Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

O presidente crítico de mídia

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve ter acordado invocado na terça-feira (10/02). Discursando para quase 4 mil prefeitos brasileiros, ele criticou duramente a imprensa brasileira e reclamou da cobertura dos jornais do dia anterior, acusando a mídia de ter deturpado o sentido do evento com os prefeitos. ‘Fiquei triste como leitor porque estão abusando de minha inteligência. Tem gente que pensa que o povo é marionete, é vaca de presépio. Disseram que este ato eu ia fazer o pacote da bondade e que o presidente vai dar dinheiro para prefeito bandido. Como é fácil julgar as pessoas. Não deram nem sequer a oportunidade para vocês [prefeitos] mostrarem que não são os ladrões que escrevem que vocês são’, afirmou Lula.


O presidente também acabou desmentindo, durante o discurso, uma de suas frases célebres, que até já virou mote quando ele é perguntado sobre as suas relações com a mídia: ‘eu só sou o que sou por causa da imprensa’. Aos prefeitos, Lula disse algo bem diferente: ‘Nunca fui eleito porque a imprensa me ajudou. Fui eleito porque gastei gota de suor para enfrentar o ódio dos de cima contra os de baixo. Eu posso perder a minha postura, mas não perco o meu caráter nem a minha vergonha’.


Uma análise mais detida das palavras do presidente, porém, revela que a contradição entre os vários discursos – não é a primeira e certamente não será a última vez que Lula critica veículos de comunicação – é apenas aparente. De fato, Lula só é o que é por causa da imprensa e isto significa que ele sabe usar como poucos políticos a exposição pública a seu favor. O presidente é muito criticado pela oposição ‘por nunca ter descido do palanque’, mas qualquer deputado de primeira legislatura sabe que a política não é outra coisa senão uma campanha permanente. Em algumas situações, é claro, a boa tática recomenda o recolhimento, mas é da natureza dos homens públicos, especialmente dos que disputam os cargos de maior importância, a busca pela maior exposição possível na mídia. E Lula faz isto como realmente poucos, talvez apenas Getúlio Vargas e Jânio Quadros possam ser comparados ao líder petista.


Presidente observador da imprensa


Por outro lado, o presidente gosta de se comportar, em diversas ocasiões, como analista e crítico da imprensa. É evidente que esta postura também é um jeito de fazer política – legítimo, por sinal. O ex-operário que chegou ao Palácio do Planalto tem muita razão ao dizer que venceu as duas eleições presidenciais sem ajuda da imprensa. É verdade, desde 1982 a imprensa brasileira acompanha a trajetória do atual presidente com um misto de preconceito e bajulação, e de lá para cá a dose do primeiro tem diminuído, mas permanece preponderante. Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, sempre contou com apoio coeso dos proprietários dos veículos de comunicação, que ajudaram a elegê-lo, como também ajudaram Fernando Collor (depois derrubado com apoio entusiástico da imprensa nacional, diga-se de passagem).


Lula, ao contrário, sempre contou com a oposição, mais ou menos velada, do patronato da imprensa. Após chegar ao poder e realizar um governo muito menos ‘petista’, para dizer o mínimo, do que se imaginava, o presidente conseguiu neutralizar a oposição mais histérica de certos veículos, mas realmente não conta com apoio ou simpatia neste setor.


Ao exibir o seu lado ‘observador da imprensa’, Lula presta um grande serviço à sociedade brasileira porque obriga os jornalões a publicarem… crítica de mídia. O presidente também se mostra bastante perspicaz ao dizer que o povo ‘não é marionete’ e julga os fatos a despeito do que aparece na imprensa. As duas eleições presidenciais vencidas pelo PT de certa forma corroboram esta análise e a perspicácia de Lula está em apontar a evidente contradição entre a maneira com que as notícias são divulgadas e o modo como a opinião pública lê essas mesmas notícias. Até aqui, aparentemente, a grande imprensa não tem sido feliz em tentar convencer os brasileiros de que o atual governo é desastroso e que o presidente é um bravateiro, populista, ou coisa do gênero.


Tudo somado, não há nada de ruim no ‘Lulinha bate e assopra’. É perfeitamente compreensível que ele elogie a imprensa, atribua seu sucesso à exposição que obteve (também é fruto do seu próprio suor) e que faça críticas até virulentas quando se sente prejudicado pelo que sai no noticiário. Do ponto de vista do avanço da democracia brasileira, quanto mais se discutir o comportamento da mídia, melhor.


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Simone Iglesias, Letícia Sander e Fernanda Odilla


‘Lula ataca imprensa e diz que ‘povo não é marionete’’, copyright Folha de S. Paulo, 11/02/09


‘Diante de uma plateia de cerca de 4.000 dos 5.564 prefeitos do país, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou ontem a imprensa ao rejeitar o tom eleitoral do encontro organizado pelo governo federal, mas fez promessas típicas de campanha, sobretudo ao dizer que pode cortar de tudo no governo, ‘até o batom’ da ministra Dilma Rousseff, menos obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).


Lula foi aplaudido no evento, mas o ‘pacote de bondades’ anunciado frustrou parte dos presentes. ‘Os prefeitos queriam medidas que aumentassem a arrecadação e dessem maior flexibilidade para enfrentar a crise. Mas o governo quer empurrar programas que podem desequilibrar ainda mais as contas’, afirmou, ao final, Paulo Ziulkoski, presidente da CNM (Confederação Nacional de Municípios).


As seis medidas desse ‘pacote de bondades’, nem todas inéditas, foram associadas na véspera pela imprensa à possível candidatura da ministra Dilma à Presidência em 2010, o que irritou Lula. ‘Fiquei triste como leitor porque estão abusando de minha inteligência. Tem gente que pensa que o povo é marionete, é vaca de presépio. Disseram que este ato eu ia fazer o pacote da bondade e que o presidente vai dar dinheiro para prefeito bandido. Como é fácil julgar as pessoas. Não deram nem sequer a oportunidade para vocês [prefeitos] mostrarem que não são os ladrões que escrevem que vocês são.’


Lula prosseguiu: ‘Não é possível que a gente possa se calar diante de tamanha ofensa. Disseram que é um ato para promover dona Dilma Rousseff. São pessoas pequenas. Eu, graças a Deus na minha vida, nunca tive favor de ser eleito porque a imprensa me ajudou’.
Apesar de negar o tom eleitoral no discurso de 50 minutos, Lula fez referências positivas à ministra e atacou indiretamente o governador José Serra (PSDB) e o prefeito Gilberto Kassab (DEM) pelo índice de analfabetismo em São Paulo.


Em uma série de autoelogios, o presidente afirmou que ‘nunca antes na história deste país’ os prefeitos tiveram tantas políticas sociais e obras públicas viabilizadas pela União. A frase foi a introdução para falar do PAC, carro-chefe da pré-campanha de Dilma. Apesar da ênfase dada por Lula ao principal programa do seu segundo mandato, o PAC gastou até agora só 40% de seu orçamento original.


Entre os seis atos assinados por Lula está a medida provisória que possibilita o parcelamento de débitos com o INSS em 20 anos, solução adotada quatro vezes nos últimos 12 anos e que ainda não resolveu o problema -a dívida só cresce.


Os prefeitos, porém, esperavam mais, ao se deslocarem até Brasília para ouvir Lula. ‘Para mim o governo só reassume o compromisso de que os programas vão chegar. O PAC na minha região, o Jequitinhonha, ainda não é realidade’, disse o prefeito de Francisco Badaró (MG), José Oliveira (PDT), lembrando-se de que já recusou o programa Caminho da Escola. ‘Esse não é de agora.’


Um dos principais argumentos do Planalto para realizar o evento foi o de que ele seria uma forma de ‘apresentar’ os diferentes programas do Executivo aos recém-empossados. Cerca de 40% dos prefeitos foram reeleitos em 2008.


No discurso, Lula reclamou da burocracia na relação entre União e municípios e citou as enchentes em Santa Catarina como exemplo da dificuldade de repassar recursos, mesmo em meio a catástrofes.


O evento, organizado pelo governo, se sobrepõe à tradicional marcha dos prefeitos, que ocorria todos os anos. Ontem, no palco, o clima foi de elogios ao Planalto, exceto no discurso de Ziulkoski. ‘Não dá mais para que Brasília tome a decisão e os prefeitos tenham que assumir. Vamos fazer enfrentamento contra o INSS para que pare de abocanhar a parte dos municípios’, disse. Ele foi aplaudido de pé pelos prefeitos.’

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Autor do blog Entrelinhas