Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O que contam os jornais.
E o que não contam

Os jornais de São Paulo seguem na trilha do assassinato de um jovem cliente, cometido por um segurança das Casas Bahia. Mas o leitor atento há de sentir falta de algumas perguntas básicas. Discute-se, por exemplo, se o jovem Alberto Milfont Júnior tinha ou não passagem pela polícia, como se isso justificasse o crime ou pudesse ser tomado como atenuante.


O Estado de S.Paulo foi visitar a Casa do Zezinho, no bairro do Capão Redondo, instituto de assistência social onde o jovem foi atendido na adolescência. Alberto Milfont Júnior freqüentou a entidade na adolescência e acabou se tornando educador voluntário e mediador de conflitos. Sua história é a de muitas crianças e jovens da periferia, que superam as dificuldades com a ajuda de entidades de assistência social.


A polícia ainda enxerga esses cidadãos como marginais, e o mesmo preconceito costuma resvalar para os sistemas privados de segurança. A imprensa ofereceu detalhes sobre o episódio, mas passa longe de sutilezas como essa. O leitor merece um debate mais profundo sobre as questões que estão na raiz desse tipo de incidente.


Questão adicional


Seria interessante conhecer, por exemplo, se a rede de lojas mantém guardas armados em todos os seus estabelecimentos, ou só naqueles situados na periferia da grande cidade. Deve-se discutir, entre outras coisas, os privilégios concedidos às empresas de segurança privada, muitas das quais são controladas por oficiais da Polícia Militar.


Também cabe investigar como são recrutados e capacitados esses homens armados, se seu perfil é adequado ao tipo de trabalho que exercem. É sabido que muitos deles são ex-policiais, mas pouco se sabe sobre por que deixaram as forças de segurança pública.


Outro detalhe que poderia dar mais qualidade ao noticiário se refere à eficácia desse tipo de proteção. O número de crimes cometidos por seguranças privados já poderia ter recomendado alguma reportagem mais alentada sobre o sistema. E uma questão adicional é: quanto o interesse de empresas particulares de vigilância controlados por policiais influencia as decisões das autoridades na logística do sistema público de segurança?


Perfil psicológico


Um crime nunca é apenas um crime, mas a imprensa segue preocupada com os detalhes factuais e passa longe de discutir o sistema.


O que não passou ainda pelas páginas dos jornais é o risco que correm milhares de clientes que ingressam em bancos e lojas onde armas de fogo estão em mãos de pessoas cuja qualificação e cujo perfil psicológico não se pode ler no crachá.


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Duas polícias


O noticiário de quinta-feira (13/11) dos jornais pode induzir o leitor a entender que há duas polícias atuando no caso do Banco Opportunity: uma investigando crimes atribuídos ao banqueiro Daniel Dantas e seus sócios e outra investigando os investigadores.


Enquanto uma das partes alimenta a imprensa com supostos abusos cometidos pelo delegado Protógenes Queiroz e seus assistentes, outra segue tentando esclarecer até onde foram as ações ilegais do banqueiro.


Entre os dois principais jornais de São Paulo, observa-se claramente que a Folha de S.Paulo dá mais destaque à apuração de possíveis abusos da polícia, enquanto o Estado de S.Paulo oferece mais espaço para novidades nas denúncias contra Dantas.


Em destaque na edição de quinta-feira (13) no Estadão, a notícia de que nova investigação da Polícia Federal encontra mais indícios para incriminar o controlador do Banco Opportunity. Em destaque na Folha, a estratégia dos advogados de Daniel Dantas, que pretendem pedir a anulação de todos os processos penais e de inquéritos produzidos pela Operação Satiagraha e levar o processo para o Supremo Tribunal Federal.


O noticiário pode levar o leitor a entender duas coisas: primeiro, que o barulho em torno da apuração dos métodos da Polícia Federal ajuda o acusado. Segundo, que os advogados de Dantas confiam plenamente em um julgamento favorável no Supremo Tribunal Federal.


Fraturas do sistema


Paralelamente ao caso específico da chamada Operação Satiagraha, o Estado de S.Paulo oferece uma entrevista com o diretor dos Serviços Judiciários do Principado de Mônaco, responsável pela extradição do banqueiro Salvatore Cacciola para o Brasil. Ali estão expostas as fragilidades do controle do Estado sobre grandes somas de dinheiro que circulam pelo sistema financeiro internacional, o que facilita fraudes e estimula o crime do colarinho branco.


A imprensa poderia fazer mais desses trabalhos: em vez de se perder nos detalhes confusos de uma investigação, explicar para o leitor como funcionam os grandes esquemas, e por que nenhum governo até hoje produziu um sistema eficiente para controlar o fluxo do dinheiro sujo pelo mundo.


Pelas fraturas do sistema financeiro internacional se movimentam o dinheiro do narcotráfico, os lucros da corrupção e os ganhos de especuladores.