Wednesday, 08 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

O ‘jornalismo-diário-oficial’

O presidente Lula reage a qualquer crítica acusando a imprensa e uma hipotética elite de golpistas. Mas, na verdade, a elite econômica está coesa na defesa de seu governo, usufruindo lucros fabulosos com seus negócios favorecidos pelo beneplácito governamental. Quando nos referimos à chamada blindagem de Lula, na realidade deveríamos nos referir a um setor da grande imprensa que não cumpre o seu papel de informação. Estas relações entre governo, sociedade e imprensa merecem uma análise mais sistemática.

Quando falamos em mídia, na verdade pensamos em mediação, já que esta palavra etimologicamente vem de media do Latim, significando meios de mediação. A imprensa é, portanto, um veículo de mediação entre a sociedade e seus representantes eleitos e mesmo no judiciário esta mediação garante o cumprimento das leis e princípios éticos. Nestas semanas, vimos alguns casos dramáticos desta mediação assegurando a moralidade e a isenção no Supremo Tribunal Federal, com a divulgação das imagens das telas dos computadores dos ministros deste tribunal pelo fotógrafo Roberto Stuckert Filho e a divulgação da conversa telefônica de outro ministro, declarando que o tribunal julgou com a faca no pescoço.

Pelo sim, pelo não, a sociedade brasileira ficou surpresa com a unanimidade da aceitação da denúncia contra os 40 mensaleiros, tendo os supremos ministros evitado pavonices, proferindo votos lacônicos e apenas declarando: concordo com o relator. Onde ficaram os brocardos jurídicos e as demonstrações do tal de notório saber? Poderiam, pelo menos, enfeitar os votos com frases como: decidimos sob o argumentum baculinum (argumento a cacete) da sociedade! O voto aberto no Conselho de Ética do Senado também foi uma vitória da mediação em defesa da sociedade, aprovando por onze votos a quatro um parecer e condenando o presidente desta câmara por graves fatos, que se fossem contra um cidadão comum, este já estaria sob investigação em uma delegacia policial.

Santo dos humildes

Mas nem sempre essa mediação é bem-sucedida, pois existem na grande imprensa, escrita e televisiva, setores que pensam como uma espécie de Diário Oficial do governo, evitando críticas mais fundamentais e dando um destaque desproporcional à chamada ‘agenda positiva governamental’. Observamos isto mais facilmente no horário nobre dos noticiários, quando é dado um grande espaço aos discursos inflamados do presidente Lula com suas lágrimas e apelos emocionais em uma espécie de culto de personalidade a um duce caboclo.

Existe também nesta mídia, que age com parcialidade, um cuidado de não criticar os pontos frágeis e imorais da base política de sustentação do governo. Por exemplo, enquanto a imprensa é pródiga em criticar o extremismo religioso islâmico, por aqui se fala muito pouco do fundamentalismo religioso e da exploração econômica da religiosidade popular. Esta turma que mistura promiscuamente política, negócios e religião tem dezenas de representantes no parlamento brasileiro e assento no executivo, como o vice-presidente José Alencar e o ministro Mangabeira Unger, do PRB – partido da Igreja Universal do Reino de Deus, do bispo Edir Macedo.

Aqui podemos até perdoar a imprensa, já que nem os chamados grupos religiosos progressistas, como os nossos teólogos da libertação, parecem preocupados com isto, preferindo o silêncio, o que acaba contribuindo com a blindagem de Lula, que se transforma em uma espécie de santo dos humildes, em uma concorrência desleal a Frei Galvão.

Blindagem e popularidade

Assim como a imprensa pode ser acusada de parcialidade ao promover um político, também pode ser parcial ao apagar um nome de suas páginas ou noticiário televisivo. Um bom exemplo deste fato foi a série de reportagens ‘Brasileiros que ainda vivem na ditadura’, publicada recentemente pelo jornal O Globo, mostrando que milhões de brasileiros não têm os mínimos direitos humanos em comunidades pobres do Rio de Janeiro.

Mas essa série pareceu incompleta na medida em que não são questionados os nossos governantes, como Sérgio Cabral, que além de ter sido senador deste estado, é o terceiro governador do PMDB em um governo que já vai para nove anos. As reportagens deveriam ter também questionado o papel da Secretaria de Ação Social e Direitos Humanos e sua titular, Benedita Silva, da ala evangélica do PT fluminense.

E os ministros da Justiça e da Defesa? Por que foram deixados de lado nas reportagens? Afinal de contas, a população é oprimida por grupos que usam armamento militar pesado e a segurança sempre foi uma das promessas de Lula. O mesmo jornal publicou também duas reportagens mostrando que o chamado jogo do bicho está livre no Rio de Janeiro, funcionando, inclusive, na esquina da residência do governador deste estado, no bairro do Leblon. Não seria o caso da reportagem questionar por que este moço não foi investigado pela polícia federal para esclarecer ou não a conivência das autoridades estaduais com a contravenção? Afinal, diante do seqüestro, tortura e assassinato de um líder comunitário que vinha denunciando a ação de criminosos ligados à polícia, o governador Sérgio Cabral declarou, sem provas e nenhum pudor, que possivelmente o cidadão Jorge da Silva Siqueira Neto – o líder comunitário assassinado – tinha algum tipo de envolvimento com a criminalidade, como se isso diminuísse a gravidade do bárbaro massacre (ver O Globo, 10/09/2007).

Não vamos alongar mais este parágrafo, que mais parece um inventário, mas não podemos nos esquecer de Dilma Rousseff, que há um ano disse ser fácil acabar com a crise aérea mas, além de se omitir completamente, agravou a situação com os seus protegidos na Anac e agora fica escondida das páginas da imprensa.

Outros personagens que nunca são questionados por parte de nossa grande imprensa são os também ministros da Cultura, Gilberto Gil, e do Meio Ambiente, Marina Silva. Durante o governo Lula, assistimos pasmos à maior destruição ambiental em nosso país, acompanhada, infelizmente, da nossa maior depredação cultural dos últimos tempos, com o roubo de milhares de documentos, mapas, fotografias e objetos de valores incalculáveis para a nossa História, com os nossos museus caindo aos pedaços e sempre fechados com as greves eternas de seus funcionários. No entanto, a desídia desta gente nunca é lembrada e são tratados como inocentes figuras de modo a dar um ar popular ao governo Lula.

Assim, as elites aliadas ao governo com o apoio de uma imprensa tendenciosa vão criando a chamada blindagem e mantendo a popularidade de Lula, que agrada tanto às aristocracias nortistas e nordestinas quanto às tradicionais elites do sul-maravilha, que nunca na história deste país lucraram tanto, graças a essa aliança perversa pela qual a turma lá de cima arranja os negócios e as obras, o pessoal do sul finge executar e os lucros são divididos.

O DIP petista

Neste cipoal da grande imprensa ‘Diário Oficial’, temos uma imprensa independente que sobrevive, com muita dificuldade, graças às facilidades da internet, como os jornais Montbläat, que está entrando no seu quarto ano de vida, e NoMínimo, que infelizmente encerrou suas atividades recentemente. Mas a internet é um mundo difícil que exige muita interatividade, qualidade nos textos, imagens deslumbrantes, sons e daqui para frente vídeos. Isto implica altos custos com uma equipe técnica, a par dos colunistas.

A trajetória do jornal eletrônico NoMínimo ilustra essas dificuldades, já que tinha um excelente padrão multimídia e um corpo de redatores considerável. Mesmo assim, o seu patrocinador, que era uma companhia telefônica, desistiu de fornecer o suporte, acredito que por não ter interesse em uma publicação crítica e cultural, e sim em eventos que acabam em pancadaria e no final são quebrados muitos celulares que serão trocados, com aquelas ofertas a que a turma do consumismo não resiste.

Portanto o patrocínio de uma publicação deve ser discutido juntamente com a liberdade intelectual, pluralidade cultural e divulgação de idéias pela imprensa.

Devemos, entretanto, distinguir entre um patrocínio direto, em que uma empresa coloca um anúncio ou banner em um meio de comunicação pagando com seus próprios recursos, e quando isto é feito através de um projeto dentro da Lei de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet) ou leis equivalentes estaduais e municipais. Neste caso, o dinheiro investido é descontado no pagamento de impostos e quem, em última análise, paga o patrocínio é o contribuinte, já que impostos deixam de ser arrecadados.

Grandes bancos e empresas estatais como Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Petrobrás e Furnas controlam uma enorme verba com os grandes projetos culturais que apóiam e, conseqüentemente, publicam muitos anúncios na imprensa sobre exposições, peças teatrais e inúmeras atividades culturais. Mas, infelizmente, esses anúncios nunca aparecem na imprensa mais independente, onde seriam até mais efetivos devido ao tipo de público que atingiriam. O jornal NoMínimo seria salvo e o Montbläat chegaria às nuvens com esses anúncios, que, como já salientamos, são pagos pela sociedade. Mas, infelizmente, vivemos sob a égide de um DIP (o Departamento de Imprensa e Propaganda da ditadura getulista) petista onde tudo é loteado e controlado, ainda mais agora, com a nova TV Pública de Lula.

Mentiras e blablablá

Quando pensamos em patrocínio para a mídia, para uma instituição ou projeto cultural, devemos lembrar que muitas vezes podemos estar diante de uma faca de dois gumes, na qual o patrocínio pode tornar-se uma mordaça. Exemplos significativos desse fato podemos ver no sindicalismo brasileiro, na UNE, onde os estudantes são subsidiados não só pelo governo como por partidos políticos, principalmente o PCdoB, que paga até salários para líderes estudantis, e nos meios acadêmicos, onde a ausência de críticas é vergonhosa. Isto pode ser visto também no silêncio de várias ONGs ambientalistas, que sempre permaneceram mudas diante das depredações ambientais cometidas pelo governo norte-americano na América do Sul, como destruição do meio marítimo por atividades militares, destruição da floresta amazônica e contaminação química de suas águas com seus programas de erradicação das plantações de coca, complacência com o tráfico de armas etc.

Só para informação, tenho em minhas mãos uma publicação da WWF-Brasil intitulada Reflexos das cores amazônicas no mosaico da educação ambiental, editada com apoio da Usaid – Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional. No site dessa entidade é possível encontrar três outros projetos apoiados pela Usaid.

Para encerrar este ponto deixo três perguntas: por que este projeto não aparece nos relatórios da WWF-Brasil publicados na internet? Por que esta ONG não critica os danos ambientais de responsabilidade do governo norte-americano na América do Sul? Qual era o interesse da Usaid em fazer o levantamento de todos os grupos e pessoas que, de uma maneira ou de outra, estavam relacionadas com programas de educação ambiental na região amazônica?

Aqui chegamos à parte mais difícil deste texto, que é falar daqueles jornalistas e escritores que entortam a pena de suas canetas, de modo a escrever de uma maneira invertida, criando realidades imaginárias ao agrado de grupos ou pessoas.

Recentemente, o jornal O Globo publicou uma crônica que, se Stanislaw Ponte Preta estivesse vivo, chamaria de ‘Samba do cronista doido’, já que é feita uma salada ideológica de modo a dar sustentabilidade à teoria das elites golpistas de Lula. Na crônica, são usadas de forma transversa informações do livro A cabeça do brasileiro, de Alberto Carlos Almeida, que, entre outras coisas relevantes, mostra a importância da escolarização e cultura para o aperfeiçoamento da democracia com uma maior participação cívica e política. Mas em um país onde é comum, principalmente no nordeste, que políticos paguem seus empregados domésticos com cartões do Bolsa Família (ver entrevista com Niède Guidon, Folha Online, 19/08/2007), os críticos do populismo eleitoreiro associado a estes programas são brindados pelo cronista em tela, em uma tentativa de desqualificá-los, com frases como: ‘As campanhas assistencialistas que tentam melhorar a qualidade do povo atual só a pioram, pois, se por um lado não ajudam muito, pelo outro o encorajam a continuar a existindo. E pior, se multiplicando… o povo brasileiro só envergonha a sua elite… se ao menos as bolsas-família fossem Vuiton’ – e vai por aí brincando com assuntos sérios.

O problema dos que entortam a pena é que acabam entortando a língua e depois ficam iguais a Lula, Renan e todos os Severinos da política que saem por aí falando: sou inocente, é tudo mentira e blablablá…

[Textos de referência: A cabeça do brasileiro, Alberto Carlos Almeida e ‘Fora povo!’, crônica de Luis Fernando Veríssimo (O Globo, 30/8/2007]

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Físico, Rio de Janeiro, RJ