Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

O jornalista fazedor de amigos

Diante da imparável e assustadora perda de amigos próximos, não vejo mais sentido em escrever obituários chorosos ou laudatórios e muito menos em exaltar carreiras. Prefiro agora, como é o caso presente, lembrar dos bons tempos de convivência fraternal, divertida e sobretudo instrutiva com Edwaldo Pacote, o E.Pacote, como ele assinava suas matérias, falecido na quarta-feira (5/8), aos 81 anos, depois de um longo e estóico sofrimento na luta contra um câncer.

Meu amigo e meu editor em três publicações, eu o conheci em 1961 na extinta revista Visão, na acanhada mas acolhedora redação da rua Sete de abril, 252, no então centro novo de São Paulo. Pacote, formado na escola do bom jornalismo paulistano dos anos 1950, já era experiente: passara pelo jornal comunista Hoje, o que então se conhecia como Folhas (três jornais diários) e a sucursal paulista da revista O Cruzeiro, sempre como repórter.

Ao contrário de boa parte de seus colegas de reportagem, enfronhados na apuração dos fatos batendo pernas nas ruas da cidade, ele escrevia muito bem e, para os olhos impressionados do foquinha inseguro e embasbacado, uma insuperável velocidade no batucar das pretinhas da pesada e prateada Olivetti. Era daquele tipo de jornalista que tirava o papel da máquina, e pronto, a matéria não precisava de mexidas ou remendos de edição. O dele era de fato um texto final.

Esse talento para o ofício de escrever e um temperamento efusivo, às vezes invocado do paraibano Pacote, marcavam seu dia-a-dia com a turma de Visão, então no auge como revista semanal de informação ao estilo da americana Time. Sob o comando de Hideo Onaga e Jorge Leão Teixeira, dois grandes profissionais, apoiados por José Yamashiro e Washington Novaes na secretaria de Redação, a revista, na década de 1960, fazia, nessa primeira fase, um jornalismo sóbrio e confiável, sem concorrência até o surgimento de Veja em 1968.

Ao lado de Pacote, na função de redatores, estavam Marco Antonio Escobar, Geraldo Azevedo, Oriel Pereira do Vale, Alexandre Gambirasio. Da sucursal carioca vinham as análises políticas de Luiz Alberto Bahia; em São Paulo, José Guarany Orsini cuidava da cobertura econômica, o finlandês Jussi Lehto da diagramação, Ruy Onaga da revisão, Slavo Sirks da pesquisa, o austríaco Ulrich Svitek da fotografia. Colaboravam Frederico Branco (panorama internacional), Delmiro Gonçalves (teatro) e outros nomes de peso da vida cultural paulistana.

Despedida de boêmio

Nenhum de nós na revista podia, como ele, orgulhar-se de amizades pessoais com figuras maiores das artes e da cultura brasileira. Pacote, jornalista respeitado havia tempo, foi amigo de Rubem Braga, Jorge Amado e familia, Carybé, Manezinho Araújo, Aldemir Martins, Di Cavalcanti, os irmãos Villas-Boas, o médico Noel Nutels, o poeta Ferreira Gullar, o ator José Lewgoy, o colunista Ibrahim Sued, e mais uma infinidade de outros nomes de destaque, políticos incluídos, no Rio, São Paulo e Brasilia.

Era do trato íntimo com essa gente graduada, no meio da boemia culta, no barzinho do Museu, no prédio dos Diários Associados, no Clubinho, nos baixos do Instituto dos Arquitetos, na rua Rêgo Freitas, ou nas mesas esfumaçadas e ruidosas da Baiúca, na praça Roosevelt, que ele tirava o sabor e a precisão de suas matérias (e papos) ao descrever cenas e episódios dos mais fundos bastidores pátrios – testemunha ocular, com certeza, de muito fato digno de nota para ele, repórter incansável, mas às vezes impublicáveis por deveres de discrição e cautela profissional.

Fino conhecedor de artes plásticas e literatura brasileira dos anos 1930 e 40, curtia comida japonesa e um bom escocês no copo. Gostava muito dos boleros mexicanos e da música do seu Nordeste. Levou sempre vida de solteiro, era um ser noturno, cheio de energia ao cair da tarde, invariavelmente escoltado por belas companhias femininas.

Por tudo isso, seu velório não foi triste, os amigos ali reunidos lembravam de algum dos inúmeros ‘causos’ do velho Pacote, seu sentido de humor algo ácido e cético, seu jeitão elétrico e falante, aqui e ali desabrido, malcriado até, sua reação irritada, mas digna e genuína, quando ouvia criticas a Lula ou ao PT, para ele quase intocáveis, mas sempre respeitoso das opiniões divergentes das suas próprias.

Valeu, amigão!

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Jornalista e escritor