Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

O que é o bom jornalismo

Leitor assíduo do que sai no Observatório da Imprensa, quando encontro um texto como este (‘A guerra de Bush e o fim do jornalismo‘, de Argemiro Ferreira), analisando a postura da imprensa dos Estados Unidos frente à invasão do Iraque, percebo o que é o bom jornalismo. Quando o texto mostra que apoiaram a guerra ‘até organizações jornalísticas cujo passado autorizava esperar delas um mínimo de dignidade e profissionalização’, pergunto-me: qual é o significado da expressão ‘liberdade de imprensa’?


Tal expressão parece ter sentidos opostos, de acordo com quem a use. Se utilizada por donos de grandes meios de comunicação ou seus subservientes jornalistas, tão bem detalhados no texto, que correspondem a toda a grande imprensa (impressa e televisiva) americana, liberdade de imprensa significa ter liberdade para ser cúmplice de ações arrogantes (torná-las factíveis persuadindo o público-alvo); para não investigar e, assim, divulgar descompromissadamente mentiras; para manipular o sentimento ‘patrioteiro’ em proveito próprio (obter o direito de ser dono de rede de TV nos EUA, faturar com a guerra, como a GE, fornecedora do Pentágono). E, como contraparte indispensável: para formar buchas de canhão convencidas da sua ‘pseudo’ missão de salvadores do mundo a serem usadas em invasões, crentes de terem o mais heróico comandante-em-chefe na presidência.


Num país (EUA) de tanta gente satisfeita, que (cf. informação encontrável no primeiro dos quatro livros decorrentes do seminário ‘Hegemonia e contra-hegemonia’, 2003) consome 1/4 de tudo o que é produzido no mundo, as opiniões privadas dos detentores dos grandes meios de comunicação se tornam mais facilmente públicas, por esbarrem, ao que parece, pouco em mediações – criadas por movimentos sociais – interpostas entre elas e os destinatários, tornando pequena a eficácia da imprensa alternativa que se salvou desse tipo de postura da mídia americana.


Obstrução


O segundo significado de liberdade de imprensa é representado por essa mídia alternativa americana: liberdade para mostrar o que realmente acontece, liberdade para desconstruir a pasteurização das pessoas em torno de mitos criados para engambelá-las. Por haver, no Brasil, mediações, criadas por movimentos populares, as meias-verdades ou mentiras, a manipulação, a distorção parece estar sendo menos eficaz, pelo menos em termos eleitoreiros e por ora, no Brasil.


No entanto – aqui também – o espaço ocupado por jornalistas mais argutos e o público que atingem são bem pequenos se comparados àqueles pertinentes aos jornalistas menos críticos ou mais subservientes. Por exemplo, o Jornal Nacional atinge maior público do que qualquer outro. Nele aparece Arnaldo Jabor – paradoxalmente – ora atacando a postura dos EUA em relação ao Iraque, quem sabe, fazendo Tio Sam ficar atento; por outro lado o mesmo Jabor defende de maneira acrítica, ligeira e enfática o processo de globalização tal qual interessa aos EUA, adjetivando de atrasados, retrógrados, burros, populistas e estalinistas, de estúpidos (que podem vir a causar a iraquização da América Latina) todos os que acreditam haver alternativas além do pensamento único que se quer impingir como inevitável saída para o atraso brasileiro (como se dissesse: Tio Sam pode relaxar e sorrir, eu só estava brincando de cinema, como Glauber Rocha).


Se isso é o que atinge o grande público, se deixássemos de considerar a mediação imposta a partir de movimentos sociais, de pouco adiantariam – para diminuir a criação de estações repetidoras (Homer Simpsons) da última flor do pensamento econômico do liberalismo, as opiniões veiculadas em Valor Econômico (do mesmo grupo Globo e da Folha), como as de Maria Inês Nassif, quando, em 13/7/06, pergunta: ‘Por que é praticamente impossível conseguir o consenso entre os políticos?’. E responde:




‘Porque existe uma obstrução na representação política, que está sendo incapaz de fazer as ligações da sociedade com o Estado e também devido à hegemonia ideológica do liberalismo. Pasteurizando os partidos em torno de uma agenda de mercado, obrigou à troca da luta ideológica pela simples luta política pelo controle da máquina administrativa federal.’


Muitos jornalistas contribuem para essa obstrução.

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Aposentado, Rio de Janeiro