Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O gratuito tem um preço

Ninguém quer pagar por notícias. Mas como podemos incentivar o jornalismo que faz a diferença?

Os jornalistas gostam de ser os narradores – e não, os protagonistas – da história. Talvez seja por isso que uma das mais abruptas e estonteantes mudanças do nosso tempo – com implicações sociais potencialmente enormes – seja pouco abordada: o colapso do modelo econômico que tornou possível minha carreira.

Não se trata de uma manifestação de solidariedade para com as pessoas que vivem de escrever. É uma mensagem para quem já pegou num jornal e leu uma matéria que o emocionou, que o entreteve ou – mais importante – que lhe deu a informação para fazer seu trabalho, para cuidar de sua família ou para ser um cidadão educado.

Durante a maior parte de minhas três décadas em jornalismo, esse tipo de informação estava amplamente disponível, diariamente, por um preço insignificante. Se a memória não falhar, o custo de um exemplar do jornal que me contratou é de 35 cêntimos (cerca de 80 centavos). Nos dias de hoje, o preço diário tende a ser em torno de um dólar (R$ 1,60).

Essas duas moedinhas que você paga pelo jornal nunca chegaram perto de pagar os salários dos repórteres, fotógrafos e editores responsáveis pelo que gostamos de chamar de “milagre cotidiano”. Os anunciantes pagavam. Anunciantes que, na era da internet dos cookies e dos micro-alvos, sumiram da imprensa.

Direitos civis

Segundo o American Press Institute, o faturamento dos jornais caiu de 59 bilhões de dólares em 2000, para 38 bilhões em 2009. Os anúncios classificados – o sangue da vida da maioria dos jornais locais – despencou de 21,4 bilhões para 6,2 bilhões. (Obrigada, Craiglist [lista dos sites de anúncios classificados].) Eis aí o paradoxo da Idade da Informação: num momento em que as pessoas consomem mais notícias e em mais veículos que antes, menos pessoas parecem relatá-las. Em 1997, o número de pessoas nas listas de jornais do país era de 54.700. Hoje, esse número é de 41.500.

Consigo ouvir o piar dos proselitistas da internet: não estou levando em consideração a nova mídia. A notícia foi democratizada. Agora, qualquer cidadão é um jornalista e qualquer grande matéria pode surgir da multidão. Que floresça um bilhão de blogueiros. E, de qualquer jeito, quem precisa de jornalistas profissionais – um termo que, para alguns, seria um paradoxo?

Neste mês de maio, quando os norte-americanos comemoram o quinquagésimo aniversário das Marchas pela Liberdade, não só reconhecemos a história do movimento pelos direitos civis, mas também o fato de que por essa matéria diariamente na frente de nossos olhos era um sinal bem-sucedido da tão mal vista mainstream media. Em seu livro The Race Beat: The Press, the Civil Rights Struggle, and the Awakening of a Nation, de 2007, Gene Roberts e Hank Klibanoff demonstram como o êxito da luta pelos direitos civis estava próximo e intercalado com a atenção da mídia.

O uso de antolhos

Afinal de contas, o que fez com os Estados Unidos mudassem depois de aceitarem a escravatura, por quase 200 anos, e seu sucessor, Jim Crow? Ao contrário da África do Sul, não se tratava da questão de uma população majoritária que, depois de oprimida por um longo tempo, conseguisse finalmente seus direitos. No caso, era uma minoria clamando e conseguindo justiça devido à cobertura contínua e corajosa de repórteres relatando seus sofrimentos. Numa época em que existiam apenas três redes de televisão e sua cidade teria um ou dois jornais, as matéria sobre os direitos civis dificilmente eram evitáveis.

Seria essa mesma revolução gradual e inexorável possível nos dias de hoje? Ou os segregacionistas realmente dedicados pulariam para seu blog local da KKK em busca das notícias que desejam – e apenas as que desejam?

A nova tecnologia para fornecimento de notícias torna possível ampliar nossos horizontes de maneiras completamente inimagináveis anos atrás: posso escutar um programa de rádio gravado em Paris, ao vivo, em meu celular. Depois da morte de Osama bin Laden, meus colegas que falam árabe podiam acompanhar, em tempo real, as reações pelos websites e blogs do Oriente Médio.

Mas essa tecnologia também facilita o uso de antolhos. Se você quiser, você pode ler unicamente notícias dirigidas e escritas por praticantes de ioga vegetarianos. Ou, mais assustador, notícias dirigidas, escritas e sobre aqueles que têm ódio de Barack Obama e estão convencidos que o presidente é constitucionalmente ilegítimo porque nasceu no Quênia. Ou os que detestam Sarah Palin e acreditam que a ex-governadora do Alasca baniu livros clássicos infantis de suas bibliotecas estaduais.

Um mundo de opções

O site FactCheck.org, fundado pela Fundação Annenberg, expôs ao ridículo estes e montes de outros mitos urbanos que se perpetuam na internet. Brooks Jackson, seu diretor-executivo, disse, em salas de aula em que dou o curso de Jornalismo, que sua organização faz o mesmo tipo de trabalho que os jornais costumavam fazer, mas que hoje o pequeno número de profissionais de que dispõem não permite manter.

Quem está disposto a pagar e quem vai prestar atenção? São essas as perguntas que confrontam as redações enquanto sacudimos a poeira do colapso do velho modelo econômico que nos mantinha e tentamos nos adaptar a um novo. Porém, a questão não diz respeito apenas a jornalistas. À medida que as publicações pedem aos leitores que paguem mais pelo custo real de produção de matérias profissionais (o que os assinantes desta publicação já fazem), os consumidores das notícias devem perguntar a si próprios qual o tipo de matéria que querem apoiar – com seus dólares e seus olhos.

Numa época em que qualquer organização jornalística desconhecida se quer diferenciar pela opinião, tornou-se moda a não paixão e a indiferença não jornalística. Sim, a “objetividade” pode ser uma postura literária, mas a cobertura do movimento dos direitos civis – que foi trazida à nossa atenção por repórteres e editores brancos que faziam seu dever profissional abordando o outro lado da notícia – é uma prova de seu valor.

A tecnologia ofereceu-nos um admirável mundo novo de opções de mídia. Cabe a nós torná-las boas.

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Editora de política do National Journal