Ligeira’ queda


O mais intrigante é que o primeiro parágrafo da notícia do Globo é fiel aos dados divulgados, com um senão, que será apontado adiante:




‘O Rio não seguiu o exemplo do Brasil, que, nos últimos anos, registrou uma queda nos indicadores de pobreza, conforme noticiou a coluna de Ancelmo Gois. Pesquisa divulgada ontem pela FGV revela que a taxa na cidade aumentou de 9,61% em 1996 para 10,18% em 2008, na contramão do que aconteceu com o país. Um resultado puxado pelo empobrecimento da população do asfalto. Já nas favelas, ao contrário, houve uma ligeira queda da pobreza nesses 12 anos, de 18,58% para 15,07%’.


O senão é o uso do adjetivo ‘ligeira’ (queda da pobreza). Entre 18,58% e 15,07% há 3,51 pontos percentuais, que correspondem a 18,9% da taxa de 1996. Não é uma queda ‘ligeira’, mas considerável. Muito mais relevante do que o aumento da pobreza no asfalto, de 0,57 ponto percentual, ou 5,9% da porcentagem de 1996, 9,61%. O que não justifica, porém, o título desinformador.


É curioso que o jornal mais importante do Rio tenha tratado o assunto sem precisão, enquanto os editores dos jornais paulistanos davam às matérias recebidas das sucursais cariocas enquadramento adequado. A sucursal do Estadão não se limitou, como os outros dois, a ouvir o economista autor da pesquisa. Apresentou o caso de uma moradora em favela – fotografada em sua casa diante de um aparelho de TV a plasma – que luta para melhorar seu padrão de vida.