Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

O jornalismo de uma só voz

A economia cresce, o Banco Central pode interromper a redução dos juros e a maior parte dos indicadores sociais melhorou em 2006. Com variações mínimas, quase todos os meios de comunicação transmitiram essas informações nos últimos dias. Perdeu tempo e dinheiro quem comprou mais de um jornal para ler sobre os três principais assuntos econômicos da semana passada – os novos números do PIB, a ata do Copom e a Pnad-2006. Editores e repórteres preferiram, mais uma vez, deixar o trabalho analítico para as fontes de sempre. Nos melhores momentos, a imprensa é polifônica: em cada cobertura o leitor encontra uma pista diferente e relevante para entender e avaliar os fatos. Mas o hábito do cantochão tende a predominar.

No caso das contas nacionais, o destaque de todas as coberturas foi para a comparação entre o segundo trimestre deste ano e o do ano passado. Entre abril e junho de 2007, o Produto Interno Bruto foi 5,4% maior que o de um ano antes. Todos citaram esse número como se fosse uma taxa de crescimento. Não é, porque se trata de períodos descontínuos. Todos deixaram em segundo plano a variação do primeiro para o segundo trimestres, 0,8%, ou a expansão acumulada em 12 meses, 4,8%, muito mais claros como indicadores de tendência.

Aposta numa possibilidade

Todas as coberturas também realçaram o desempenho da indústria e chamaram a atenção para o investimento, duas das informações mais positivas. Mas houve pouco esforço para decompor o investimento na construção e mostrar onde se expande mais velozmente a capacidade produtiva. Os números do investimento foram pouco detalhados pelo IBGE e teria sido importante um esforço para ampliar a informação. Há sinais de redução da capacidade ociosa da indústria e, além disso, há um intenso debate sobre a segurança energética. Os novos números das contas nacionais permitem algum otimismo em relação a essas questões?

No caso da ata do Comitê de Política Monetária (Copom), uma interpretação foi aceita quase sem restrição: na próxima reunião o corte dos juros básicos será provavelmente interrompido. Há bons argumentos a favor desse entendimento. Pressões de demanda são mencionadas mais de uma vez no texto da ata. As projeções de inflação para este ano têm sido revistas para cima. Na última reunião do comitê, houve quem defendesse a manutenção dos juros – uma informação nova e considerada relevante como pista para futuras decisões. Enfim, o documento se refere com alguma insistência à defasagem entre as medidas monetárias e seus efeitos na economia real.

Mas também há argumentos não desprezíveis a favor de outra interpretação. Apesar das pressões, a inflação projetada para este ano continua abaixo do centro da meta e a estimativa para o próximo ano não se alterou. Além disso, o Federal Reserve, o banco central norte-americano, ainda se reuniria nesta semana para nova decisão sobre os juros naquele país. O BC brasileiro, em geral, leva em conta as mudanças na taxa básica dos Estados Unidos. Os jornais, de modo geral, assumiram como boa a opinião dominante no mercado financeiro e apostaram numa das possibilidades, a de interrupção dos cortes. Podiam ter dado as mesmas informações – muito bem apresentadas, em algumas das coberturas – sem assumir o risco da aposta.

Evolução socioeconômica

Também não houve muita diferença entre as matérias sobre a nova Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). Os dados positivos foram apresentados com alguma restrição num ou noutro ponto (por exemplo, a desigualdade de renda diminuiu, mas não no Nordeste). A análise, em geral, ficou a cargo de entrevistados ou de articulistas especialmente convidados para comentar o assunto. Mas nenhum editor deveria precisar de um analista externo para apontar a baixa da inflação como fator favorável à melhora da distribuição.

As comparações entre o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o anterior também foram pouco esclarecedoras e um tanto ingênuas. Basta olhar certos gráficos – como um publicado pelo Globo – para notar o dado relevante: na última década, a desigualdade atingiu o pico em 1993 e caiu de forma consistente, embora lenta, a partir daí. O analfabetismo também diminuiu de forma continuada, ou quase, e a inércia da inflação foi rompida. Não é preciso recorrer a especialistas para juntar esses dados.

Mas, apesar dessa timidez – e da excessiva dependência de especialistas para dizer obviedades –, as coberturas foram úteis e apresentaram amplo material sobre a evolução das condições socioeconômicas do país. O leitor interessado e paciente encontrou suficiente informação para refletir e para formar opinião sobre as mudanças nas condições de vida dos brasileiros.

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Jornalista